Processo administrativo de 14 anos foi encerrado no Carf depois de um email

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Conselheiro Carlos Alberto do Amaral Azeredo enviou mensagem a secretaria estadual para confirmar retenção de IR na fonte

Considerado um membro extremamente técnico no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), Carlos Alberto do Amaral Azeredo conta que encerrou uma discussão administrativa de 14 anos depois de ser diligente e enviar um email para o Setor de Atendimento ao Contribuinte da Secretaria de Fazenda do ente federativo envolvido na lide.

A resposta veio depois de uma hora, confirmando que o contribuinte havia recolhido o Imposto de Renda na fonte. Assim, por unanimidade, a questão foi resolvida. “Sabe-se que nem sempre as pessoas jurídicas de direito público mantêm arquivados adequadamente os fatos ocorridos nas diversas ações judiciais de que são parte, já que é comum que tais demandas fiquem a cargo das respectivas assessorias jurídicas”, justifica o conselheiro.

Com quase 36 anos como servidor de carreira da Receita Federal e no terceiro mandato no colegiado, Azeredo considera que o julgador se vê diante de uma rotina diária sobre “concluir pela licitude ou ilicitude da conduta” tributária nos casos que avaliam em plenário. O que nem sempre é trivial.

“Não são incomuns ocorrências de planejamentos tributários em que operações em sequência, de difícil compreensão e justificativa prática, tendem, ao fim, dar uma roupagem aos acontecimentos diversa da real, sempre tendo como pano de fundo alguma medida de economia tributária e o desafio é concluir pela licitude ou ilicitude da conduta”, complementa.

Graduado em Ciências Contábeis e Gestão Pública, Azeredo frisa ao JOTA que a experiência acumulada como servidor de carreira da Receita Federal e como conselheiro do Carf o fez repensar sobre o conceito de “unanimidade” ao ponto de levar para a vida profissional aprendizados obtidos nos próprios julgamentos.

“Mesmo que, em muitos casos, tenhamos certeza de algo, nem sempre é esta certeza que prevalece, sendo certo que essas ocorrências sempre são oportunidades, como digo aos meus colegas de Turma, para que possamos evoluir, pois nos força a refletir melhor sobre a matéria, ainda que seja para, em uma nova oportunidade, utilizar argumentos mais convincentes ou, ainda, para mudar de opinião”, avalia Azeredo, que por força do trabalho, não consegue ler algo muito além do que doutrinas. “Poderia dizer que a minha referência principal [de leitura] é a legislação”.

Ficha-técnica de Carlos Alberto do Amaral Azeredo
Formação: Ciências Contábeis e Gestão Pública

Alma matter: Centro Universitário Moacyr Sreder Bastos

Vida acadêmica: Especialização em Direito Tributário pela Faculdade de Direito de Campos (2006); Gestão de Contratos pela AVM Faculdades Integradas (2013).

Origem da indicação: Fisco

Time do coração ou hobby: Pescaria

Sobre as decisões de Carlos Alberto do Amaral Azeredo
Qual foi o voto mais inovador que proferiu?

A minha formação originária e principal é na área contábil, onde, como regra, atuamos de forma mais objetiva e sintética do que se vê normalmente na área jurídica, que tem um espaço maior para construção de teses que consideram avaliações mais subjetivas.

Assim, minhas proposições guardam, em boa medida, essa característica objetiva de procurar conciliar os termos da legislação com o bom senso jurídico (razoabilidade), com o interesse público e, ainda, com a essência dos fatos que nos são submetidos. Daí ser comum, em meus votos, encontrarem-se alusões a estes pilares: bom senso, interesse público e essência dos fatos observados.

Neste sentido, depois de tantos anos de existência do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais e de uma vasta manifestação jurisprudencial e doutrinária sobre os mais diversos aspectos da nossa legislação tributária, eu não considero que tenha proferido qualquer voto que pudesse ser classificado como inovador.

Há temas, contudo, que, de fato, pelo menos aparentaram novidades no meu Colegiado, como em situações muito específicas relacionadas às penalidades por descumprimento de obrigações acessórias previdenciárias, o voto pela improcedência do lançamento por entender aplicável o Princípio da Consunção ou Absorção em casos em que há uma sucessão de condutas com existência de um nexo de dependência entre si, em que o delito fim absorve o delito meio (Acórdão 2201-005.423, de 07 de agosto de 2019). Ressalvo que minhas primeiras manifestações sobre o tema talvez tenham ocorrido em 2016 ou 2017 e não contou com a simpatia dos demais colegas de Turma. Todavia, aos poucos, o entendimento do Colegiado passou a acolher tal entendimento.

Qual foi o caso mais importante em que seu posicionamento se tornou o entendimento do colegiado?

Não considero que haja casos mais importantes que outros, pois as matérias acabam se repetindo e o mesmo assunto pode ser debatido em um lançamento de um crédito tributário de grande monta, envolvendo uma empresa ou pessoa física de grande expressão, e, ainda, em uma exigência irrisória imposta a um contribuinte de menor notoriedade.

Assim, avaliando o presente questionamento a partir da importância da matéria sob análise, tenho especial apreço por minhas conclusões sobre o tratamento tributário, no âmbito previdenciário, dos Planos de Opção de Compra Ações/Stock Options, as quais foram amplamente aceitas por meus valorosos e sempre criteriosos colegas de Turma.

O tema em tela foi objeto de uma apresentação no V Seminário Carf de Assuntos Tributários e Aduaneiros e, ainda, deu origem a artigo que integrou a publicação originária do evento.

Qual foi o caso mais difícil de formar sua convicção?

Normalmente, a dificuldade encontrada para formar a convicção do julgador administrativo sobre a melhor decisão a ser tomada diante de um caso concreto está mais relacionada ao entendimento dos fatos efetivamente ocorridos, já que não são incomuns ocorrências de planejamentos tributários em que operações em sequência, de difícil compreensão e justificativa prática, tendem, ao fim, dar uma roupagem aos acontecimentos diversa da real, sempre tendo como pano de fundo alguma medida de economia tributária e o desafio é concluir pela licitude ou ilicitude da conduta.

Neste sentido, nestes cinco anos de Carf, o caso mais complexo sobre o qual me debrucei está relacionado a um destes planejamentos tributários, mas infelizmente, o julgamento ainda não foi concluído por limitações institucionais, não sendo o caso de aqui apontá-lo.

Fora este caso emblemático, é certo que minha maior dificuldade é manter a coerência nas decisões que tangenciem temas que, de alguma forma, foram pacificados a partir de manifestações administrativas ou judiciais em aparente descompasso com a legislação de regência.

É o caso, por exemplo, do tributo incidente na cessão, mesmo com deságio, de precatórios judiciais.

Nestes casos, há manifestação do Fisco (Parecer SRF/Cosit nº 26, de 29 de junho de 2000), corroborada por respeitáveis decisões administrativas, apontando que a tributação deve recair sobre o ganho de capital correspondente à diferença positiva entre o valor da alienação e o custo de aquisição do citado título executivo, que sempre é considerado zero para o cedente e, para o adquirente, o valor da operação.

Mas, ao ocorrer a inscrição do precatório, sendo este um título negociável, a rigor, já existiria a disponibilidade jurídica a ensejar a tributação do rendimento na pessoa física, naturalmente devendo-se considerar a natureza do fato que deu origem ao crédito em questão, normalmente de cunho salarial e, assim, passível de tributação no ajuste anual do exercício em que ocorreu a tal disponibilidade jurídica.

Não obstante, caso o beneficiário não negocie o seu crédito e aguarde sua liquidação, a tributação ocorre no ajuste anual do exercício em que o valor foi efetivamente recebido, mas a partir das premissas da tributação dos Rendimentos Recebidos Acumuladamente, que, embora apresente inegável medida de justiça ao se apurar o tributo a partir do regime de competência, acaba por ser medida que colide com o regime de tributação das pessoas físicas, que é, por essência, amparado no regime de caixa.

Por outro lado, em relação à fonte pagadora de tais verbas, o Fisco considera que o crédito mantém em toda a sua trajetória a natureza jurídica do fato que lhe deu origem.

Ou seja, nesse imbróglio, para tentar impor alguma medida de justiça com o beneficiário, para não onerá-lo por tributo incidente sobre valores que, de fato, ainda não os recebeu e, ainda, preservar o interesse público, são promovidos verdadeiros “jeitinhos” que, ao cabo, não se alinham à legislação de regência.

Como pode um mesmo rendimento, a depender da forma e momento de sua efetiva liquidação, ter alterada a data da ocorrência do fato gerador e mudar sua natureza em relação a um contribuinte e não mudar em relação a outro? E como avaliar questões que gravitam sobre o mesmo fato, o início da fluência da contagem do prazo decadencial, por exemplo? Enfim, a resposta a tais questionamentos é um desafio realmente complexo.

Qual foi o caso em que seu voto teve mais força para pacificar uma discussão?

Não há como apontar um caso específico, já que a discussão restou pacificada em todos os casos em que meu voto foi acolhido pela maioria ou pela unanimidade do colegiado.

Acredito que em situações muito específicas, a minha experiência pretérita na Receita Federal do Brasil acabou por conferir alguma importância para o alinhamento das opiniões dos membros do colegiado, que nem sempre dominam o fluxo integral prático do processo de exigência fiscal.

Acontecem situações em que a prática de atuação nas Equipes de Malha Fiscal, por exemplo, nos aponta a impropriedade de um procedimento interno adotado no curso da celeuma fiscal.

A título de exemplo, em julgado recente, (Acórdão 2201-008-732, de 08 de abril de 2021, um contribuinte pleiteava o direito de deduzir um Imposto de Renda Retido na Fonte incidente sobre valores recebidos em ação judicial em face de sua fonte pagadora, um Instituto de Previdência Estadual. Retenção esta que já teria sido objeto de diligência junto ao citado instituto, concluindo-se que a mesma não restou devidamente comprovada e, assim, fora glosada pela Autoridade lançadora e mantida a glosa no julgamento em 1ª Instância Administrativa.

Como, na prática, sabe-se que nem sempre as pessoas jurídicas de direito público mantêm arquivados adequadamente os fatos ocorridos nas diversas ações judiciais de que são parte, já que é comum que tais demandas fiquem a cargo das respectivas assessorias jurídicas; considerando, ainda, que o contribuinte havia apresentado documento de arrecadação com autenticação mecânica do recolhimento sem que fossem adotados os procedimentos cabíveis para os casos de recolhimento com indício de fraude, no curso da análise do processo, optei por enviar um email diretamente ao Setor de Atendimento ao Contribuinte da Secretaria de Fazenda do ente federativo em questão, que, em menos de uma hora, respondeu confirmando o recolhimento do IR na fonte alegado pela defesa, pondo fim, por unanimidade, a uma lide administrativa que já tramitava há 14 anos.

Qual foi o caso mais marcante em que você foi voto vencido?

Diversos foram os votos em que restei vencido e, naturalmente, alguns são mais marcantes, seja em razão do teor e calor dos debates ocorridos no curso do julgamento, seja pela convicção da correção da tese por mim então defendida.

Mas essa é a grandeza do julgamento Colegiado, mesmo que, em muitos casos, tenhamos certeza de algo, nem sempre é esta certeza que prevalece, sendo certo que essas ocorrências sempre são oportunidades, como digo aos meus colegas de Turma, para que possamos evoluir, pois nos força a refletir melhor sobre a matéria, ainda que seja para, em uma nova oportunidade, utilizar argumentos mais convincentes ou, ainda, para mudar de opinião.

Acredito que poderia citar como marcante o julgamento que resultou no Acórdão nº 2201-003.594, de 09 de maio de 2017, em que o um colega de Turma, com vasta experiência na área previdenciária e que sempre exigia um esforço adicional de minha parte, divergiu de meu voto pela manutenção da exigência e deu provimento ao recurso voluntário.

A questão que se mostrou controversa e decisiva para a tese vencedora gravitou em torno da regularidade ou não de um lançamento que apurou o crédito tributário a partir de uma fração da base de cálculo que poderia ter sido utilizada na apuração.

No caso concreto, um Programa de Participação nos Lucros foi considerado incompatível com a legislação e, assim, parte dos valores pagos a este título foram considerados na base de incidência da contribuição previdenciária.

A tese vencedora concluiu, em síntese, que, havendo descompasso com a legislação de regência, todo o valor pago a título de Participação de Lucros e Resultados (PLR) deveria ter sido tributado e que o lançamento apenas parcial resultava em nulidade da autuação por vício material.

De outro lado, meu voto até considerou a mesma conclusão quando à incidência tributária sobre todo o valor pago a este título, mas entendeu que o lançamento parcial não macularia a exigência formalizada, sendo passível de complementação em procedimento fiscal autônomo instaurado para este fim.

Como dito, minha tese restou vencida, neste caso, pela aplicação do voto de qualidade.

Posteriormente, a tese vencedora foi superada pela Câmara Superior de Recursos Fiscais, que fixou o entendimento compatível com meu voto originário ao afirmar que “o fato de existir lançamento a menor não nulifica o lançamento, nem inviabiliza a possibilidade de lançamento complementar desde que respeitada a regra decadencial aplicável às contribuições previdenciárias” (Acórdão 9202-007.195, de 25 de setembro de 2018).

Qual é a discussão que adoraria ter a oportunidade de participar como julgador?

Depois de quase três mandatos completos como conselheiro, sempre atuando na mesma Seção de Julgamento, não tenho qualquer tema predileto e acredito que não haja assunto de nossa competência que seja uma grande novidade e que pudesse despertar em mim alguma “vontade” de participar de um julgamento sobre o tema.

Visão de mundo de Carlos Alberto do Amaral Azeredo
Qual é o papel do Estado e do seu trabalho no desenvolvimento da nação?

Diversas e muitas vezes contraditórias são as teorias que buscam explicar a origem do Estado, mas identifico clareza e simplicidade nos ensinamentos de Aristóteles, que considera que o Estado seria uma instituição decorrente da própria natureza humana e resultante dos movimentos naturais de coordenação e harmonia, com objetivo inicial de promoção da segurança da vida social, de regulamentação da convivência entre os homens e da promoção do bem estar coletivo.

Por seu turno, em nosso país, poderíamos dizer que promover o bem-estar coletivo nada mais é que cumprir e fazer cumprir os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil listados em sua Carga Magna, em seu art. 3º. Ou seja, promover o bem-estar coletivo é contribuir para a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, para a garantia do desenvolvimento nacional; para a erradicação da pobreza e a marginalização e para redução as desigualdades sociais e regionais.

Como julgador administrativo, meu papel é pura e simplesmente aplicar a legislação tributária vigente ao caso concreto, de modo a aferir a compatibilidade, aos termos da legislação, das exigências impostas aos administrados. Com tal aferição, assegurar que todos contribuam para o alcance dos objetivos da nação na exata medida que lhe impõe a lei.

Por outro lado, agora como cidadão, deixando de lado terminologias mais alinhadas à tecnicidade jurídica, minha contribuição para o desenvolvimento da nação é mais simples e de fácil entendimento. Basta eu me preocupar com o próximo. É o exato cumprimento do mandamento cristão que prega o amor ao próximo, amor de comportamento, é claro. Essa preocupação com o outro não me deixaria apropriar de algo que não é meu, não me permitiria furar uma fila de supermercado, ou ultrapassar um sinal vermelho, etc. Com isso levado ao extremo, não haveria corrupção, sonegação, violência, que são chagas de uma sociedade que, ao cabo, sempre tangenciam o vantagem de um em detrimento de outro.

Quais julgamentos e decisões de que você não participou como julgador marcaram sua vida profissional até hoje?

Como julgador integrante de Turma Ordinária, todos as vezes que a Câmara Superior de Recursos Fiscais julga um Recurso Especial formulado em um processo em que atuei na Câmara baixa como relator ou em que formalizei declaração de voto, acaba gerando algum interesse no resultado e, de alguma forma, marcando nossa trajetória no Conselho, já que é uma oportunidade para avaliarmos a pertinência do nosso raciocínio e a aceitação da tese por nós defendida.

Quem são as pessoas que te inspiram (pessoalmente e profissionalmente)?

Profissionalmente, inspiram-me os valorosos servidores e agentes públicos com quem atuei e com quem atuo nestes quase 36 anos de serviço público, dos quais, quase vinte na Receita Federal.

Inspira-me o comprometimento do meu grande e incansável companheiro de muitas labutas, atualmente em exercício de mandato de julgador na Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF), o conselheiro Maurício Nogueira Righetti; inspira-me o espírito de equipe dos meus valorosos companheiros da 1ª Turma Ordinária da 2ª Seção de Julgamento do CARF, tanto em sua formação atual quanto nas anteriores; inspira-me a postura colaborativa de meus colegas presidentes das demais Turmas da 2ª Seção; por fim, inspira-me o reconhecimento e a confiança em mim depositada por tantos outros valorosos servidores aos quais estou e já estive subordinado tanto no Carf quanto na Receita Federal.

Pessoalmente, minha inspiração está mais próxima. Está no meu ciclo familiar. Inspira-me a força de caráter de meu pai e minha mãe, que jamais esmoreceram diante das dificuldades e desafios que a vida lhes impôs e incutiram, em mim e em minha querida irmã, valores que hoje nos são tão caros; inspira-me minha esposa e filhos, que justificam minha preocupação sempre crescente de não decepcioná-los. Inspira-me o meu primeiro neto Guilherme, que chegou recentemente em minha vida e já muda meu jeito de pensar o futuro. É por todos eles que a vida vale a pena.

Quais são os livros e referências que não saem de cima da sua mesa?

Não tenho “livros de cabeceira”. O exercício de minhas atribuições, tanto como julgador quanto como de presidente de Turma, e, ainda, a falta de hábito, infelizmente, não deixam muito espaço para leitura que não seja relativa a assuntos técnicos.

Mesmo no que tange à literatura técnica, é importantíssimo acompanhar a opinião da doutrina que, decerto, contribui para a formação da convicção de qualquer julgador, administrativo ou judicial. Não obstante, por questão de perfil, embora o faça em um ou outro caso, normalmente não costumo citar manifestações doutrinárias em minhas decisões. Assim, poderia dizer que a minha referência principal é a legislação.


Fonte: Jota