Fiscalização tributária comete abusos e incentiva litigiosidade dos contribuintes
Ao que parece a administração tributária brasileira resolveu tornar-se inimiga dos contribuintes. Primeiro, age como se todos eles fossem sonegadores até prova em contrário...
Por Raul Haidar
Em todos os níveis (federal, estadual ou municipal) agentes do Fisco estão a exercer suas atividades de forma cada vez mais abusiva, com o que acabam por estimular a litigiosidade. Em muitos casos isso faz com que empresas, em especial as de pequeno e médio porte, optem por reduzir ou mesmo encerrar suas atividades. Há quem prefira estabelecer-se em outros estados ou mesmo direcionar seus investimentos para países vizinhos.
Ao que parece a administração tributária brasileira resolveu tornar-se inimiga dos contribuintes. Primeiro, age como se todos eles fossem sonegadores até prova
Toda a legislação brasileira que fixa as multas por infrações fiscais adota percentuais absolutamente desproporcionais, não razoáveis e insuportáveis, de tal forma que o suposto infrator não tem alternativa que não seja a de se defender.
Multas há que são claramente confiscatórias e representam valor maior do que o tributo que se aponta como sonegado. Esse exagero tem origem na época da inflação astronômica (em 1993 mais de 2.300% no ano!) e não se adequou ao patamar atual, com um índice inflação que pode atingir 10% neste ano.
Assim a legislação deveria com clareza limitar as multas a um percentual suportável para o contribuinte, de forma a exercer um caráter educativo a nível propedêutico e ao mesmo tempo permitir que ele possa pagar a pena, e não se ver estimulado a práticas ilícitas para evitá-la.
A Constituição Federal, no artigo 150, IV, faz referência apenas ao tributo quando proíbe sua cobrança com efeito confiscatório. Todavia, a jurisprudência e a doutrina entendem perfeitamente aplicável às multas a mesma limitação. Nesse sentido é a decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (DJU de 20/8/99, página 341):
“A multa, a pretexto de desestimular a reiteração de condutas infracionais, não pode atingir o direito de propriedade, cabendo ao Poder Legislativo, com base no princípio da proporcionalidade, a fixação dos limites à sua imposição. Havendo margem na sua dosagem, a jurisprudência, com base no mesmo princípio, tem , no entanto, admitido a intervenção da autoridade judicial.”
Também o Superior Tribunal de Justiça, no Processo 1998.010.00.50151-1, decidiu que:
“Não é confiscatória multa de 20% (vinte por cento), inferior a percentual maior (30%) considerado razoável pelo SFT (RE 81.550-MG, in RTJ 74/319)”.-
O Supremo Tribuna Federal em breve deverá decidir sobre a questão, havendo fortes indícios de que decida de forma similar a tais precedentes.
Questionar as autuações abusivas através de defesas administrativas não ajuda muito. Os órgãos julgadores dessa área quase sempre homologam os lançamentos e chegam ao ponto de justificar que não podem interpretar a aplicação das normas constitucionais.
Na esfera judicial o contribuinte já entra prejudicado, pois as custas estaduais são acima dos custos do processo, representando um outro ônus, havendo ainda que remunerar o advogado e eventuais peritos. Se obtiver êxito, o reembolso desses gastos é outra loucura, quase sempre não ocorrendo.
Já ocorreu, na área federal, uma autuação de cerca de 300 milhões, onde o contribuinte conseguiu êxito na esfera administrativa. Mas como o caso “vazou” na imprensa e teve grande impacto, a empresa acabou por ter sua credibilidade totalmente abalada, com o que encerrou suas atividades e deixou mais de 500 empregados na rua.
Em outro caso, agora na área do fisco estadual, o proprietário da empresa, logo após sofrer auto de infração, foi “intimado” a comparecer na Secretaria da Fazenda, onde um tal grupo de inteligência fazendária pretendia interrogá-lo, como se ali fosse uma repartição policial. Acompanhado de seu advogado, o empresário simplesmente recusou-se a declarar qualquer coisa, eis que não existe essa obrigação de prestar “depoimento” a qualquer fiscal. Ao que parece os fiscais desejavam constranger ou humilhar o comerciante, que, ainda quando acusado de sonegação, tem assegurados seus direitos ao respeito.
Veja-se o que determina a Lei Complementar (Estado de São Paulo) nº 939/2003 em seu artigo 8º:
“Artigo 8º - A Administração Tributária atuará em obediência aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, interesse público, eficiência e motivação dos atos administrativos.”
No âmbito federal vigora o decreto 1.171 de 27 de julho de 1994, que estabeleceu o Código de Ética do Servidor Público Civil da União. Dentre suas diversas normas, duas merecem especial destaque pela sua relação direta com a matéria ora examinada:
IX - A cortesia, a boa vontade, o cuidado e o tempo dedicados ao serviço público caracterizam o esforço pela disciplina. Tratar mal uma pessoa que paga seus tributos direta ou indiretamente significa causar-lhe dano moral. Da mesma forma, causar dano a qualquer bem pertencente ao patrimônio público, deteriorando-o, por descuido ou má vontade, não constitui apenas uma ofensa ao equipamento e às instalações ou ao Estado, mas a todos os homens de boa vontade que dedicaram sua inteligência, seu tempo, suas esperanças e seus esforços para construí-los.
X - Deixar o servidor público qualquer pessoa à espera de solução que compete ao setor em que exerça suas funções, permitindo a formação de longas filas, ou qualquer outra espécie de atraso na prestação do serviço, não caracteriza apenas atitude contra a ética ou ato de desumanidade, mas principalmente grave dano moral aos usuários dos serviços públicos.
O que vemos, portanto, não é a necessidade de novas leis. Precisamos, apenas, que as vigentes sejam observadas e que todas as normas da Constituição Federal sejam rigorosamente cumpridas.
Os abusos ocorrem também no serviço público municipal. Um muito comum, aqui na maior cidade do país, é o agente fiscal visitar um contribuinte, lavrar termo de início de verificação e no mesmo ato entregar intimação para que o contribuinte encaminhe os livros e documentos à repartição.
O artigo 197 do Código Tributário Nacional obriga o contribuinte a prestar todas as informações à autoridade. Mas não cria a obrigação para o contribuinte, transformado em estafeta da repartição, levar livros e documentos até a repartição. Isso é obrigação do agente fiscal que não só pode mas sobretudo deve arrecadar os livros e documentos que entenda necessários ao seu trabalho.
O mesmo Código, no artigo 196, determina que, ao dar inicio ao trabalho de fiscalização, deve a autoridade fixar prazo para seu término. Temos visto, contudo, que documentos apreendidos pelo fisco ou levados pelo contribuinte à repartição, muitas vezes permanecem vários anos sem que tenham sequer seus pacotes abertos, o que só ocorre às vésperas da ocorrência do prazo decadencial, de forma a prejudicar a defesa do contribuinte e aumentar seus prejuízos ante possível autuação. Quando o fisco retém documentos além de prazo razoável, deve o contribuinte ingressar em juízo para obtê-los de volta.
O Fisco tem a obrigação de observar os prazos legais inclusive para decidir os processos administrativos. Já noticiamos em 5 de março de 2014 que a Justiça Federal ordenou que processo administrativo fosse julgado em 10 dias, vez que ultrapassado o prazo legal de um ano.
As autoridades tributárias algumas vezes queixam-se da excessiva litigiosidade dos contribuintes brasileiros. Isso existe, mas é resultado de um fato muito simples: aos poucos os contribuintes deixaram de ter as boas margens de lucro em suas atividades e já não podem suportar a carga tributária cada vez maior, que, dentre outras coisas, traz uma enorme onde de desemprego no país. São litigantes, sim. Mas isso hoje é questão de sobrevivência.
Fonte: Conjur