Refis das MPEs: veto ameaça programa mais amplo em discussão no Congresso

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Especialistas discutem se, com base na lei eleitoral, o Refis pode ser considerado um benefício vedado em ano de eleição

O veto ao Refis para empresas inscritas no Simples Nacional e microempreendedores individuais (MEIs) acendeu o alerta sobre o risco de o presidente Jair Bolsonaro barrar também o projeto em tramitação no Congresso Nacional que prevê um programa mais amplo de parcelamento de dívidas: o PL 4728/20.

No pano de fundo, especialistas discutem se, com base na lei eleitoral, o Refis pode ser considerado um benefício indevido e, portanto, vedado em ano de eleição. Assim, o mesmo argumento utilizado pelo presidente para vetar o programa para empresas inscritas no Simples e MEIs poderia ser apresentado no caso do PL 4728/20.

O veto do presidente ao Refis das micro e pequenas empresas poderá ser analisado pelo Congresso na volta do recesso. Na última terça-feira (11/1), a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) divulgou um programa de transação tributária voltado às companhias, porém, para tributaristas, ainda há a necessidade de criação de um Refis para empresas do Simples Nacional e MEIs. Um dos principais argumentos é que o programa da PGFN inclui apenas débitos inscritos em dívida ativa.


Proposto pelo atual presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), o projeto reabre o prazo de adesão ao Programa Especial de Regularização Tributária (Pert) e é considerado um dos quatro eixos da reforma tributária no Congresso Nacional.

A proposta tramita na Câmara em regime de urgência e prevê, entre outros benefícios, o parcelamento de dívidas tributárias e não tributárias, tanto de empresas quanto de pessoas físicas, em até 144 vezes com desconto de até 90% nos juros e multas.


Especialistas em direito tributário e eleitoral ouvidos pelo JOTA acreditam o PL 4728/20 envolve a mesma polêmica que levou Bolsonaro a vetar o Refis para empresas do Simples Nacional e microempreendedores individuais.

Oficialmente, o presidente argumentou que não há no Orçamento de 2022 previsão para a renúncia fiscal do programa nem medidas de compensação para ela. Nos bastidores, no entanto, interlocutores do presidente afirmam que um novo Refis esbarraria em vedações da lei eleitoral, especificamente o artigo 73, parágrafo 10º, da Lei 9.504/97.

Segundo esse dispositivo, em ano de eleição a administração pública é proibida de distribuir gratuitamente bens, valores ou benefícios, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior.

O tributarista Rafael Bragança, do Daudt, Castro e Gallotti Olinto Advogados, afirma que a jurisprudência sobre o tema não é pacífica, o que de fato levanta um temor a respeito da abertura de um novo Refis este ano. Sobretudo no que diz respeito a benefícios fiscais concedidos em âmbito municipal, as decisões no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) oscilam entre autorizar e vedar os programas em ano eleitoral, diz o advogado.

Para Bragança, um dos problemas é que a lei fala em “benefícios” de modo geral, sem especificar se há impedimento a um benefício fiscal.

“A jurisprudência discute, entre outras questões, se esse benefício diz respeito também ao fiscal. O projeto do novo Refis com certeza trará os mesmos questionamentos”, diz o tributarista.

O que diz a lei
O advogado Ricardo Penteado, especialista em direito eleitoral, avalia que a lei eleitoral não justifica o veto ao Refis. Ele afirma que a jurisprudência sobre esse assunto tem evoluído no sentido de o artigo 73, parágrafo 10º, da Lei 9.504/97 impedir a concessão de benefícios diretos aos eleitores, como distribuição de cobertor e dentadura.

“A minha percepção é que o Refis que foi vetado não é propriamente um benefício que se enquadre nesse dispositivo. É um perdão de dívida. Além disso, é voltado para empresas, não diretamente aos eleitores”, afirma Penteado.

O advogado observa ainda que o dispositivo legal em discussão proíbe a execução do programa, isto é, a distribuição efetiva de bens, e não a instituição de uma lei. Neste caso, afirma, o presidente poderia sancionar a lei e suspender os seus efeitos.

“Em nome de uma situação de suposta igualdade, a gente praticamente proíbe o governo de funcionar. A gente convive bem com o instituto da reeleição e entende que quem já está no governo tem sim uma ‘mais valia’ por estar no cargo. O que não podemos fazer é querer que o governo e a economia parem por causa disso”, critica Penteado.

O advogado Fernando Neisser, presidente da Comissão de Direito Eleitoral do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp), também afirma que o artigo 73, parágrafo 10º, da Lei 9.504/97 não diz de modo objetivo se o benefício fiscal é proibido ou não em ano eleitoral.

Para o especialista, é justamente esse nível de subjetividade que causa contencioso sobre o tema. Ele explica que, na prática, em caso de criação de um programa de perdão de dívidas por estados ou municípios, os tribunais têm buscado observar se esses benefícios são comuns, se são oferecidos todos os anos, e também se há uma ampliação exagerada do escopo desses programas em ano eleitoral.

“A resposta tende a ser subjetiva, tende a olhar o quão normal é este Refis e como o governo o divulga em ano eleitoral. Por si só o Refis em ano eleitoral é ilegal? Entendo que não. Não é como criar um programa de cesta básica”, afirma Neisser.

Ônus político
Para o presidente do Instituto de Estudos Legislativos e Políticas Públicas (Ielp), Raphael Sodré Cittadino, a questão é muito mais política do que jurídica e, no fim das contas, não impedirá a reabertura do prazo de adesão ao Pert por meio do PL 4728/20.

Ao vetar o Refis, o presidente Bolsonaro retira de si o ônus político de conceder o benefício fiscal em ano eleitoral, mas ainda permite que o Congresso Nacional derrube o veto.

“Se o Congresso derruba o veto, a situação está resolvida. A expectativa é que, se o presidente vetou o Refis das empresas do Simples e dos microempreendedores individuais, o mesmo deve ocorrer com o PL 4728/20. O que isso provoca, porém, não é insegurança, mas uma tendência de o Congresso apreciar primeiro o veto para então dar seguimento à votação do PL 4728/20”, diz Cittadino.

O PL 4728/20 tramita na Câmara em regime de urgência, o que significa que pode ser votado rapidamente no Plenário, sem passar pelas comissões. Não há, no entanto, um prazo limite para que tramitação seja encerrada.

No caso do Refis das empresas inscritas no Simples Nacional e dos MEIs, o PLP 46/21, resolução do Congresso Nacional determina que, após 30 dias da leitura do veto pelo Legislativo, ele passa a “trancar” a pauta das sessões conjuntas, o que significa que matérias de natureza orçamentária só podem ser levadas a voto após a análise dos “vetos trancadores”. No entanto, desde o início da pandemia, na prática, esse prazo não tem sido considerado.

Para a tributarista Mariana Rodrigues, do escritório Finocchio & Ustra Advogados, apesar das incertezas, o veto ao Refis das empresas do Simples e dos microempreendedores individuais não pode significar a morte prematura do PL 4782/2020, já que o próprio veto ainda pode ser derrubado pelo Congresso Nacional.

“Além disso, tanto o Senado quanto a Câmara dos Deputados têm se mostrado a favor da aprovação dos parcelamentos incentivados aos contribuintes, especialmente em decorrência da situação extraordinária que se encontra o país”, afirma Mariana.

Interlocutores do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, também não enxergam risco quanto à reabertura de prazo do Pert, uma vez que se trata de matéria de interesse do setor produtivo. Caso Bolsonaro vete o projeto, a tendência é que o Congresso o derrube, afirmam.


Fonte: Jota