Covid-19: exportador pode ser obrigado a recolher tributo por descumprir drawback

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Enquanto não há garantia de prorrogação dos prazos, especialistas apontam solução por via judicial e administrativa

A pandemia de Covid-19 abalou o comércio mundial e trouxe um desafio adicional para os exportadores brasileiros. Com fechamento de fronteiras, falta de matérias-primas e restrições à circulação de pessoas e bens, muitas empresas não conseguem cumprir os prazos de exportação do regime aduaneiro especial drawback e, por isso, correm o risco de ter de recolher, com juros e multa de mora, os tributos de que haviam sido desonerados por meio do programa.

O governo estuda publicar uma medida provisória prorrogando, pela segunda vez, os prazos de cumprimento do drawback. Também há um projeto de lei no Congresso Nacional com essa finalidade. Enquanto essa extensão não é garantida, advogados tributaristas ouvidos pelo JOTA apontam que os contribuintes podem encontrar uma solução tanto pela via judicial quanto pela administrativa. 

Pelas regras do drawback, na modalidade suspensão, as empresas não pagam tributos sobre a importação de insumos utilizados em produtos destinados ao mercado externo, mas precisam exportar esses bens dentro de um ano para não perder o benefício. Na modalidade isenção, elas exportam e depois possuem um prazo de até dois anos para importar insumos, com isenção de tributos, e repor o estoque previamente exportado.

 

O problema é que, com a crise desencadeada pela pandemia, muitos contribuintes não conseguem cumprir esses prazos. Segundo o Ministério da Economia, apenas na modalidade suspensão, a quatro meses do encerramento do ano, as empresas ainda não exportaram US$ 29 bilhões ou 42,5% do total de US$ 68,2 bilhões previstos nos contratos do drawback com vencimento em 2021. Isso significa que, se não houver prorrogação e as companhias não conseguirem cumprir os prazos, terão de recolher tributos sobre os insumos utilizados nessa produção.

Governo estuda publicar nova MP
O setor produtivo pediu há seis meses ao governo a extensão dos prazos dos atos concessórios com vencimento em 2021. No ano passado, o Poder Executivo publicou a MP 960, convertida na Lei 14.060/2020, que prorrogou esse prazo pela primeira vez, por um ano. Agora, há uma proposta em discussão na Câmara dos Deputados, o PL 1232/2021, com origem no próprio legislativo. O texto está na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara.

O Ministério da Economia informou que estuda a possibilidade de propor alteração legislativa garantindo essa prorrogação mais uma vez este ano, “tendo em vista a persistência das dificuldades trazidas pela pandemia da Covid-19 sobre as economias brasileira e mundial”. A pasta afirma que, quando finalizar esse estudo, “a proposta poderá seguir para a apreciação das demais instâncias competentes do governo federal”.

O JOTA apurou, no entanto, que uma discussão dentro do governo de incluir, na mesma MP do drawback, regras sobre as empresas comerciais exportadoras, conhecidas como trading companies, estaria atrasando a sua edição.

As tradings atuam como intermediárias entre fabricantes e compradoras e têm direito à desoneração tributária sobre mercadorias compradas no mercado interno e destinadas à exportação. Esses bens, no entanto, precisam ser armazenados em recintos alfandegados, sob controle do Fisco, diante do risco de fraude nessas operações.

O debate no governo seria sobre a criação de outros recintos seguros para esse armazenamento. Uma flexibilização das possibilidades de armazenamento dessas mercadorias é objeto do PL 401/2020, mas não há consenso sobre ele na equipe econômica. Procurado sobre essa discussão específica, o Ministério da Economia disse que não teceria “comentários adicionais”.

Para a gerente de Diplomacia Empresarial e Competitividade da CNI, Constanza Negri Biasutti, “o apoio às importadoras e exportadoras é fundamental diante dos esforços do setor para manutenção dos empregos e para a recuperação da economia”. “Nos preocupa muito, no contexto atual, a demora do governo em solucionar esse impasse, já que desde fevereiro deste ano estamos em contato direto com o Poder Executivo solicitando uma medida célere”, afirma.

Solução pode ser pela via judicial ou administrativa
Enquanto não há garantia de prorrogação dos prazos do drawback, advogados tributaristas ouvidos pelo JOTA apontam que os empresários podem encontrar uma solução tanto na via judicial quanto na administrativa para não recolher os tributos desonerados pelo programa.

Thales Stucky, sócio da área tributária do Trench Rossi Watanabe, afirmaque um dos argumentos possíveis nas ações judiciais é o fato de o descumprimento dos prazos não ocorrer por ato de vontade do contribuinte, mas sim por força maior ou caso fortuito.

Por outro lado, afirma o tributarista, o artigo 111 do Código Tributário Nacional (CTN) define que se interpreta literalmente a legislação tributária sobre “suspensão ou exclusão do crédito tributário”, “outorga de isenção” e “dispensa do cumprimento de obrigações tributárias acessórias”.

“O que vemos é que já existem decisões favoráveis aos contribuintes, diante da demonstração de inviabilidade de cumprimento dos prazos do drawback por questões que vão além de sua capacidade gerencial”, diz Stucky.


“Não é justo que o governo aja contra o contribuinte quando este mais precisa. O contribuinte não cumpre o ato por uma questão que foge ao seu controle”


Denis Vieira Gomes, advogado tributarista do Velloza Advogados, avalia que outra argumentação possível é o princípio da razoabilidade, uma vez que, por força maior, o contribuinte não consegue cumprir os prazos.

“Não é justo que o governo aja contra o contribuinte quando este mais precisa. O contribuinte não cumpre o ato por uma questão que foge ao seu controle”, diz Gomes, que defende que os prazos devem ser prorrogados “enquanto a pandemia durar”, e não apenas por um ano.

Leonardo Gallotti Olinto, sócio do Daudt, Castro e Gallotti Olinto Advogados, por outro lado, entende que os contribuintes devem priorizar a via administrativa, e não a judicial, para pleitear a extensão dos prazos.

Ele explica que, primeiro, para não pagar honorário de sucumbência, o contribuinte precisar ajuizar um mandado de segurança, o que não permite a dilação probatória, isto é, um prazo para a parte produzir provas sobre o seu direito. Isso dificultaria a defesa do contribuinte, que não teria como provar que não exportou por causa da pandemia, e não por outros motivos. Uma ação ordinária, por sua vez, teria rito mais longo.

“Além disso, o ajuizamento de uma ação em si é uma confissão de que o contribuinte não cumpriu os prazos do programa. A meu ver, o ideal é procurar a Receita e discutir primeiro na esfera administrativa”, avalia Gallotti Olinto, que, em seu escritório, tem hoje seis grandes empresas com dificuldades para cumprir os prazos do drawback.


Fonte: Jota