OPINIÃO: O Difal e a autoridade do Supremo

Últimas Notícias
À primeira vista, o que estaria em jogo seria apenas a definição do momento em que devem ser aplicadas as regras constitucionais da anterioridade nonagesimal e anual.
Nesta quarta-feira, dia 12, o STF (Supremo Tribunal Federal) deve julgar as ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) nºs 7.066, 7.070 e 7.078, escrevendo mais um capítulo da história do Difal (Diferencial de Alíquota de ICMS), que impacta severamente o varejo brasileiro.
 
À primeira vista, o que estaria em jogo seria apenas a definição do momento em que devem ser aplicadas as regras constitucionais da anterioridade nonagesimal e anual. De um lado, os contribuintes defendem que elas se aplicam a partir da data em que passou a existir a estrutura normativa exigida pela Constituição, isto é, a contar da vigência da Lei Complementar nº 190, de 5 de janeiro de 2022, de modo que o Difal somente pode ser exigido de janeiro de 2023 em diante. De outro lado, os estados sustentam que elas se aplicam a contar das (irregulares) leis estaduais de Difal, editadas a partir de 2015, fazendo com o que o Difal possa ser cobrado desde a referida Lei Complementar. No entanto, uma análise mais demorada da história do Difal releva que, nesse julgamento, está em jogo algo muito mais relevante: a autoridade das decisões do STF.
 
A novela do Difal não começou agora. O seu primeiro episódio ocorreu em 2011, quando alguns estados do Norte, Nordeste e Centro-Oeste decidiram editar o Protocolo ICMS 21, estabelecendo que as vendas realizadas "de forma não presencial por meio de internet, telemarketing ou showroom" dariam ensejo à cobrança do ICMS pelos estados de destino das mercadorias adquiridas por consumidores finais não contribuintes de ICMS.
 
 
Em 2014, quando declarou a inconstitucionalidade do Protocolo ICMS 21 (nas ADIs nºs 4628 e 4713), o Supremo Tribunal Federal deu um recado claro para os estados: tal cobrança somente poderia ser efetuada após duas mudanças importantes no sistema tributário brasileiro, quais sejam, uma emenda constitucional e uma lei complementar.
 
Esse recado foi respeitado apenas parcialmente em 2015, quando o Congresso editou a Emenda Constitucional nº 87/2015. Faltou observar a segunda parte do recado: não foi editada, naquele momento, uma lei complementar. Contrariando o que havia sido dito pelo STF, os estados entenderam por bem editar as suas leis ordinárias dando início às cobranças do Difal, com base no Convênio 93/2015, como se não fosse necessária uma lei complementar sobre o tema. O STF já havia dito claramente que isso não era possível. Os estados estavam, portanto, violando a autoridade da Suprema Corte.
 
A novela do Difal teve o seu segundo episódio. Em 2021, o STF reafirmou a sua autoridade, definindo no julgamento do Tema 1903 e da ADI 5469 que, antes de uma lei complementar, a estrutura normativa do Difal não estava pronta. O tributo não foi validamente criado, uma vez que não basta existir apenas uma Emenda Constitucional, um Convênio e leis estaduais para instituição do Difal. Pelo contrário, é imprescindível a edição de uma lei complementar. Logo, o Difal só passaria a existir com a estrutura normativa completa. Olhando dessa perspectiva, o STF reconheceu o desrespeito praticado pelos estados, que observaram o referido recado.
 
Nesse segundo julgamento, o STF deu um novo recado claro para os Estados, quando modulou os efeitos da sua decisão, de modo que ela passasse a valer após 31 de dezembro de 2021. O recado era o seguinte: Estados, corram para pressionar o Congresso para editar uma lei complementar até o final do ano de 2021, caso contrário o Difal não terá sido validamente instituído. Uma das consequências negativas do descumprimento desse prazo, por lógica, consistiria na postergação para o ano posterior àquele em que a estrutura normativa do Difal estivesse completa, por força da referida regra constitucional da anterioridade anual, aplicável a ICMS. Essa consequência ficou clara nos debates no Congresso, o que ensejou uma certa correria no Senado no final de 2021 para editar uma lei complementar sobre o tema.
 
Entre o julgamento do Tema 1.093, em fevereiro de 2021, e o final daquele ano havia um prazo razoável para a edição da lei complementar. Embora razoável, esse prazo não foi cumprido e a Lei Complementar nº 190 foi publicada apenas em 5 de janeiro de 2022. Mesmo cientes desse descumprimento de prazo, os Estados passaram a cobrar o Difal sem respeitar a anterioridade anual, isto é, sem considerar a referida consequência negativa definida pela Suprema Corte. Novamente, os Estados estão desafiando a autoridade do STF.
 
A partir do exame completo da novela do Difal, parece-me que a autoridade da Suprema Corte é a questão mais relevante a ser julgada no próximo dia 12 de abril. Não é cabível qualquer outro desfecho senão o da observância da regra constitucional da anterioridade anual a contar de 5 de janeiro de 2022, quando foi publicada a Lei Complementar nº 190/22, sob pena de se caracterizar a perda da autoridade da decisão do STF no julgamento do Tema 1.093 e da ADI 5469. Mais do que isso, a validação da tese dos Estados pode significar uma autorização tácita para que os estados pratiquem novas violações à autoridade do STF.
 
 
Leonardo Aguirra de Andrade é mestre e doutor pela Universidade de São Paulo (USP), professor colaborador do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT) e sócio do Andrade Maia Advogados.