Daniel Ribeiro Silva: Estado tem o dever de simplificar a vida do cidadão

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Conselheiro passou por tribunais administrativos estadual e municipal antes de integrar Carf

Antes de atuar no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), o conselheiro Daniel Ribeiro Silva teve a oportunidade de ser julgador na esfera municipal, no Conselho Municipal de Tributos de Salvador (CMT), e na esfera Estadual, no Conselho Estadual de Tributos da Bahia (CONSEF-BA).

Daniel Ribeiro Silva foi indicado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) e está no segundo mandato no Carf. “Entendo que o Estado tem o dever de simplificar a vida do cidadão e buscar sempre uma tributação mais justa e equilibrada. Não é mais compreensível nos depararmos com uma estrutura fiscal e tributária tão complexa, burocrática e sem o devido retorno à sociedade”, pontua Silva, que é graduado em Direito pela Universidade de Salvador (UNIFACS).

 

No Carf, o julgamento em que Daniel Ribeiro Silva considerou mais difícil de formar convicção foi o do caso “Silvio Santos”, no acórdão 1401-002.099, de 2017. O processo tratava de lançamento que questionava deságio na aquisição de investimento em uma complexa operação societária realizada pelo contribuinte.

“Envolvia problemas de solvência de uma instituição financeira e o socorro feito pelo Fundo Garantidor. O debate a respeito da necessidade da despesa foi bastante acirrado na turma e o voto proferido pelo relator foi excelente”, conta o conselheiro, que ficou vencido.

Em entrevista ao JOTA, Daniel Ribeiro Silva revelou ser fã dos tribunais administrativos, pois acredita que os processos que tramitam nessas esferas objetivam não apenas proteger o patrimônio público, mas dar ao contribuinte a chance de defesa ao ser eventualmente apontado pelo fisco de qualquer descumprimento da legislação.

“O processo administrativo fiscal é essencial para a garantia da defesa do contribuinte e, também, à garantia de que o fisco possa exercer o devido controle da legalidade”, avalia o conselheiro que, em meio às teses que analisa para julgamentos, busca assistir aos jogos do Flamengo, time do qual virou fã ainda na infância.

Ficha técnica de Daniel Ribeiro Silva
Formação: Direito

Alma matter: UNIFACS (2005)

Vida acadêmica: Especialista em Direito Tributário pela Universidade Federal da Bahia (UFBA, 2006), Doutorado em Ciências Jurídicas e Sociais na Universidad del Museo Social Argentino (UMSA,2018).

Origem da indicação: Contribuinte: Confederação Nacional da Indústria (CNI).

Time do coração ou hobby: Meu time do coração é o Flamengo porque cresci assistindo aos jogos.

As decisões do conselheiro
Qual foi o voto mais inovador que proferiu?

Foi no acórdão 1401-002.823, no caso do Ponto Online, em 2018. Foi a primeira oportunidade que me deparei com um lançamento tributário com tal exigência e, pelo menos nas minhas pesquisas, também se tratou do primeiro analisado pelo CARF com tal objeto.

O lançamento decorreu de planejamento tributário realizado pelo contribuinte, em que, segundo a autoridade fiscal, utilizando-se de milhares de Sociedades em Conta de Participação (SCPs), pulverizou a receita e promoveu pagamentos a título, indevido, de “Lucros Distribuídos”.

Segundo o agente fiscal, tal conduta objetivou o não recolhimento integral do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) e das Contribuições Previdenciárias, além de evitar a incidência do Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF).

A fiscalização entendeu existir vedação nas normas do Código Civil (art. 993, parágrafo único). No entanto, após longos debates, a maioria da turma entendeu que não existiria um impedimento da participação do sócio perante terceiros, mas sim uma proibição, cuja consequência já está aplicada no próprio dispositivo, qual seja a de que este sócio (sócio oculto), que antes não detinha responsabilidade com terceiros, passe a ter responsabilidade solidária com o sócio ostensivo nas obrigações da sociedade.

Assim, no caso concreto, a maioria da turma entendeu que a estruturação negocial através de SCPs era válida dentro da realidade negocial do contribuinte.

Qual foi o caso mais importante em que seu posicionamento se tornou o entendimento do colegiado?

No acórdão 1401-002.881, conhecido como o caso “Da Vinci”, de 2018.

O lançamento era relativo à cobrança de IRRF por pagamentos a beneficiários não identificados e decorreu de provas colhidas no âmbito da operação da Lava Jato.

O volume de provas era imenso e foi o primeiro de muitos casos que enfrentamos. Basicamente o lançamento exigia o Imposto de Renda Retido na Fonte de pagamentos a beneficiários não identificados ou sem causa no âmbito da referida operação.

Qual foi o caso mais difícil de formar sua convicção?

O caso “Silvio Santos”, no acórdão 1401-002.099, de 2017.

O referido processo tratava de lançamento que questionava deságio na aquisição de investimento em uma complexa operação societária realizada pelo contribuinte.

Envolvia problemas de solvência de uma instituição financeira e o socorro feito pelo Fundo Garantidor. O debate a respeito da necessidade da despesa foi bastante acirrado na turma e o voto proferido pelo relator foi excelente. Fui vencido e fiz minha declaração de voto explicando as minhas razões.

Qual foi o caso em que a decisão teve mais força para pacificar uma discussão?

O acórdão 1401-002.835, da SOFISA, em 2018. Casos envolvendo planejamento tributário e propósito negocial são sempre polêmicos em razão da subjetividade de determinados conceitos.

No referido julgamento, depois de longo debate, a turma por unanimidade entendeu existir propósito negocial na operação que estava sendo analisada. Questões como essas possuem uma grande dificuldade de comprovação, especialmente quando analisamos fatos e operações ocorridos há muitos anos.

Qual foi o caso mais marcante em que você foi voto vencido?

Acredito que o acórdão 1401­002.078, da MEDLEY, em 2017. Tratava-se de discussão acerca de amortização de ágio em caso que envolvia utilização de empresas chamadas de “veículo”.

O instituto do ágio sempre foi muito polêmico e reportou a longos debates. O Carf já mudou a sua orientação jurisprudencial sobre o tema ao longo dos anos, o que por si só demonstra a sua complexidade.

Casos como esse sempre demandam uma análise muito criteriosa da situação fática e das provas apresentadas no caso concreto e as razões que levaram à realização da operação.

Qual é a discussão que adoraria ter a oportunidade de participar como julgador?

O acórdão 9101 004.398, da B3 S.A, de 2019. Participei como julgador na decisão recorrida (acórdão 1401-001908, em 2017) e foi um dos primeiros julgamentos que participei como conselheiro do CARF.

Era mais um complexo caso que tratava da amortização de ágio na operação realizada pela contribuinte. Por ser um tema que sempre leva a debates de altíssimo nível no CARF e por se tratar de um dos meus primeiros julgamentos, gostaria de ter estado presente nos debates realizados em âmbito recursal pela Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF), onde a decisão proferida na turma foi revertida por voto de qualidade.

Visão de mundo de Daniel Ribeiro Silva
Qual é o papel do Estado e do seu trabalho no desenvolvimento da nação?

Entendo que o Estado tem como função primordial buscar dar condições mínimas para que os cidadãos possam desenvolver suas liberdades individuais. Na esfera tributária entendo que o Estado tem o dever de simplificar a vida do cidadão e buscar sempre uma tributação mais justa e equilibrada. Não é mais compreensível nos depararmos com uma estrutura fiscal e tributária tão complexa, burocrática e sem o devido retorno à sociedade.

Quanto ao meu trabalho como julgador administrativo, entendo que ele é essencial para garantir um maior acesso dos contribuintes à justiça fiscal. Sou um verdadeiro fã dos tribunais administrativos. O processo administrativo presta-se à proteção do patrimônio público, mas principalmente à efetividade do direito de proteção dos contribuintes, para permitir ampla defesa e o contraditório ante qualquer acusação de descumprimento das leis tributárias. Além disso, o processo administrativo fiscal tem como grande função a redução de litígios tributários e por isso deve ser cada vez mais valorizado e fortalecido. Nesta ótica, a participação paritária é essencial para que os contribuintes sejam ouvidos já que são eles que sustentam toda a sociedade.

Tive a honra de exercer a função de julgador administrativo tanto em esfera Municipal (Conselho Municipal de Tributos de Salvador – CMT), em esfera Estadual (Conselho Estadual de Tributos – CONSEF/BA) e agora na esfera Federal no CARF e o que posso afirmar é que o processo administrativo fiscal é essencial para a garantia da defesa do contribuinte e, também, à garantia de que o Fisco possa exercer o devido controle da legalidade.

Quais julgamentos e decisões de que você não participou como julgador marcaram sua vida profissional até hoje?

Citaria novamente o acórdão 9101 004.398, do caso B3 S.A, em que participei do julgamento na Turma Ordinária, mas gostaria também de ter participado na CSRF.

Quem são as pessoas que te inspiram (pessoalmente e profissionalmente)?

Na esfera pessoal, não posso deixar de citar meu avô e meu pai, ambos já falecidos. São as referências que mais influenciaram minha formação pessoal. Além disso, minha esposa, que me dá forças todos os dias. Profissionalmente, sempre me inspirei nas obras e carreira de Aliomar Baleeiro, Alberto Xavier e Ives Gandra Martins.

Quais são os livros e referências que não saem de cima da sua mesa?

O “Sol Nasce para Todos”, de Harper Lee. Trata-se de um clássico atemporal que toca em questões sociais relevantes, como o racismo e o conceito de justiça. É incrível como depois de mais de 60 anos, a temática do livro ainda seja tão atual.

O segundo é “Homo Deus”, de Yuval Noah Harari, do mesmo autor de Sapiens (outro livro que adoro). O livro aborda questões relativas ao futuro da humanidade e sua relação com a tecnologia. Enfrenta a transformação que devemos encarar no século XXI.

Além deles, tem o “Justiça – O que é fazer a coisa certa?”, de Michael Sandel. É um clássico que sempre recomendei como leitura obrigatória para meus alunos. Ele enfrenta questões relativas à moral e ética e nos desafia a debater o conceito de Justiça. O livro foi escrito a partir de um dos cursos mais assistidos na Universidade de Harvard.


Fonte: Jota