Álcool e máscara: limitação ao conceito de insumo pode gerar contencioso

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Para Receita, itens distribuídos a trabalhadores alocados em atividades administrativas não podem ser considerados insumos

A interpretação da Receita Federal de que álcool em gel, luvas e máscaras de proteção contra Covid-19 podem ser considerados insumos, gerando créditos de PIS e Cofins, levantou questionamentos no meio jurídico. A principal discordância está no fato de a Receita considerar que apenas os itens fornecidos pelas empresas aos funcionários alocados em atividades de produção podem ser enquadrados como insumos.

O tema consta na Solução de Consulta 164/2021, publicada em 1º de outubro. A Receita Federal definiu que os mesmos itens, quando fornecidos a trabalhadores alocados em atividades administrativas, não podem ser considerados insumos, não gerando créditos das contribuições.

Advogados tributaristas ouvidos pelo JOTA foram unânimes em considerar indevida a distinção, uma vez que, independentemente da área de atuação do profissional dentro da empresa, é essencial que ele use os itens de proteção em um contexto de pandemia. Os especialistas defendem que os contribuintes podem encontrar uma solução no Judiciário não apenas para ampliar conceito de insumo para esses mesmos produtos quando eles forem fornecidos a trabalhadores alocados em áreas administrativas, mas também para outros bens.

Insumos para além das máscaras
Entre os itens que, na visão de especialistas, também podem ser considerados insumos estão equipamentos e programas de computador e investimentos para ampliar o distanciamento dos profissionais, por exemplo. Segundo os advogados, para fins de creditamento de PIS e Cofins, o importante é que os bens ou serviços sejam essenciais para a atividade das empresas.

Para a tributarista Rebeca Müller, do Figueiredo e Velloso Advogados, em um contexto de pandemia, itens como álcool em gel, luvas e máscaras de proteção podem ser considerados essenciais para todos em uma corporação, e a empresa é obrigada legalmente a fornecê-los.

“Afinal, há equipamentos de combate à Covid-19 que são utilizados por todos, em todas as áreas, e as empresas são obrigadas a fornecê-los”, afirma.

Fernanda Rizzo Paes de Almeida, associada da área tributária do Vieira Rezende Advogados, acredita que certamente os contribuintes vão buscar estender o entendimento do fisco para a área administrativa.

“Não faz sentido a Receita reconhecer o direito de creditamento apenas para a área produtiva, sendo que, se a administrativa não estiver protegida, a empresa não tem como funcionar”, diz Fernanda.

Rebeca explica, além disso, que os contribuintes podem pedir creditamento sobre outros itens, dentro ou fora do contexto da pandemia, se eles forem essenciais para a sua atividade. A advogada observa, por exemplo, que há empresas acessando o Judiciário para ter direito ao creditamento de PIS e Cofins sobre os gastos efetuados para se adequar à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), cujas sanções entraram em vigor em agosto. As empresas precisam investir, por exemplo, em sistemas que garantam a segurança dos dados dos clientes.

“As empresas realizam esses investimentos diante de uma obrigação legal, para se adequar à nova legislação”, explica.

O tributarista Luis Felipe de Campos, sócio do Rolim, Viotti, Goulart, Cardoso Advogados, afirma que, por princípio, a não cumulatividade do PIS e da Cofins deveria ser a mais ampla possível, para garantir a neutralidade do sistema tributário. Por meio desse regime, as empresas deduzem, no momento de recolher as contribuições, a tributação já paga em etapas anteriores do processo produtivo.

“Se temos decretos municipais e estaduais dizendo que as empresas são obrigadas a fornecer álcool em gel, luvas e máscaras de proteção para os funcionários de todas as áreas, então por que não haver o creditamento na área administrativa?”, questiona Campos.

A seu ver, essa deve ser a mesma lógica aplicada para a compra de outros bens ou serviços considerados essenciais para a atividade da empresa. Assim, um contribuinte pode ter direito ao creditamento, por exemplo, se investir na compra de computadores e programas de informática para garantir a continuidade de sua atividade. Campos observa, porém, que o direito deve ser analisado caso a caso.

“O que o contribuinte tem de comprovar é que o item é essencial, que sem ele não é possível entregar o serviço ou produto com qualidade”, explica Campos.

STF
O Supremo Tribunal Federal (STF) julgará um recurso que pode representar uma reviravolta sobre o conceito de insumo para creditamento de PIS e Cofins.

No RE 841.979, os ministros vão analisar, em um recurso da Unilever Brasil Gelados do Nordeste, se gastos com propaganda, publicidade, corretagem, vigilância, limpeza e conservação, entre outros, são insumo e, portanto, geram crédito de PIS e Cofins.

A Corte vai interpretar o artigo 195, § 12, da Constituição Federal, que trata dos setores de atividade econômica para os quais as contribuições serão consideradas não cumulativas.

O julgamento estava previsto para começar no dia 8 de outubro no plenário virtual do STF. O relator, ministro Dias Toffoli, no entanto, decidiu retirar o recurso de pauta para analisar petições e memoriais que chegaram sobre o tema. Ainda não há nova data para o julgamento.

A decisão no Supremo pode alterar decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) firmada há três anos sobre o tema.

Em 2018, em sede de recurso repetitivo, no REsp 1.221.170/PR, a 1ª Seção do STJ definiu que “o conceito de insumo deve ser aferido à luz dos critérios da essencialidade ou relevância, vale dizer, considerando-se a imprescindibilidade ou a importância de determinado item – bem ou serviço – para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo contribuinte”. Com isso, na prática, o STJ afastou interpretação restritiva antes adotada pela Receita Federal.

Rejiane Prado, advogada especialista em Direito Tributário e Empresarial do escritório Barbosa Prado Advogados, explica que a discussão no STF é mais ampla que a realizada no STJ. Ela diz que os ministros vão debater não só o conceito de insumos, mas o que é não cumulatividade em termos de PIS e Cofins.

“O que está em jogo é saber também se leis que restringem o conceito de insumos são constitucionais. Há leis, por exemplo, que dizem que, se o item é comprado de pessoa física, ele não gera crédito”, diz Rejiane.

Fernanda, associada da área tributária do Vieira Rezende Advogados, afirma que o que se discute, no fundo, é o princípio da não cumulatividade.

“Quando a Constituição trouxe esse princípio, ela não fez ressalvas quanto a possíveis limitações. Assim, no regime da não cumulatividade, o pressuposto é que se tribute somente o valor agregado dos produtos, sem efeito cascata, mas a legislação traz limitações que barram a aplicação desse princípio”, afirma.


Fonte: Jota