Justiça entende que Carf errou na análise de recursos

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Justiça entende, em dois casos, que a Câmara não teria adotado os critérios corretos para aceitar ou negar a apreciação de recursos

O Judiciário tem interferido em decisões processuais do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) a pedido dos contribuintes. Em pelo menos dois casos recentes, magistrados entenderam que a última instância do órgão, a Câmara Superior, não teria adotado os critérios corretos para aceitar ou negar a apreciação de recurso.

Pelo regimento interno do Carf (parágrafo 8º do artigo 67), a Câmara Superior só pode receber um recurso se a parte que perdeu apresentar caso semelhante julgado pelos conselheiros em sentido contrário. É o que se chama de paradigma.

Uma das decisões, da Justiça Federal de São Paulo, concedeu liminar recentemente para suspender a cobrança de uma autuação fiscal a uma empresa do setor de higiene. É relativa a ágio amortizado, no valor de R$ 372 milhões (atualizado em 2018). O juiz Fernando Marcelo Mendes, da 13ª Vara Cível Federal de São Paulo, entendeu que a decisão apresentada pela União não trata da mesma situação.

A empresa apresentou na ação pareceres dos professores Luís Eduardo Schoueri e Cândido Rangel Dinamarco. Nos documentos, apontaram que o processo apresentado pela União no Carf não trata de discussão semelhante. Ao analisar o pedido de liminar, o juiz Fernando Marcelo Mendes suspendeu a cobrança e aceitou o uso do seguro garantia (processo nº 5028418-41.2018.4.03.6100).

Em um caso julgado em setembro, o juiz Bruno Anderson Santos da Silva, da 3ª Vara Federal Cível do Distrito Federal, determinou em sentença que o Carf julgue novamente a admissibilidade de recurso para a Câmara Superior de uma montadora de celular. O magistrado entendeu que a empresa apresentou processo semelhante como paradigma (processo nº 1007778-57.2019. 4.01.3400). A discussão é sobre a existência de simulação numa operação de exportação. Para a Receita Federal, não houve exportação, mas uma venda interna.

O advogado Filipe Richter, do Veirano Advogados, que assessora a companhia, afirma que, apesar de o Fisco e alguns juízes entenderem que não poderiam interferir em questões processuais do Carf, essas decisões representam uma “correção de rota”. “Se existe uma falha no processo, cabe sim ao Judiciário analisar porque todo o processo administrativo está contaminado”, diz.

Ele afirma, porém, que mesmo com decisão judicial favorável, o Carf voltou a negar a admissão do recurso para Câmara Superior. A discussão sobre a autuação, por esse motivo, está correndo na Justiça.

Para Richter, a sensação que se tem é que o Carf tem um rigor maior para admitir recurso do contribuinte na Câmara Superior, em benefício do poder público. Ele diz que a Câmara Superior já chegou a não conhecer recurso ao analisar como paradigma um outro processo da mesma empresa pelo mesmo fato.

“Mas alguns juízes são cautelosos em dar liminares nesses casos. Por isso, nem toda empresa tenta argumentar na Justiça, o que só acontece quando são valores muito relevantes”, diz.

Em 2015 e 2016, logo após a Operação Zelotes, que apurou irregularidades em julgamentos no Carf, houve uma enxurrada de recursos não conhecidos de contribuintes para a Câmara Superior, segundo o advogado Diego Miguita, sócio do VBSO Advogados.

Naquela época, Miguita afirma que chegou a discutir no Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região, em Brasília, um dos casos, porque os processos apresentados eram muito semelhantes. Segundo ele, num primeiro momento o TRF foi favorável para que o recurso fosse novamente analisado, mas depois a decisão foi cassada.

Procurada pelo Valor, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) não deu retorno até o fechamento da edição.

Fonte: Valor Econômico