OPINIÃO: Anterioridade na majoração das alíquotas do PIS/Cofins sobre receitas financeiras

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O STF (Supremo Tribunal Federal) julgará em sessão virtual, entre hoje (28/4) e o próximo dia 8, se os contribuintes deverão recolher as contribuições ao PIS e Cofins incidentes sobre as receitas financeiras à alíquota, respectivamente, de 0,33% e 2
O STF (Supremo Tribunal Federal) julgará em sessão virtual, entre hoje (28/4) e o próximo dia 8, se os contribuintes deverão recolher as contribuições ao PIS e Cofins incidentes sobre as receitas financeiras  à alíquota, respectivamente, de 0,33% e 2% ou 0,65% e 4%, nos meses de janeiro a março de 2023.
 
 
Como é sabido por muitos, no dia 30 de dezembro do ano passado, penúltimo dia do governo que iria sair, publicou o Decreto nº 11.322/2022, modificando a redação do Decreto nº 8.426/2015 para estabelecer que as alíquotas PIS/Cofins-Receitas financeiras passariam a ser, respectivamente, de 0,33% e 2%, em detrimento das alíquotas então vigentes, de 0,65% e 4%.
 
Ocorre que, no dia 2 de janeiro de 2023, foi publicado o Decreto nº 11.374/2023, que revogou o Decreto nº 11.322/2022, e devolveu vigência às alíquotas majoradas anteriormente previstas. Se está, portanto, diante de uma majoração indireta de contribuições sociais.
 
Isso torna necessário observar o direito fundamental dos contribuintes de não sofrer os efeitos de tal majoração antes de decorridos noventa dias da publicação do respectivo ato normativo, como previsto no § 6º, do artigo 195, da Constituição. [1]
 
 
A respeito dessa anterioridade nonagesimal, o professor Leandro Paulsen leciona que ela "(g)arante ao contribuinte o interstício de 90 dias entre a publicação da lei instituidora ou majoradora do tributo e sua incidência apta a gerar obrigações tributárias. (...) Basta a observância do decurso de noventa dias, ainda que no curso de um mesmo ano, para que se possa ter a incidência válida de nova norma que institua ou majore contribuição de seguridade social". [2]
 
A expressão "lei", empregada no mencionado dispositivo constitucional, também abrange os decretos, conforme pacificado pelo STF no julgamento da ADI nº 5.277:
 
"A majoração da contribuição ao PIS/Pasep ou da Cofins por meio de decreto autorizado submete-se à anterioridade nonagesimal prevista no art. 195, § 6º, da CF/88, correspondente a seu art. 150, III, c."
 
Contudo, a postura do novo governo e a própria redação do Decreto nº 11.374/2023 revelam que se pretende ignorar este direito fundamental, aplicando imediatamente as alíquotas majoradas.
 
Para tanto, a Fazenda Nacional tem defendido uma interpretação restritiva da anterioridade nonagesimal, relativizando este direito sob o argumento da proximidade entre as datas de publicação do decreto que reduziu e do decreto que, depois, aumentou as alíquotas.
 
Como o primeiro foi publicado na última sexta-feira de 2022 e o segundo na primeira segunda-feira de 2023, alega-se que a redução das alíquotas não teria produzido efeitos, de modo que a subsequente majoração estaria dispensada de respeitar a anterioridade.
 
Porém, a sistemática dos direitos fundamentais não admite interpretação restritiva em desfavor dos particulares. É preciso recordar que a função primordial do constitucionalismo e, portanto, do Estado de Direito, está na limitação do Poder Estatal e garantia dos direitos fundamentais dos particulares.
 
 
O então presidente em exercício Hamilton Mourão deixou uma armadilha fiscal ao governo que assumiria no dia seguinte
Valter Campanato/Agência Brasil
No Direito Tributário este conflito é particularmente significativo, tendo sido a limitação ao poder de tributar, inclusive, um dos principais motivos para a nobreza britânica defender a assinatura da Carta Magna pelo rei João Sem Terra, em 1215, no que foi um dos atos precursores do constitucionalismo.
 
Logo, o respeito aos direitos fundamentais dos contribuintes deve ser tratado com a devida gravidade, tendo em conta não apenas sua relevância jurídica, histórica e teórica, mas, principalmente, seu impacto na previsibilidade e segurança jurídica do panorama fiscal brasileiro, sendo fundamental para a criação de um ambiente de negócios estável e atraente para o investimento, a criação de empregos e, com isso, o desenvolvimento econômico e social do país.
 
No julgamento da mencionada ADI nº 5.277, o ministro Nunes Marques destacou a relevância do princípio da não surpresa, corolário da segurança jurídica, para a correta solução da controvérsia acerca da anterioridade nonagesimal na majoração, por decreto, das alíquotas PIS/Cofins:
 
"Ainda assim, acompanho o relator quanto à necessidade de que eventual restabelecimento de alíquotas por meio de decreto venha a observar o princípio da anterioridade nonagesimal, como forma de atender ao princípio da não surpresa."
 
Na mesma linha, o ministro Alexandre de Moraes destacou que nestas situações a anterioridade nonagesimal constitui uma garantia essencial para a programação da atividade econômica dos contribuintes:
 
"É óbvio que, se foi para zero e aumentou, foi aumento, mas aumento dentro do teto permitido. Esse aumento é possível dentro do teto permitido, porém o contribuinte deve pela possibilidade de se programar. E essa possibilidade de se programar se dá pelo princípio da anterioridade nonagesimal."
 
Cabe lembrar que este entendimento foi proferido pelo STF em sede de controle concentrado de constitucionalidade, possuindo eficácia vinculante e oponibilidade a todos, conforme o § 2º, do artigo 102, da Constituição [3]. Assim, aos órgãos da administração pública e do Poder Judiciário cumpre a sua observância.
 
Muitos contribuintes já têm se socorrido ao Judiciário para afastar a cobrança imediata das alíquotas majoradas do PIS/Cofins-Receitas financeiras, existindo decisões liminares tanto favoráveis quanto desfavoráveis ao contribuinte.
 
A controvérsia em tela já chegou ao STF, através da ADC nº 84, ajuizada pelo novo governo federal, na qual foi proferida decisão liminar pelo relator, ministro Ricardo Lewandowski, suspendendo as decisões judiciais que reconhecem o direito à anterioridade nonagesimal.
 
Em sua fundamentação, Lewandowski afirmou que "no seu exíguo prazo no ordenamento jurídico, o Decreto 11.322/2022 não foi aplicado ao caso concreto, pois não houve sequer 1 (um) dia útil a possibilitar auferimento de receita financeira – isto é, como não ocorreu o fato gerador, o contribuinte não adquiriu o direito de se submeter ao regime fiscal que jamais entrou em vigência".
 
Porém, este raciocínio desconsidera alguns fatores. Primeiro, cumpre apontar, respeitosamente, o erro na afirmativa de que "jamais entrou em vigência", pois referido decreto entrou em vigor no dia de sua publicação, isto é, na sexta-feira do dia 30/12. E, mesmo que se admita que não tenha ocorrido fato gerador durante o período de sua vigência, não há dúvida de que muitos contribuintes tomaram providências e realizaram planejamentos comerciais e tributários para adequar suas operações às alíquotas do Decreto 11.322/2022.
 
A Constituição não exige um número mínimo de dias de vigência ou a efetiva materialização do fato gerador sujeito à alíquota menor para que se faça presente o direito à anterioridade em caso de sua posterior majoração. Mesmo que tenha havido apenas três dias de vigência e que, neste período, não tenha ocorrido fato gerador, apenas o fato de ter a alíquota menor entrado em vigor já impõe observar a anterioridade.
 
Reitera-se que, em se tratando de direito fundamental, a interpretação deve ser extensiva para ampliar seu horizonte de incidência em favor dos particulares e, não, restritiva em favor do Poder Estatal, pois a limitação deste é, precisamente, o cerne do constitucionalismo.
 
Em conclusão, ainda que se reconheça possível violação à moralidade administrativa no fato de se ter reduzido as alíquotas no último dia do mandato do então governo federal, não se pode admitir que a via para reprimir este tipo de conduta política questionável se dê através da relativização de um direito fundamental do contribuinte, expressa e claramente retratado na Constituição, sob pena de tornar ainda mais frágil a já combalida segurança jurídica no país.
 
[1] “§ 6º As contribuições sociais de que trata este artigo só poderão ser exigidas após decorridos noventa dias da data da publicação da lei que as houver instituído ou modificado, não se lhes aplicando o disposto no art. 150, III, ‘b’.”
 
[2] Paulsen, Leandro Curso de direito tributário completo / Leandro Paulsen. – 11. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2020.
 
[3] “§ 2º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.”
 
 
Thiago Sarraf é advogado do Terciotti, Andrade, Gomes e Donato Advogados.
 
Samuel Palatnic é advogado de TAGD Advogados.
 
Revista Consultor Jurídico,