OPINIÃO: PIS/Cofins - economia digital e o conceito de insumo

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Levando em consideração o atual volume de litígios, é notório que desenvolver um conceito de "insumo" para fins da legislação de PIS/Cofins que seja unânime à pretensão dos contribuintes

 Levando em consideração o atual volume de litígios, é notório que desenvolver um conceito de "insumo" para fins da legislação de PIS/Cofins que seja unânime à pretensão dos contribuintes e do próprio Fisco é uma tarefa impensável, que remonta ao ditado popular sobre agradar gregos e troianos.

A empreitada em convergir para uma definição única se mostra ainda mais desafiadora ao considerar um cenário de negócios em constante transformação, que compreende modelos únicos e diversos, cada qual com peculiaridades sobre o que seria ou não necessário para a consecução de sua atividade-fim, o que torna essa discussão ainda mais fértil.

Fato é que dia após dia, constatamos que o surgimento de novas tecnologias impulsiona novos negócios no Brasil e no mundo.

 

Pois bem. Como sabemos, a não-cumulatividade do PIS e da Cofins foi instituída com a finalidade de evitar a superposição dessas contribuições no setor econômico, reduzindo o chamado "efeito cascata" ao longo da cadeia produtiva.

É cediço que nem todos os dispêndios relacionados às aquisições de bens e serviços submetidos à tributação autorizam o aproveitamento de créditos, mas somente aqueles que tenham sido arrolados pela legislação ordinária. Neste particular, as Leis nº 10.637 de 2002 e nº 10.833 de 2003 exercem o elemento de sustentação para delimitar os dispêndios que geram o direito creditório.

Nesse contexto, percebe-se, até intuitivamente, que o legislador infraconstitucional não contribuiu para uma compreensão exata do alcance normativo do vocábulo "insumo", uma vez que a expressão "utilizados como insumo" (inciso II, do artigo 3º) foi inserida para qualificar quais aquisições de bens e serviços serão passíveis de gerar crédito, deixando para a doutrina e para a jurisprudência a construção do seu alcance.

Em outras palavras, visando dar efetividade ao regime, entendemos que toda e qualquer aquisição necessária à obtenção da receita da pessoa jurídica, ainda que de forma indireta, está apta para instaurar a relação jurídica de crédito de PIS/Cofins.

Não é por menos que o Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento do Recurso Especial nº 1.221.170, não impôs qualquer limitação no sentido de que insumos só poderiam ser utilizados "no" processo produtivo da pessoa jurídica. Antes, faz-se necessário avaliar o conjunto das atividades econômicas desenvolvidas por cada empresa e setor (casuístico), o que abrange, até mesmo, as atividades comerciais — pré e pós-produção — intimamente relacionadas com a performance e manutenção da receita.

Convém aqui abrir um rápido parêntese. Esse entendimento não foi limitado de forma alguma com o julgamento do Recurso Extraordinário nº 841.979 (Tema 756), pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em novembro de 2022, submetido ao regime da repercussão geral. Nesta oportunidade a Corte apenas negou o direito ao crédito de forma irrestrita e ampla, ou seja, sobre toda e qualquer despesa.

E é neste cenário que pretendemos trazer algumas reflexões.

É lugar comum afirmar que a economia nunca esteve tão digitalizada e que os modelos de negócio dependem cada vez mais da oferta — de bens e serviços — ser levada ao consumidor de forma direcionada e efetiva. Afinal, a disseminação do acesso à internet tornou o consumo muito mais imediato, criando um novo tipo de relação. Isso porque, o consumidor deixou de procurar ativamente bens e serviços que necessitava por um motivo específico e passou a receber passivamente diversas ofertas virtuais de modo a estimular o seu consumo, criando, assim, uma demanda.

E, nesse cenário, o custo com propaganda e marketing digital nunca se mostrou tão essencial para que os novos negócios consigam se manter e obter suas receitas. A máxima de que "só é lembrado quem é visto" tornou-se quase um mantra.

Note-se que, em razão do novo perfil de consumo, as grandes empresas que oferecem bens e serviços sequer investem em ativos até então importantes para os "antigos modelos" de negócio como, por exemplo, a aquisição de espaços físicos (lojas, escritórios etc.), operando integralmente em ambiente virtual.

Ora, estar presente no ambiente digital deixou de ser uma simples alternativa para as empresas que desejam expandir e potencializar os seus negócios. Nesta conjuntura, as estratégias digitais são cada vez mais eficazes, inteligentes e velozes.

Por isso, os famosos cliques e links patrocinados nunca foram tão necessários para a geração de negócios.

E não é preciso ser um grande especialista para entender a importância do investimento em divulgação para evolução dos novos modelos de negócios. As gigantes do varejo como Shein, Shopee e Ali Express, assim como empresas que oferecem os mais diversos tipos de serviço, como a Quinto Andar, AirBnb e Booking, mostram no dia a dia como o marketing foi essencial em sua escalada como uma das principais potências da economia digital da atualidade.

É por isso que, em nossa visão, o aplicador do Direito não pode fechar os olhos para a nova realidade digital e deveria aplicar de forma efetiva o conceito de insumos para adequá-lo ao que se mostra essencial ao novo modelo de negócios, ao invés de se apegar a definições que já se encontram ultrapassadas.

Não sugerimos aqui romper com qualquer barreira em relação às diretrizes já fixadas pelo STJ. Muito pelo contrário! Propomos implementar os critérios definidos quando do julgamento do Recurso Especial nº 1.221.270, trazendo uma análise casuística para os negócios digitais, desde que comprovada a essencialidade do dispêndio.

Até mesmo porque, quando da promulgação das Leis nº 10.637 de 2002 e nº 10.833 de 2003, era impensável visualizar como seriam os negócios na era de 2020, especialmente diante da velocidade imposta pela transformação digital.

No entanto, o que ainda se observa na prática é o já conhecido cabo de guerra entre contribuintes e Fisco, cada um desejando esticar a corda para o seu lado.

Não é novidade que no intuito de internalizar as diretrizes fixadas pelo STJ em 2018, o Parecer Normativo Cosit nº 5 e as Instruções Normativas subsequentes tentam restringir de forma reiterada o conceito de insumo para que este compreenda os dispêndios utilizados diretamente na produção de bens ou na prestação de serviços, trazendo pequenas flexibilizações, não abrangendo, de forma geral, as despesas incorridas pelos contribuintes antes e após o processo produtivo.

Nesse cenário, destaca-se os termos da recente Solução de Consulta Cosit nº 43/2023, por meio da qual a Receita Federal do Brasil (RFB) se posicionou de forma restritiva (e, ao nosso ver, equivocada) acerca da possibilidade de apropriação de créditos de PIS/Cofins sobre dispêndios com a contratação de serviço de "link patrocinado" junto a plataformas de busca na internet, para contribuinte que atue exclusivamente em plataformas eletrônicas.

No caso analisado, a empresa do segmento de prestação de serviços exerce atividade voltada à concessão de crédito pessoal e, para tanto, contrata empresas que direcionam o tráfego da internet para a sua página eletrônica.

Neste modelo de negócio, os links patrocinados são negociados por contratos de adesão, bem como a remuneração devida à plataforma é calculada pelo formato "Custo Por Clique", de forma que o contribuinte paga, à plataforma de busca da internet, pelo número de usuários que acessaram o seu website por meio de tal link. Perceba-se, aqui o dispêndio está intrinsecamente vinculado com a geração de receita, sem uma não há que se falar na outra.

Por conseguinte, verifica-se que é possível evidenciar, de forma objetiva, os resultados das pesquisas que englobam "palavras-chave", conexas à sua atividade econômica do contribuinte, demonstrando que a contratação dos serviços da plataforma provedora do acesso do link à sua página virtual, como primeiro resultado da busca, está diretamente relacionada à atração do consumidor.

E é por ser possível evidenciar a quantidade de consumidores que procuraram seus bens ou serviços a partir de links patrocinados, bem como a geração de receita relacionada, que tal dispêndio não pode ser medido com a mesma régua utilizada para as despesas com propaganda e marketing dos modelos tradicionais de negócios.

Apesar de, abstratamente, ser possível defender que a propaganda e o marketing são sim essenciais para a obtenção de receitas de qualquer negócio e, portanto, insumos para fins da legislação do PIS/Cofins, não é uma tarefa simples fazer prova de como um anúncio contratado, por exemplo, em horário televisivo ou outdoor, influenciou de forma direta a procura por seu negócio. Ou seja, não há como se criar um vínculo direto e objetivo entre tal anúncio e os consumidores que procuraram os bens e serviços do contribuinte na sequência.

O link patrocinado, no entanto, entrega uma dimensão exata dessa procura. Ou seja, é possível estabelecer uma ligação entre o custo com a contratação da despesa com tal ferramenta e o aumento de receitas em razão da procura da plataforma digital em consequência do clique naquele link específico.

E ainda seria possível limitar ainda mais tal relação entre o clique e a obtenção de receitas, na medida em que a empresa que oferece o serviço de link patrocinado consegue estabelecer qual clique resultou em uma compra pelo consumidor. Inclusive, é prática comum em tal atividade que o custo do clique que ocasionou a venda seja mais elevado em relação aos demais.

Ora, nesses casos, nos parece inegável que o custo com o link patrocinado deve ser considerado como insumo, uma vez que cumpre exatamente o que o STJ definiu ao julgar a matéria, isto é, há clara relação entre o dispêndio e a receita obtida pelo contribuinte e que será alcançada pela tributação do PIS e da Cofins.

Portanto, entendemos que, ao proferir a recente Solução de Consulta Cosit nº 43/2023, a RFB desperdiçou uma grande oportunidade de modernizar o conceito de insumos para fins de aproveitamento de créditos de PIS/Cofins, adequando-o aos novos modelos de negócio, baseados quase que integralmente em ambientes digitais.

A transformação digital deixou de ser novidade para se tornar realidade e o aplicador do direito terá que estar atento à evolução global se quiser adequar os conceitos já previstos na legislação, e que são suficientes para garantir a aplicação justa do Direito, ao caso concreto.

Vivemos numa era impensável até a edição das leis que regulam a não-cumulatividade do PIS/Cofins. Inteligência artificial, marketing digital, ambiente virtual de trabalho, criptoativos etc. são apenas o começo de uma nova era, e o Direito terá que se adaptar a tais mudanças, sob pena de engessamento da própria economia.

Revista Consultor Jurídico, 2 de agosto de 2023, 9h22, Por  e