Portaria 6.757/22 e transação tributária: muito além de limitações a benefícios

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Apesar de encontrar previsão no Código Tributário Nacional, desde a sua edição em 1966, como meio de extinção do crédito tributário

 Apesar de encontrar previsão no Código Tributário Nacional, desde a sua edição em 1966, como meio de extinção do crédito tributário — artigos 156, III, e 171, só recentemente é que a transação tributária foi, de fato, regulamentada pelo legislador ordinário federal e pelos órgãos competentes do poder Executivo federal.

Desde a publicação da chamada MP do Contribuinte Legal (Medida Provisória 899/19), convertida na Lei do Contribuinte Legal (Lei 13.988/20), passando pelas Portarias 9.917/20 e 9.924/20, entre outras inúmeras normas editadas nos últimos dois anos, que transformaram uma previsão dantes vazia em instrumento de composição efetivamente exequível, a transação tributária tem sido pauta recorrente nas discussões entre advogados, contribuinte e procuradores.

Muito em virtude da novidade, a regulamentação federal passou (e ainda passa) por diversas alterações de prazos para adesão, cada qual com o seu objeto e objetivo, em geral vinculadas à capacidade de pagamento do contribuinte, ao grau de recuperabilidade dos créditos tributários e os tributos transacionáveis.

As mais recentes alterações da transação tributárias decorrem da edição da Lei 14.375/22, que alterou a Lei 13.988/20, estendendo os prazos de pagamento da transação, aumentando os descontos concedíveis por parte dos órgãos públicos e, ainda, possibilitando a utilização de base de cálculo negativa da CSLL e de prejuízo fiscal para abatimento das dívidas a serem transacionadas — faculdade inédita nas transações tributárias. Para regulamentar a Lei, a PGFN editou inicialmente a Portaria 6.757/22 que, revogando a Portaria 9.917/20, atualizou a regulamentação do instituto a fim de alinhá-lo à nova legislação.

A Portaria editada, apesar de seguir as linhas mestras desenhadas pela Lei 14.375/22, acabou, num primeiro momento, limitando a possibilidade de aproveitamento da base de cálculo negativa de CSLL e do prejuízo fiscal a hipóteses excepcionais, permitindo a sua utilização apenas para amortizar juros, multa e encargo legal — ressalvadas as empresas em recuperação judicial, restrições estas bastante criticadas pela comunidade jurídica [1].

Em atendimento aos anseios desses interlocutores, a PGFN editou a Portaria 6.941/22, para possibilitar a utilização da base de cálculo negativa da CSLL e do prejuízo fiscal para abater também o principal, limitando o abatimento a 70% do crédito tributário após os descontos eventualmente concedidos, mantendo a limitação ao uso de tais créditos às transações individuais não simplificadas.

Não obstante as concessões feitas, a utilização dos benefícios expressos em lei não deixa de estar submissa à discricionaridade do Procurador responsável pela análise e pactuação da transação tributária quando proposta em sua modalidade individual pelo contribuinte, principalmente na aferição da imprescindibilidade do uso dos créditos e concessão de descontos e da capacidade de pagamento do contribuinte, o que leva alguns especialistas a acreditarem que a matéria pode ser alvo de discussões no Poder Judiciário.

Sobre esse ponto, importante relembrar que a transação é instituto que faculta às partes, mediante concessões mútuas, pactuá-lo (artigo 171 do CTN) e, diferentemente do parcelamento, baseia-se muito mais nas vontades das partes. Fato é que a nova lei e sua regulamentação trazem notáveis avanços ao diálogo entre as partes e à autocomposição, principalmente com relação à mitigação do chamado princípio da indisponibilidade do interesse público, se aproximando em certa medida às figuras da Offer in Compromise, em sua modalidade por adesão, e dos Closing Agreements, em sua modalidade individual, há muito consolidadas no direito tributário norte-americano.

Justamente por se tratar de instrumento bilateral e de autocomposição, a transação tributária em sua modalidade individual, diferentemente da maioria dos parcelamentos, deverá ser construída a quatro mãos (contribuinte e PGFN), motivo pelo qual demanda maior trabalho de análise, elaboração, diligência e acompanhamento por parte do contribuinte (e da Fazenda) a respeito dos termos pactuados, condições econômicas do contribuinte, descontos concedidos, prazo de parcelamento, utilização de base de cálculo negativa de CSLL e prejuízo fiscal.

A transação tributária, principalmente nos moldes da Lei 14.375/22, portanto, traz consigo excelente oportunidade aos contribuintes que se encontram em dificuldades econômico-financeiras de buscar efetiva resolução de seu passivo tributário, ante aos indubitáveis benefícios a eles possibilitados pela nova regulamentação que devem ser analisados caso a caso, ao mesmo tempo em que possibilita ao Fisco a recuperação de créditos considerados como irrecuperáveis ou de difícil recuperação. Busca-se, assim, a efetiva resolução e adimplemento dos passivos tributários substanciais, ao invés da custosa — e muitas vezes inefetiva — cobrança mediante ajuizamento de executivo fiscal.

Independentemente do mérito a respeito das limitações impostas pela PGFN, a nova transação tributária importa não só em uma tentativa de cooperação e revitalização da relação Fisco-contribuinte, como também em oportunidade para que muitos contribuintes regularizem sua situação fiscal, notadamente aqueles que possuam notável estoque de prejuízo fiscal e base de cálculo negativa de CSLL, seja por eventual crise que assole (ou assolava) o setor ou a economia do próprio país, seja pelos grandes investimentos inicialmente necessários para que a empresa se torne rentável, ou ainda pelo alto risco da atividade, muitas vezes cíclica, como pode ser observado, por exemplo, pelo setor sucroalcooleiro e pela indústria de base e metalurgia.

Kaled Nassir Halat é advogado e sócio do Passos e Sticca Advogados Associados.

Bruno Rezende Pimenta é advogado e sócio do Passos e Sticca Advogados Associados.

Revista Consultor Jurídico