CIDE: entenda o que é, como funciona e como é calculado

Últimas Notícias
Categoria tributária das contribuições teve um incremento importante após as conquistas de diversos direitos pela sociedade civil

As Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE), assim como as contribuições sociais e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, estão previstas no art. 149 da Constituição Federal, que autoriza a sua instituição como instrumento de atuação da União em suas respectivas áreas.

Essa categoria tributária das contribuições teve um incremento importante após as conquistas de diversos direitos pela sociedade civil e, consequentemente, das obrigações da União, com o advento da Constituição de 1988, bem como pelo fato de que, ao contrário dos impostos, não necessitam ser partilhadas com Estados e Municípios. Essa concentração financeira na União acabou por promover a criação de diversas contribuições com objetivos apenas arrecadatórios.

Todavia, a instituição de uma contribuição tem como requisito fundamental a existência de uma finalidade constitucionalmente definida, conforme explica o professor Roque Carrazza[1] ao afirmar que não é o fato gerador que define a natureza de contribuição – ao contrário dos impostos –, mas a sua finalidade constitucionalmente prevista.

No caso da CIDE, o pressuposto mais relevante para a sua formatação é a necessidade efetiva de uma intervenção estatal em um setor econômico em razão de algum desequilíbrio. Outros requisitos necessários são amplamente estudados pela doutrina e já foram analisados pelo Supremo Tribunal Federal (STF), como a referibilidade e a destinação de seus recursos para a sua finalidade[2].

Neste artigo pretende-se analisar, de forma resumida, esses pressupostos de validade e apresentar as principais CIDE existentes em nosso ordenamento jurídico.

Os requisitos de validade
Conforme acima delineado, os principais pressupostos para a instituição de uma CIDE são: (i) necessidade de intervenção estatal em um setor econômico com o objetivo de corrigir uma distorção; (ii) referibilidade ou relação entre o contribuinte e o propósito de intervenção; e (iii) a destinação dos recursos para a finalidade constitucionalmente prevista.

No tocante ao primeiro requisito é fundamental que seja identificada uma distorção em um determinado setor econômico que justifique a intervenção da União no sentido de incentivar ou induzir comportamento do contribuinte por meio da cobrança de uma contribuição. Essa intervenção, portanto, deve ser pontual e até mesmo provisória, sendo restabelecido o status quo quando for reequilibrado o setor.

Vale ressaltar que essa ingerência do Estado no domínio econômico por meio de uma CIDE deve estar voltada ao cumprimento dos princípios da Ordem Econômica Constitucional, previstos no art. 170 da Constituição Federal.

Ademais, é importante pontuar que a instituição de uma CIDE só é justificada em razão de uma atuação indireta da União na economia, sendo observados os limites do art. 174 da Constituição que estabelece que o Estado, como agente normativo e regulador da atividade econômica, exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento. Isso porque, na atuação direta, nos termos dos artigos 173 e 177, a União é o próprio agente econômico, não sendo procedente a intervenção por meio de uma CIDE, já que os recursos oriundos da própria atividade exercida servirão para cumprir sua finalidade de intervenção na economia.

O segundo requisito de validade das contribuições de intervenção no domínio econômico é a referibilidade, assim denominada a vinculação, ao menos indireta – embora clara e objetiva –, entre o sujeito passivo da contribuição e a finalidade da intervenção promovida pelo Estado em determinado setor econômico.

Assim, a intervenção no domínio econômico deve estar circunscrita a uma determinada área ou segmento da atividade econômica que justifique a cobrança da contribuição sendo suficiente que o sujeito passivo faça parte do grupo econômico que tenha um liame indireto com a intervenção[3].

O terceiro requisito de validade das contribuições de intervenção no domínio econômico diz respeito à destinação das receitas arrecadadas. Trata-se de traço distintivo da espécie tributária, pois a vinculação entre a contribuição e a aplicação de suas receitas às finalidades que justificam a sua criação decorre da própria exigência constitucional de necessidade de intervenção na economia para sua criação. Para a professora Misabel Derzi[4], a destinação da receita desse tipo de contribuição converte-se no próprio fato gerador, visto que a sua finalidade está intrinsecamente ligada à destinação do produto da arrecadação.

No entanto, vale pontuar que parte da doutrina, como os professores Sacha Calmon e Paulo de Barros Carvalho[5], entende que basta a previsão na norma legal da destinação do produto arrecadado a um fundo ou a uma finalidade específica para que a cobrança da contribuição seja válida. Seguindo esse entendimento, o posterior desvio dos valores arrecadados a título de CIDE seria questão de responsabilização do gestor público ou apenas de descumprimento de lei orçamentária, mas não de sua inconstitucionalidade.

Por outro lado, há entendimentos doutrinários, como do professor Paulo Ayres Barreto[6], no sentido de que a finalidade da CIDE só é alcançada se houver a efetiva destinação do produto da arrecadação para a intervenção estatal. Nessa linha, não bastaria existir previsão legal de destinação nas normas de instituição, sendo necessário o seu cumprimento fático, mesmo que postergado e decorrente do cumprimento de lei orçamentária posterior ao exercício em que se deu a arrecadação. Nesse caso, não sendo cumprida a destinação que motivou a criação da CIDE, nasceria para o contribuinte o direito à restituição do que foi recolhido.

Contudo, vale ponderar que, para a Suprema Corte[7] este último requisito não seria fundamental para a validade de uma CIDE, bastando que sua lei instituidora tenha a previsão de sua finalidade e destinação, sendo que os desvios posteriores dos recursos arrecadados não justificariam a sua declaração de inconstitucionalidade.

Principais CIDE criadas após a Constituição de 1988
Conforme acima mencionado, após o advento da Constituição de 1988, a União Federal instituiu diferentes contribuições de intervenção sobre o domínio econômico, dentre as quais se destacam a CIDE-Combustíveis, a CIDE-Royalties, a Contribuição ao SEBRAE e as CIDE setoriais como a Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (CONDECINE), a contribuição ao Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (FUST) e a contribuição ao Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações (FUNTTEL).

O STF foi instado a se manifestar em algumas oportunidades sobre a constitucionalidade dessas e de outras CIDE criadas anteriormente à CR/88. Em relação às contribuições instituídas pós Constituição de 1988, vale pontuar alguns julgamentos importantes.

A contribuição incidente sobre as operações realizadas com combustíveis (CIDE-Combustíveis) possui previsão expressa na Constituição, em seu art. 177, §4º, e foi objeto de análise pelo STF nos autos da ADI nº 2.925. Nesse caso, a Suprema Corte admitiu o controle concentrado de constitucionalidade do art. 4º da Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2003, Lei nº 10.640/2003, que pretendia desviar os recursos destinados às finalidades da CIDE. A ADI foi julgada procedente, em parte, para dar interpretação conforme à Constituição ao referido artigo 4º, estabelecendo que as receita de CIDE-Combustíveis, independentemente da abertura de crédito suplementar pela LOA, apenas poderia ser voltada à execução das finalidades constitucionais da própria contribuição.

O julgamento dessa ADI foi importante para consignar o entendimento dos Ministros de que um dos requisitos de validade da CIDE é a previsão de destinação de seus recursos para o cumprimento de sua finalidade constitucionalmente prevista, como no caso da CIDE-Combustíveis. Este entendimento pode ser ainda levado a nova análise do STF para sua extensão para as demais contribuições que possuem a previsão das finalidades no art. 149 da Constituição de 1988. Todavia, também restou evidente nesse julgamento que, para o STF, o judiciário não tem competência para determinar que o executivo efetivamente execute as despesas orçamentárias que depende das estratégias de políticas públicas.

Por sua vez, a CIDE-Royalties foi instituída pela Lei nº 10.168/2000, alterada pela Lei nº 10.332/2001, visando financiar o Programa de Estímulo à Interação Universidade-Empresa para o Apoio à Inovação. Atualmente, a contribuição é devida pelas pessoas jurídicas sobre as remessas efetuadas a beneficiários no exterior para pagamento de contratos que impliquem em transferência de tecnologia, remuneração de serviços técnicos, assistência administrativa e semelhantes, e de royalties a qualquer título.

Tendo em vista os requisitos de validade das contribuições de intervenção no domínio econômico e considerando que a intervenção estatal pretendida quando da instituição da CIDE-Royalties foi estimular a inovação e o desenvolvimento tecnológico brasileiro, a constitucionalidade da exigência dessa contribuição se tornou objeto de debate no âmbito da Suprema Corte.

Em 2016, o Plenário do STF, por maioria, afetou à repercussão geral a discussão sobre a constitucionalidade da CIDE-Royalties, a ser desenvolvida no âmbito do Recurso Extraordinário nº 928.943 (Tema 914).

A questão posta em análise se refere à própria delimitação do perfil constitucional da contribuição, de modo que, segundo o Min. Luiz Fux, relator do caso, serão analisados:

aspectos da contribuição para a intervenção no domínio econômico que ainda não foram examinados por esta Corte com a devida acuidade, qual seja, (i) a (des) necessidade de atividade estatal para legitimação da incidência, à luz dos artigos 149 e 174 da Constituição Federal; (ii) e nesse caso, o tipo de atividade estatal que pode dar azo a uma legítima intervenção no domínio econômico; bem como (iii) o segmento econômico alcançado pela intervenção estatal e sua relação com a finalidade almejada pela exação.

Assim, diante de todo o exposto, o julgamento desse paradigma, que estava pautado para apreciação em 30 de junho de 2021, mas retirado de pauta sem previsão de nova inclusão, certamente será um divisor de águas na análise pela Suprema Corte dos pressupostos constitucionais para a instituição de uma CIDE, principalmente os requisitos da referibilidade e da necessidade de intervenção via criação de uma contribuição.

……………………..

[1] CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 30. ed. São Paulo: Malheiros, 2015.

[2] Vide análise aprofundada dos requisitos para instituição de uma CIDE em livro de uma das autoras desse artigo, sendo amplamente utilizadas suas conclusões neste trabalho: LARA, Daniela Silveira. Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE): pressupostos aplicados à CIDE dos serviços de telecomunicações. São Paulo: Almedina, 2019.

[3] Nesse sentido o entendimento do STF principalmente na discussão da constitucionalidade da contribuição ao SEBRAE no RE 396.266. Relator Min. Carlos Velloso. Brasília, DF, 26.11.2003.

[4] Em livro em que atualiza a obra de Aliomar Baleeiro. BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. 8. ed. atual. por Misabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 2010.

[5] CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

COELHO, Sacha Calmon Navarro. Contribuições no Direito Brasileiro – seus problemas e soluções. São Paulo: Quartier Latin, 2007.

[6] BARRETO, Paulo Ayres. Contribuições: regime jurídico, destinação e controle. São Paulo: Noeses, 2011.

[7] Vide: RE nº 178.144. Relator Min. Marco Aurélio. Brasília, DF, 27.11.1996. RE nº 177.137. Relator Min. Carlos Velloso. Brasília, DF, 24.05.1995.


Fonte: Jota