Incentivos fiscais verdes ‘para inglês ver’

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Análise da aplicação ineficiente do benefício fiscal

A preservação do meio ambiente tem se tornado uma das principais preocupações das novas gerações. Diante do aquecimento global e destruição de habitats naturais, meios alternativos para a promoção dessa preservação, que não ações ambientais, ganham força. A Constituição Federal atribui, no art. 225, essa preocupação ao povo e ao Poder Público, sendo de suma importância sua observância.

Para concretizar este dispositivo constitucional, temos os “incentivos fiscais verdes”, uma das maneiras que o Estado encontrou para estimular comportamentos sustentáveis, concedendo reduções nas alíquotas de impostos com a contrapartida de comportamentos sustentáveis por parte dos contribuintes. No entanto, em que medida esse incentivo extrafiscal realmente é eficiente para os contribuintes? Para responder a esta pergunta, analisaremos dois destes incentivos: o IPTU Verde e o IPVA Verde.

O IPTU é o tributo que incide sobre a propriedade predial e territorial urbana, e é calculado com base no valor venal do imóvel, sendo um imposto municipal. Já o IPVA trata sobre a propriedade de veículos automotores, sendo um imposto estadual que recai sobre o valor venal do veículo. A estes impostos pode ser atribuída finalidade extrafiscal voltada para a preservação ambiental através do IPTU Verde e IPVA Verde, respectivamente.

Nos últimos anos, muitos estados e municípios implementaram em seus territórios estes incentivos extrafiscais, como o estado do Mato Grosso (no caso do IPVA Verde) e o município de São Paulo (no caso do IPTU Verde), o que é positivo e demonstra uma vontade do legislador em incentivar uma mudança comportamental necessária. Porém, quando analisado na prática, talvez essas políticas extrafiscais não sejam tão eficientes quanto parecem ser, e no fim componham mais um incentivo “para inglês ver”.

Isso fica evidente quando apontadas duas questões referentes aos requisitos para a adoção destes incentivos verdes: (i) o preço de obtenção, execução/instalação e manutenção do benefício em questão é muito elevado e, em um país com uma desigualdade social como o Brasil, se torna inviável para a maioria da população; e (ii) para a parcela da população que tem condição financeira para acessar tal medida, o custo do investimento para obter o benefício, a curto e médio prazo, é mais alto do que o desconto oferecido, não sendo benéfico, e, assim, tendo pouca adesão.

Para ilustrar essas afirmações, trazemos dois exemplos: o IPTU Verde no município de Salvador e o IPVA Verde no estado do Rio de Janeiro.

Pelo Anexo I do Decreto Municipal 25.899/15, o município de Salvador conta com um sistema de IPTU Verde que concede pontos ao contribuinte por cada medida adotada. Nesse sistema, uma vez acumulados os pontos, o resultado final corresponde a um certificado que tem desconto específico, da seguinte forma: (1) categoria bronze, obtido a partir de 50 pontos, com a concessão de 5% de desconto; (2) prata, a partir de 70 pontos, o contribuinte pode conseguir 7% de desconto; e, por fim, (3) categoria ouro, na qual é possível ganhar o máximo de 10% de desconto na alíquota do IPTU, quando atingido um patamar mínimo de 100 pontos.

Diante dessa organização, há uma série de medidas que podem ser tomadas pelo contribuinte que tem interesse em receber esse benefício e ajudar o meio ambiente, sendo uma delas a instalação de painéis solares fotovoltaicos para atender a 10% do consumo das áreas comuns. Ao adotar essa medida ganha-se 10 pontos; contudo, o custo para adquirir e instalar um painel solar equivale a cerca de R$15.000,00 (quinze mil reais)[1].

Assim, sem contar a necessidade de ter uma condição financeira confortável o suficiente para arcar com este custo, o tempo esperado, mesmo com o desconto no tributo, para que essa despesa “se pague” e se mostre benéfica e lucrativa ainda é muito longo. Apesar da intenção inicial, esse obstáculo acaba fazendo com que tal medida seja um desincentivo à adoção do IPTU Verde. Outros municípios se encontram na mesma situação, como por exemplo Guarulhos, no estado de São Paulo, que oferece desconto na alíquota em função de sistema de aquecimento elétrico solar e utilização de energia eólica

Já no estado do Rio de Janeiro, a problemática anterior se mostra semelhante quanto ao IPVA Verde. Implementado com a Lei 2.877/97 (alterada pela lei 7.068/15), o estado do Rio de Janeiro prevê uma alíquota menor (0,5%) para carros elétricos, se comparada com carros “comuns” movidos a gasolina (2,0%). Um simples fato que pode deixar evidente a ineficácia desta medida: no ano de 2020, foram vendidos 41 carros elétricos, sendo que o estado possui 16,46 milhões de moradores[2].

Um dos fatores que justifica esse dado são os elevados preços dos carros elétricos, que se iniciam em R$160.000,00 (cento e sessenta mil reais). Considerando que o salário mínimo brasileiro é, atualmente, de R $1.100,00 (mil e cem reais)[3], é inviável para a maioria da população adquirir tais carros. Além disso, há de se pontuar a falta de infraestrutura para esse mercado no estado, como postos de abastecimento elétrico, o que reflete, também, a pouca demanda. O estímulo para investir em infraestrutura para carros elétricos tem se mostrado mais presente nos últimos dois anos[4], sendo muito recente e ainda longe do cotidiano dos cariocas e brasileiros.

A desigualdade social no Brasil é inegável. O país, hoje, se encontra entre as 10 nações mais desiguais do mundo, apresentando 0,539 na escala Gini. A proporção atual é a que 10% da população detém aproximadamente 41% da renda total, ou seja, 90% dos 214 milhões de brasileiros não alcançam nem 60% da renda do país[5]. Sendo assim, apesar da inequívoca preocupação com a proteção ambiental dos incentivos fiscais verdes abordados neste texto, quando estes não são condizentes com a realidade acabam se tornando um obstáculo e não uma medida benéfica para a população e para o meio ambiente.

Portanto, a urgência na preservação do meio ambiente e de um futuro sustentável é evidente, e medidas de incentivo como o IPTU e IPVA verdes são mais do que necessárias. Entretanto, beira o inútil criar leis e benefícios que não sejam compatíveis com a estrutura social e econômica de um país. Nesse passo, fica a cargo do legislador a análise da harmonia entre ideal e real, a fim de que sejam promovidas medidas acessíveis à totalidade da população.


Fonte: Jota