Barroso propõe fim do voto de qualidade, mas permite que Fazenda vá à Justiça

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ADIs que questionam fim do voto de qualidade no Carf estão empatadas em 1X1

Em voto proferido nesta sexta-feira (18/6), o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), defendeu o desempate pró-contribuinte e fim do voto de qualidade no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), mas ponderou que a Fazenda Nacional poderá ir à juízo caso perca no tribunal administrativo. De acordo com as regras atuais, em caso de derrota da Fazenda no conselho o resultado se torna definitivo.

O posicionamento foi dado nas ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) 6399, 6403 e 6415, por meio das quais se discute o desempate pró-contribuinte no Carf. Os casos voltaram à pauta nesta sexta-feira (18/6), e ficarão no plenário virtual até 25 de junho. Até agora o placar está empatado em 1X1, com o relator, ministro Marco Aurélio, propondo a volta do voto de qualidade.

 

As ADIs envolvem o artigo 19-E da Lei nº 10.522/2002, inserido pelo artigo 28 da Lei 13.988/2020, responsável por mudar a sistemática de desempate nos julgamentos do Carf. O tribunal administrativo tem composição paritária, com turmas compostas em igual número por membros do fisco e representantes dos contribuintes.

Antes da alteração legislativa, os casos empatados no Carf eram decididos pelo voto de qualidade, por meio do qual o presidente da turma de julgamento, sempre representante da Receita Federal, proferia o voto de minerva. Com a mudança, em caso de empate, o entendimento passou a ser pró-contribuinte.

Na análise de Barroso, o desempate a favor do contribuinte é constitucional, desde que seja mantida a possibilidade de a Fazenda Pública ajuizar ações visando restabelecer o lançamento tributário.

“Reconhecer a possibilidade de a Fazenda Nacional ir a juízo, nessa situação, é imprescindível para resguardar o equilíbrio das relações entre o ente público e o sujeito passivo. Isso porque, se antes o voto de qualidade gerava uma distorção em favor do Fisco, a sua extinção – com resultado necessariamente favorável ao contribuinte em caso de empate –, sem a ressalva aqui realizada, inverteria a balança para o outro lado. E o que se deve buscar, em última análise, é a plena isonomia entre as partes, e não a prevalência apriorística de uma sobre a outra”, escreveu o ministro em seu voto.

Barroso também destacou que a mudança não enfraquece o Carf.

“Também não seria correto dizer que, com essa mudança, o Conselho perderia toda a sua utilidade. Como visto, mais de 90% dos julgamentos do Carf são tomados por maioria ou unanimidade.”

Em seu voto, Barroso propôs a seguinte tese: “é constitucional a extinção do voto de qualidade do Presidente das turmas julgadoras do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), significando o empate decisão favorável ao contribuinte. Nessa hipótese, todavia, poderá a Fazenda Pública ajuizar ação visando a restabelecer o lançamento tributário”.

Sem conexão com a MP 899/2019
Com o voto de Barroso, o processo está empatado. Uma vez que o relator, ministro Marco Aurélio, se posicionou pela inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei nº 13.988/2020, que insere o desempate a favor do contribuinte no Carf. Para o magistrado, não há conexão da matéria com o tema da MP 899/2019, que tratava de transação tributária.

“Não há conexão da matéria com o texto original. O cenário é de molde a reconhecer a crise legislativa há tempos existente na frágil democracia brasileira, marcada pela opção por atalhos à margem da Constituição Federal – o que, na quadra vivenciada, tem se mostrado regra, e não exceção”, escreveu o relator em seu voto.

Reações
O voto do ministro Luís Roberto Barroso de permitir que a Fazenda Nacional vá à Justiça caso perca no Carf causou discussão entre advogados, auditores e procuradores. De um lado, há quem defenda que a abertura para o fisco ir a juízo trará equilíbrio ao processo fiscal. Outros apontam que a medida enfraquece o tribunal administrativo e as suas decisões. Por fim, há quem defenda que não faz sentido a Fazenda recorrer de uma decisão da própria administração fiscal.

Para o tributarista Alberto Medeiros, sócio do Stocche Forbes Advogados e presidente da Comissão de Assuntos Tributários da OAB/DF, o voto de Barroso foi preciso ao demonstrar a inexistência de qualquer defeito no processo legislativo e incompatibilidade da solução dada pelo legislador ao empate nas decisões do Carf. No entanto, ele pondera que a possibilidade de a Fazenda Pública poder ingressar com ação em juízo caso perca no Carf retira a segurança do contribuinte quanto aos pronunciamentos do órgão e traz dúvidas sobre a forma como a alteração seria implementada.

“Muito mais do que uma clara falta de interesse de agir contra um pronunciamento de um órgão da própria União, a Fazenda Nacional não tem competência para lançar e consequentemente buscar o restabelecimento de crédito tributário extinto. Além disso, a lei questionada, que trata da transação, tinha por objetivo resolver litígios, e a ressalva [de Barroso] caminha em sentido contrário”, afirmou o advogado.

O procurador da Fazenda Nacional Fabrício Sarmanho, que atua no Carf, defende que o voto de Barroso não deve ser o vencedor, uma vez que a inconstitucionalidade formal da norma é muito clara. No entanto, ele pondera que a possibilidade de a União ajuizar ações para contestar os acórdãos do Carf que tenham sido julgados por empate é uma consequência natural da norma em discussão.

“Se a União, que é parte no processo, pode ter um lançamento fiscal cancelado administrativamente por simples empate, que pode ser gerado por votações em bloco de representantes dos próprios contribuintes, a consequência natural seria a de que o interesse de agir da União surgisse, e, para o equilíbrio da relação, ela pudesse questionar isso no Judiciário”, afirma.

“Isso já seria, provavelmente, o comportamento da União, mas o voto do ministro Barroso garante uma maior segurança jurídica para essa prática, caso a norma venha a ser declarada constitucional, o que não acreditamos que deva ocorrer”, complementa.

O advogado Márcio Henrique César Prata, advogado do escritório Sacha Calmon Misabel Derzi, entende que se o raciocínio de Barroso prevalecer o Carf virará uma instância de passagem, de modo que quem perdeu sempre irá recorrer ao Judiciário. Segundo o tributarista, a única vantagem do tribunal será o fato de o contribuinte não depositar nenhum tipo de garantia para iniciar a ação. No processo judicial, é necessário que o contribuinte sinalize alguma garantia, como o depósito judicial.

“A esfera administrativa acaba perdendo o seu papel de decisão, de colocar fim nas discussões tributárias, o que é importante para o contribuinte e para a Fazenda devido à técnica dos conselheiros, que são bons e competentes. O Carf vai se transformar em uma instância de passagem”, acredita.

O presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Unafisco), Mauro Silva, acredita que a possibilidade de a Fazenda discutir em juízo ações que perdeu no Carf vai enfraquecer o órgão.

“O Carf perde toda a sua importância. Já temos segunda instância nas DRJ [Delegacias Regionais da Receita Federal], com câmaras recursais para casos de valor inferior a 60 salários mínimos. Então universaliza essa solução para todos os casos e deixa a Justiça decidir aquilo que o contribuinte não concordar. Isso vai encurtar a duração da solução para os litígios tributários”, diz. Porém, em sua análise, a inconstitucionalidade formal irá prevalecer, na linha do voto do ministro Ministro Aurélio.

Discussão
Desde a alteração legislativa, em 15 de abril de 2020, o Partido Socialista Brasileiro (PSB), a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip) e a Procuradoria-Geral da República vêm tentando, no STF, provar a inconstitucionalidade da mudança no critério de desempate no Carf.

Entre os argumentos está a existência de inconstitucionalidade formal dos dispositivos que mudaram o voto de qualidade do Carf por vício no processo legislativo. A alegação é que os artigos inseridos não teriam pertinência temática com a MP 899/2020 – posteriormente convertida na Lei do Contribuinte Legal – que tratava da transação tributária entre a União e os contribuintes.

A extinção do voto de qualidade no Carf não constava no texto original da MP, e foi inserida no Congresso Nacional por meio de uma emenda aglutinativa. Por isso, para o PSB, a Anfip e a PGR, há violação do princípio democrático e do devido processo legislativo. Os autores das ações ainda alegam prejuízos aos cofres públicos. O PSB, por exemplo, argumenta que a União perderá R$ 60 bilhões por ano.

Enquanto o STF não julga o mérito da questão foram editadas algumas resoluções colocando parâmetros para a aplicação do critério de desempate pró-contribuinte. A portaria 260/2020 do Ministério da Economia define que a nova sistemática pode ser usada apenas para processos relativos a autos de infração lançados pela Receita Federal, e não para processos de compensação tributária. Devido à alteração do desempate e à pandemia importantes casos e teses têm sido retirados de pauta no Carf.


Fonte: Jota