Alvo de polêmicas e embates, Lei Kandir completa 25 anos

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Criada para regulamentar a cobrança do ICMS, lei acabou motivando disputa entre Estados e União

Criada em 1996, a Lei Kandir completou na semana passada 25 anos. A legislação surgiu para disciplinar a cobrança do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), principal fonte de receita dos Estados. Mas acabou se tornando uma grande polêmica porque desonerou as exportações de todos os tributos, inclusive do ICMS, e remeteu a outra lei que seria criada para regulamentar as compensações aos Estados – o que não aconteceu, e isso e motivou várias críticas de governadores e disputas judiciais entre Estados e União.

A Lei Complementar 87/1996 era uma previsão da Constituição de 1988 e surgiu para substituir um antigo convênio que regulamentou provisoriamente a cobrança do ICMS pelos Estados. A norma – que ganhou o nome de Lei Kandir em razão de ter tido como autor o então deputado e ex-ministro Antônio Kandir – estabeleceu regras de cálculo, cobrança e incidência do imposto no país.

Inicialmente, a nova legislação foi muito bem recebida, uma vez que modernizava o arcabouço legal em torno do ICMS, mas passou a ser alvo de críticas à medida que Estados exportadores foram perdendo receita sem uma compensação.

O ex-senador pelo Pará Flexa Ribeiro (PSDB) acompanhou de perto a discussão das compensações previstas na Lei Kandir, até porque o Pará foi um dos mais prejudicados pela medida. “A lei foi criada ainda no governo Fernando Henrique Cardoso. E, no momento em que foi criada, Almir Gabriel era governador do Pará, também do PSDB. A lei teve o apoio dele porque o Brasil àquela altura tinha a balança comercial deficitária, ou seja, importava mais do que exportava. Então, havia necessidade de incentivar a exportação, e, para isso, o deputado Kandir propôs desonerar toda e qualquer exportação em um princípio básico de que não se exporta imposto, o que está correto”, disse.

Não funcionou

Ainda segundo ele, nos anos iniciais de vigência da lei, foi feita uma compensação de 60%. Mas, posteriormente, outras atualizações da lei suspenderam o pagamento para prever uma negociação anual entre União e Estados, que, na prática, não funcionou.

A disputa entre Estados e União passou a se dar na Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão n° 25, proposta pelo Pará em 2013, quando os Estados já não tinham qualquer garantia de compensação em razão de uma emenda constitucional, editada em 2003, que colocou a previsão de desoneração das exportações na Constituição – antes estava apenas na Lei Kandir.

O governo de Minas participou desse processo, já que era um dos Estados que mais perderam com a Lei Kandir. “Assumi essa ação com tudo e acabei liderando uma briga”, relembra o ex-advogado geral do Estado e procurador aposentado Onofre Alves Batista Junior.

Juntamente com o deputado estadual Sávio Souza Cruz (MDB), o ex-procurador organizou o livro “Desonerações de ICMS, Lei Kandir e o Pacto Federativo”, publicado pela Assembleia de Minas em 2019. Até essa época, as perdas mineiras eram estimadas em R$ 135 bilhões. Hoje, dois anos depois do livro, o deputado calcula que as perdas para Minas cheguem a R$ 150 bilhões.

Somente no ano passado, após acordo entre Estados e União homologado pelo Supremo, o Congresso aprovou a Lei 14.085/2020, que prevê ao Executivo o pagamento de R$ 58 bilhões até 2037. A primeira foi quitada em 2020, e o acordo previu o encerramento de todas as ações judiciais que apontavam omissão legislativa no tema.

Valores menores

Na semana passada a Associação Brasileira de Direito Financeiro e a Associação Brasileira de Direito Tributário lançaram o livro “25 anos da Lei Kandir”. A obra traz um artigo do ex-procurador Onofre Batista que analisa o acordo firmado no ano passado acerca das compensações e que, pelo menos por enquanto, encerra as disputas sobre a lei.

Onofre avalia que o acordo é ínfimo perto das perdas acumuladas pelos Estados, mas diz que não culpa o governo de Minas por ter assinado o mesmo entendimento que havia sido rejeitado anos antes. “Tínhamos recusado um acordo similar na ocasião. Não aceitamos esse acordo na época. Agora, eu não jogo pedras, porque sei que o momento era crítico”, disse, referindo-se à grave situação fiscal do Estado.

O ex-senador Flexa Ribeiro também critica o acordo, tanto pelo valor quanto pela obrigação de que Estados retirassem suas ações ou pleiteassem novas compensações no futuro. “O acordo pressupõe que Estados e municípios abrissem mão de discutir qualquer nova restituição pra frente, a não ser aquilo que foi acordado. E ele vai reduzindo (o valor das parcelas) ao longo dos anos. Começou com R$ 4 bilhões, e me parece que em 20 anos vai reduzindo até se esgotar e não há mais como brigarem por novas restituições”, disse.

Divisão

No acordo, Minas receberá R$ 8,7 bilhões em parcelas pagas até 2037, sendo R$ 6,5 bilhões destinados ao governo estadual e R$ 2,1 bilhões, aos municípios mineiros.

Exportações

As perdas de Minas Gerais com a Lei Kandir podem ir além do estimado pelos estudos realizados até agora. Na avaliação do deputado Sávio Souza Cruz, ao desonerar a exportação de produtos primários, a lei acabou por desincentivar a industrialização do país, uma vez que é mais lucrativo para o exportador a venda de commodities no mercado internacional do que investir na transformação de produtos.

“É um elemento que contribui para a desindustrialização de Minas, porque você imagina que o minério de ferro que vai para uma aciaria na China vai sem imposto; se for levar pra Usiminas ou pra Açominas, tem que pagar imposto. Então isso torna até antieconômico beneficiar o minério em Minas ou no Brasil”, exemplifica o deputado.


Fonte: O Tempo