Exclusão do IPI na base de cálculo do ICMS-ST: artigo 155, § 2º, XI, da Constituição

Últimas Notícias
De acordo com a norma constitucional do artigo 155, §2º, XI [1], são três os requisitos para que o montante pago a título de IPI não integre a base de cálculo do ICMS,

 

Exclusão do IPI na base de cálculo do ICMS-ST: artigo 155, § 2º, XI, da Constituição

De acordo com a norma constitucional do artigo 155, §2º, XI [1], são três os requisitos para que o montante pago a título de IPI não integre a base de cálculo do ICMS, quais sejam: 1) que a operação seja realizada entre contribuintes; 2) que o objeto seja destinado à industrialização ou comercialização; e 3) que ocorra o fato gerador dos dois tributos (ICMS e IPI).

É cediço que o Supremo Tribunal Federal já firmou o entendimento da possibilidade da exclusão do IPI na base de cálculo do ICMS próprio, desde que presentes os requisitos do permissivo constitucional [2].

Neste sentido, embora se reconheça a existência de precedentes da Corte Suprema entendendo pela impossibilidade da exclusão do IPI da base de cálculo do ICMS recolhido na sistemática da substituição tributária [3], busca-se entender e ir de encontro deste último entendimento, visto que, a priori, os requisitos do artigo 155, §2°, XI, da CF, permanecem intactos quando presente a substituição tributária.

Destarte, é neste particular que visa adentrar o presente artigo, pois, com a devida vênia, entende-se que os precedentes do Supremo Tribunal Federal não se aprofundaram nas peculiaridades dos tributos aqui discutidos.

Regra matriz de incidência tributária do ICMS e ICMS-ST
A partir do enunciado do artigo 155, II, da Constituição, compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir os impostos sobre "operações relativas à circulação de mercadorias sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior".

Como se percebe, três são as possíveis materialidades deste imposto, quais sejam: 1) realizar operações relativas à circulação de mercadorias; 2) prestar serviços de transporte interestadual ou intermunicipal; e 3) prestar serviços de comunicação.

Todavia, como forma de limitar a presente discussão, o estudo será concentrado apenas na hipótese concernente à operação de circulação de mercadorias.

Brevemente, o ICMS possui em seu antecedente 1) como critério material a transferência onerosa de mercadorias com a mudança de titularidade do bem — efetivo ato de mercancia, não a mera saída física do estabelecimento; 2) como o critério espacial, pode ser considerado em âmbito nacional; e 3) o critério temporal a saída de mercadoria do estabelecimento, não sendo suficiente a mera saída física, mas a concretização de fato jurídico.

Como consequente, possui 1) como critério pessoal o sujeito ativo o ente Estatal e como sujeito passivo o responsável pela venda da mercadoria; e 2) como critério quantitativo, que serão a base de cálculo e a alíquota, respectivamente, o valor das mercadorias e a alíquota da respectiva legislação do Estado competente para a cobrança.

Substituição tributária "para frente" no ICMS e sua base de cálculo
Importante se faz, primordialmente, apontar a existência de duas modalidades de substituição tributária: 1) a substituição regressiva ou "para trás"; e 2) substituição progressiva ou "para frente".

Na regressiva, a operação de substituição ocorreria em relação a obrigações tributárias oriundas de operações anteriores à de que participa o substituto, isto é, há o diferimento do imposto para a etapa subsequente da circulação da mercadoria.

Já na progressiva, conforme ensina o professor André Mendes Moreira: "[...] se atribui a agente situado nas fases iniciais do processo de circulação da mercadoria a responsabilidade pelo pagamento do imposto que será devido nas etapas posteriores" [4].

Para o presente estudo, apenas esta última modalidade aplicada ao ICMS será tratada, visto que a problemática encontra-se na (im)possibilidade da exclusão de imposto (IPI) na base de cálculo de um outro imposto (ICMS), este recolhido de forma presumida por conta desta sistemática.

Pois bem, a responsabildiade do substituto tributário pelo pagamento do ICMS-ST devido pelo substituído é fundamentado tanto pela Constituição Federal, nos termos do artigo 150, §7º [5], quanto pela Lei Kandir, previsto no artigo 6º [6].

Ato contínuo, a competência para legislar sobre a sistemática de substituição tributária no ICMS e, de modo especial, sobre a fixação de sua base de cálculo, é exclusiva de lei complementar nacional, nos termos dos artigos 146, III, "a" [7], e 155, §2º, XII, "b" [8], ambos da Constituição Federal.

No cumprimento desta competência, foi editada a Lei Complementar nº 87/1996, a qual estabeleceu as regras do regime de substituição tributária, e entre elas, a forma pela qual a base de cálculo do ICMS-ST deve ser calculada, conforme artigo 8º [9].

Posto isso, a Lei Kandir apenas copiou a determinação do artigo 155, §2º, XI, da CF, dispondo, em seu artigo 14, §2º que não integrará a base de cálculo do imposto o montante do IPI, quando a operação configurar fato gerador de ambos os impostos, for realizada entre contribuintes e relativa a produto destinado à industrialização ou à comercialização.

O É possível excluir o IPI da base de cálculo do ICMS-ST? Plurifasia e monofasia do ICMS-ST: precedentes questionáveis
Conforme exposto na introdução do presente estudo, entende-se que o STF não adentrou em certas peculiaridades dos dois impostos, isto é, partiu de premissas, com a devida vênia, equivocadas, por alguns aspectos que se tentará demonstrar.

Primeiramente, convém novamente destacar o entendimento sedimentado pela Corte Suprema em relação ao IPI na base de cálculo do ICMS normal, in verbis:

O STF já firmou entendimento no sentido de que, nos termos do artigo 155, §2°, XI, da CF, não se inclui o IPI na base de cálculo do ICMS apenas na hipótese em que a operação relativa a produto destinado à industrialização ou à comercialização for realizada entre contribuintes e configure fato dos dois impostos [10].

Indo ao encontro do referido entendimento, a primeira vez que o tema da possibilidade de inclusão do IPI na base de cálculo do ICMS-ST chegou no STF, foi sob a relatoria do ministro Dias Toffoli, no RE nº 507.347 AgR/SE que, ao julgar, entendeu:

"Agravo regimental no recurso extraordinário. Inclusão do IPI da base de cálculo do ICMS. Substituição tributária. Hipótese fática que não se enquadra na norma do artigo 155, §2º, inciso XI, da Constituição Federal. Improcedência. [...] 3. Não ocorrência dos três requisitos dispostos no artigo 155, §2º, inciso XI, da Constituição Federal na operação realizada pela sistemática da substituição tributária. A operação não se dá entre contribuintes, não se destina à industrialização, mas ao consumo final, não constituindo fato gerador do IPI a operação de venda da mercadoria ao consumidor final. 4. Deve o substituto incluir na base de cálculo do ICMS presumido relativo às operações subsequentes o valor pago a título de IPI" [11].

A partir de então, os julgamentos posteriores sobre o tema limitam-se apenas a repetir o fundamento da decisão supracitada, firmado no particular que o ICMS recolhido no regime de substituição tributária para frente não se enquadra na regra do artigo 155, §2º, XI, da Constituição Federal.

Dito de outro modo, a jurisprudência concluiu que, por estar presente a substituição tributária pra frente, não poderia ser excluído o montante do IPI na base de cálculo do ICMS-ST, pois, pelo entendimento, a operação não se dá entre contribuintes, nem se destina à industrialização ou à comercialização, mas ao consumo final.

Parece, ao menos, vago o referido raciocínio, senão vejamos.

O fato de a substituição tributária concentrar a arrecadação em uma das etapas não significa que esta técnica seja equivalente à incidência monofásica. Nesta, a incidência ocorre única e exclusivamente sobre uma das etapas de circulação, em relação à operação praticada, sendo irrelevante as demais operações.

Já na plurifasia, presente na substituição principalmente do ICMS, embora a incidência ocorra em uma única operação, ela não ignora as demais etapas, conforme explica Andre Mendes Moreira [12]:

"É imperioso gizar que a monofasia não se confunde com a intitulada substituição tributária para frente ou progressiva, típica do ICMS. Esta pressupõe a existência de tributação plurifásica, é dizer, incidência do gravame sobre mais de uma etapa de circulação da mercadoria. O substituto concentra em si o dever tributário correspondente a duas ou mais fases  porém, o fato de ser recolhido em um só momento não significa que o tributo seja monofásico."

Pois bem, partindo da premissa ensinada que o ICMS-ST é tributo plurifásico, ou seja, caracteriza-se pela incidência do gravame sobre dois ou mais momentos da cadeia produtiva, imagina-se situações envolvendo a (im)possibilidade da exclusão do IPI na base de cálculo do ICMS normal e ICMS-ST — regra prevista no artigo 155, §2º, XI, da CF.

Se um adquirente não for contribuinte do ICMS (por exemplo, a venda de produto pelo industrializador diretamente a consumidor final exclusivamente prestadora de serviço), ou se a aquisição se destinar ao consumo ou ativo permanente da empresa, o IPI será adicionado ao preço do produto para compor a base de cálculo do ICMS normal a ser pago nessa operação.

Por outro lado, seguindo a regra constitucional, se a operação for realizada entre contribuintes do ICMS, relativa a produto destinado à industrialização ou à comercialização e for simultaneamente fato gerador do ICMS e do IPI, o montante destacado deste último imposto não integrará a base de cálculo do ICMS.

Por conta disso, em humilde pensar, não parece válido a conclusão que chega o Supremo Tribunal Federal pela inaplicabilidade deste dispositivo constitucional quando presente a substituição tributária.

Seria adequado a possibilidade da exclusão do IPI na base de cálculo do ICMS-ST, ao menos, quanto às operações que se enquadrarem por completo na regra prevista no artigo 155, §2°, XI, da CF.

Isto é, por exemplo, se um contribuinte substituto tributário realizar operação 1) com um outro contribuinte, 2) relativo a produto destinado à industrialização ou à comercialização e 3) configurar fato gerador dos dois impostos, parece ser legitima a exclusão do IPI na base de cálculo do ICMS-ST, visto que não está se destinando nem a consumidor final, nem a nenhuma das exclusões da regra.

Neste sentido, a 8ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, ao julgar a apelação cível nº 0022790-33.2011.8.26.0053, se manifestou pela possibilidade da exclusão do IPI no ICMS-ST, naquelas operações que se enquadrarem na normativa constitucional, colhe-se do voto:

No caso dos autos, ao menos em relação às operação realizadas entre a autora e as empresas revendedoras (atacadistas e varejistas) listadas no trabalho pericial (cf. documento nº 9, dos arquivos anexos ao laudo pericial), está correta a exclusão do IPI na base de cálculo do ICMS-ST operada pelo Fisco, tendo em vista que o preenchimento dos requisitos previstos na Constituição para tanto; e não há motivos para distinção na aplicação da norma em relação ao ICMS cobrado em regime comum e no de substituição tributária progressivo, por se tratar, em ambos os casos, do mesmo imposto [13].

Portanto, apesar do entendimento do STF de que é impossível retirar o IPI da base de cálculo do ICMS-ST, visto que referido valor será repassado ao consumidor final, o que não se enquadra na regra do artigo 155, §2°, XI, da CF, entende-se tal visão seria desvirtuar o conceito de tributo plurifásico, conforme explicado.

Ou seja, se a cadeia presumida pelo substituto possuir uma ou mais operações que se enquadram no permissivo constitucional, conclui-se como possível a exclusão do IPI na base de cálculo do ICMS recolhido no regime de substituição tributária pra frente, no que tange às operações enquadradas.


[1] Artigo 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: [...] §2° O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: [...] XI – não compreenderá, em sua base de cálculo, o montante do imposto sobre produtos industrializados, quando a operação, realizada entre contribuintes e relativa a produto destinado à industrialização ou à comercialização, configure fato gerador dos dois impostos;

[2] RE 170.412/SP e 208953/SP, relator ministro Carlos Velloso; RE 630.504-AgR/MG, RE 507.347-AgR/SE, relator ministro Dias Toffoli;

[3] RE 507.347-AgR/SE, relator ministro Dias Toffoli

[4] MOREIRA, André Mendes. A não cumulatividade dos tributos. 4ª ed. São Paulo: Noeses, 2020, p. 216.

[5] Artigo 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos municípios: [...] §7° A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido.

[6] Artigo 6º Lei estadual poderá atribuir a contribuinte do imposto ou depositário a qualquer título a responsabilidade pelo seu pagamento, hipótese em que assumirá a condição de substituto tributário.

[7] Artigo 146. Cabe à lei complementar: [...] III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes

[8] Artigo 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: [...] §2° O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: [...] XII – cabe à lei complementar: [...] b) dispor sobre substituição tributária.

[9] Artigo 8º A base de cálculo, para fins de substituição tributária, será: [...] II - em relação às operações ou prestações subseqüentes, obtida pelo somatório das parcelas seguintes: a) o valor da operação ou prestação própria realizada pelo substituto tributário ou pelo substituído intermediário; b) o montante dos valores de seguro, de frete e de outros encargos cobrados ou transferíveis aos adquirentes ou tomadores de serviço; c) a margem de valor agregado, inclusive lucro, relativa às operações ou prestações subseqüentes. [...] §2º Tratando-se de mercadoria ou serviço cujo preço final a consumidor, único ou máximo, seja fixado por órgão público competente, a base de cálculo do imposto, para fins de substituição tributária, é o referido preço por ele estabelecido. §3º Existindo preço final a consumidor sugerido pelo fabricante ou importador, poderá a lei estabelecer como base de cálculo este preço. §4º A margem a que se refere a alínea c do inciso II do caput será estabelecida com base em preços usualmente praticados no mercado.

[10] RE 170.412/SP e 208953/SP, relator ministro Carlos Velloso; RE 630.504-AgR/MG; e o RE 507.347-AgR/SE, relator ministro Dias Toffoli.

[11] RE 507347 AgR, relator(a): DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 03/04/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-091 DIVULG 09-05-2012 PUBLIC 10-05-2012 RDDT nº 203, 2012, p.187-191.

[12] MOREIRA, André Mendes. A não cumulatividade dos tributos. 4ª ed. São Paulo: Noeses, 2020, p. 99.

[13] TJ-SP - AC: 00227903320118260053 SP 0022790-33.2011.8.26.0053, relator: Bandeira Lins, Data de Julgamento: 07/07/2021, 8ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 20/07/2021

 FONTE: CONJUR