Reforma Tributária Ampla: o caminho do IVA Dual

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Reforma que tem chances de ser aprovada é diferente da proposta que estava sendo discutida na Câmara dos Deputados

A Reforma Tributária sobre o consumo tem sido discutida desde 2019, quando a PEC 45 e a PEC 110 foram apresentadas ao Congresso Nacional. De lá para cá, houve muitos avanços, alguns retrocessos políticos e, inegavelmente, uma ampla discussão sobre o tema. Desde que o relatório da comissão mista da reforma tributária foi apresentado e a comissão extinta em maio deste ano, um acordo político foi realizado para que o encaminhamento da matéria continue no Senado.

 

Há ainda chances de uma reforma ampla ser aprovada no Congresso? Sim, há chances. E, conhecendo o histórico das reformas tributárias anteriores, diria ainda que há uma janela de oportunidade política nunca antes vista na história. União Federal, Estados e a maior parte dos Municípios e do setor privado querem uma reforma ampla. Há também um consenso por parte destes atores de que o Imposto sobre Valor Agregado (IVA) é o melhor modelo para esta reforma. Por fim, o mais importante: o principal entrave das reformas anteriores – a questão da transição federativa e dos fundos de equalização de receitas – parece já estar superado e resolvido.

Um sinal claro deste acordo nacional para a reforma ampla ocorreu com a entrega, no dia 11 de agosto, do manifesto “Em defesa de uma reforma ampla e justa” ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, e ao relator da reforma tributária, Senador Roberto Rocha. O manifesto tem por signatários representantes importantes do setor privado, como a CNI, de todos os Estados, através do Comitê Nacional de Secretários da Fazenda dos Estados e Distrito Federal (COMSEFAZ), e de associações de auditores fiscais federais, estaduais e municipais. O manifesto afirma que “o tema da reforma dos tributos sobre o consumo está maduro. Sabemos o que precisa ser feito e estamos convictos de que a única forma de fazê-lo é através de uma reforma ampla, que trate conjuntamente dos tributos federais, estaduais e municipais”. Do ponto de vista político e federativo, portanto, o alinhamento dos interesses está claro e evidente e, por isso, uma reforma ampla terá grande chances de ser aprovada ainda este ano.

No entanto, a reforma que tem chances de ser aprovada é diferente da proposta que estava sendo discutida até então na Câmara: do ponto de vista político, não há mais como insistir em um IVA único, a ser compartilhado entre todos os entes federativos. O que é definitivamente possível, e que deveria ser o caminho a ser tomado, é o modelo de IVA Dual.

O IVA Dual foi formulado por um grupo de especialistas formado no IPEA em 2017[1]. Nosso pressuposto era o de que um IVA único seria muito difícil de ser aprovado no Brasil, principalmente em razão do conflito de interesses entre os entes federativos que sempre impediu a aprovação das reformas anteriores. Partimos da constatação de que o modelo de IVA ideal deveria ser adaptado ao contexto federativo brasileiro, tal como ocorreu em outros países – como Canadá e Índia – que também adotaram sistemas de IVA Dual. O IVA Dual do IPEA é o modelo defendido desde o início do governo, em diversas oportunidades, pelo Ministro da Economia Paulo Guedes. No âmbito da PEC 110/19, igualmente já foi apresentado pelo Relator Senador Roberto Rocha, em dezembro de 2019, um primeiro substitutivo propondo a adoção de um modelo de IVA Dual.

O modelo criado pelo IPEA propõe a criação de dois IVAs: um IVA Federal, de competência da União Federal, e um IVA compartilhado pelos Estados e Municípios.

Os dois IVAs podem ser harmonizados no que tange ao modelo de incidência, apuração e creditamento, de modo que, para o contribuinte, as principais regras sejam praticamente as mesmas. Para se alinhar ao federalismo brasileiro, a administração de cada tributo seria feita de maneira totalmente autônoma pelos entes. A União Federal faria a administração do IVA Federal de forma independente, através da Receita Federal. Quanto à administração do IVA Subnacional, o modelo de gestão do IBS proposto na PEC 45, com a criação de uma entidade responsável pela arrecadação centralizada do imposto, poderia ser perfeitamente adotado também para o IVA dos Estados e Municípios neste modelo Dual.

 

Para que seja uma reforma realmente ampla, o modelo de IVA Dual deve ser totalmente previsto na Constituição, mesmo que os IVAs não sejam implementados ao mesmo tempo. O manifesto das entidades defende que “é insuficiente uma mudança focada apenas nos tributos federais – que não apenas será um desperdício do consenso político construído nos últimos anos, como pode até mesmo dificultar uma reforma mais ampla no futuro”.

 

Assim, seguindo os modelos internacionais e para que sejam harmonizados o máximo possível, tanto o IVA Federal como o IVA dos Estados e Municípios devem ser previstos na Constituição e é muito importante que ambos incidam sobre operações com bens e serviços. Dessa forma, com uma mudança constitucional prévia para tanto, a CBS – Contribuição sobre Bens e Serviços – proposta pelo governo federal através do PL 3.887/20 – poderia facilmente se tornar um IVA Federal. Sem mudança constitucional prévia, no entanto, a CBS só pode ter como fundamento constitucional o atual artigo 195, I, b da CF e, portanto, incidir sobre “a receita ou o faturamento”, o que a torna totalmente incompatível com um sistema de IVA Dual[2].

Uma reforma tributária ampla, através de um modelo de IVA Dual previsto por inteiro na Constituição, não só é o único caminho possível, mas o necessário para acabar com o caótico sistema tributário hoje existente no Brasil. Ao adotar dois IVAs conforme as melhores práticas internacionais, o modelo resolve, de uma só vez, os principais problemas dos atuais tributos Federais, Estadual e Municipal sobre o consumo. Ao permitir uma gestão independente entre os tributos, o modelo se adequa às características do federalismo brasileiro e aos interesses dos entes federativos, o que torna mais fácil a sua aprovação. O Brasil precisa definitivamente adaptar o IVA a sua realidade federativa e o único caminho possível é através do modelo de IVA Dual.
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[1] O grupo era formado por Alexandre Xavier Ywata de Carvalho, Melina Rocha Lukic, Adolfo Sachsida, Carlos Wagner de Albuquerque e Oliveira Ernesto Lozardo. A proposta do IPEA pode ser acessada neste link: https://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=34402

 

[2] Os modelos internacionais de IVA incidem sobre operações com bens e serviços e não sobre receita. Mesmo no caso do Japão, país onde a apuração do IVA se dá pelo método subtrativo indireto (e não através do destaque em nota fiscal, como na maior parte do mundo), o modelo jurídico do IVA é de um tributo que incide sobre operações e não sobre receita: https://www.nta.go.jp/english/taxes/consumption_tax/01.htm


Fonte: Jota