Asfixia tributária da indústria e o impacto do ajuste fiscal

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A questão tributária é sem dúvida uma das maiores preocupações das empresas, e que tem tirado o sono de empresários e executivos brasileiros

A questão tributária é sem dúvida uma das maiores preocupações das empresas, e que tem tirado o sono de empresários e executivos brasileiros.

Além da elevada carga tributária — hoje ao redor de 37% do PIB —, cuja incidência vitima empresas de qualquer porte, temos também uma burocracia asfixiante que exige o envio de inúmeros registros fiscais relacionados com a apuração de tributos municipais, estaduais e federais.

Nesse rol burocrático, inclui-se também o próprio recolhimento do tributo, que, em determinadas situações, deve ser feito antes da ocorrência do fato gerador, como é o caso do recolhimento da Guia de Nacional de Recolhimento de Tributos, o GNRE, nas vendas interestaduais sujeitas à substituição tributária do ICMS.

Essa infernal documentação torna quase obrigatória a criação de estruturas específicas para acompanhar todo o emaranhado e sobreposição de impostos.

Enquanto nos EUA e países da Europa são necessários de 3 a 4 funcionários para cuidar dos trâmites fiscais, no Brasil, as empresas possuem departamentos com 20 e até 30 pessoas.

Estas estruturas, que oneram sobremaneira as empresas, precisam estar atentas às mudanças diuturnas que ocorrem na legislação tributária.

A complexidade é de tal envergadura que os departamentos responsáveis pela apuração já não conseguem mais acompanhar a fúria arrecadatória do Estado.

Tal situação se agrava entre as pequenas e médias empresas que não têm condições de sustentar uma estrutura auxiliar.

Veja o caso do ICMS: são 27 legislações com alterações realizadas à revelia do Confaz, que incentivam a guerra fiscal. As alíquotas sobre os serviços administrados — como telecomunicações, energia, combustível e transporte — são muito distintas.

Não bastasse isso, há que conviver com uma confusa legislação do regime de substituição tributária, com a falta de reconhecimento de crédito fiscal, além de conflitos de fronteira em que a tributação na origem é aceita por alguns Estados e não por outros. A manifestação mais recente nesse caso esteve na cobrança sobre  o comércio eletrônico e televendas. Neste tema, a Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee) teve participação ativa em uma Ação Direta de Inconstitucionalidade que, felizmente, chegou ao esperado êxito com a declaração de inconstitucionalidade do Protocolo ICMS 21.

A situação no país é tão grave que, por vezes, torna-se necessária a elaboração de uma nova legislação na tentativa de amenizar as distorções existentes. É caso do Projeto de Lei do Senado de 130/14 que busca convalidar os incentivos estaduais oferecidos sem o amparo unânime do Confaz.

O texto concede remissão e anistia de créditos tributários relativos ao ICMS; altera o quórum deliberativo do Confaz no que tange à convalidação; e permite às unidades da Federação estender a concessão de isenções, incentivos e benefícios fiscais para outros contribuintes estabelecidos nos respectivos territórios, sob as mesmas condições e nos prazos limites de fruição.

O PLS 130 torna, também, facultativo aos estados aderir às isenções, incentivos e benefícios concedidos ou prorrogados por outra unidade federada da mesma região, enquanto as concessões estiverem vigentes. A medida sinaliza, é verdade, para a busca de uma pacificação, e pode diminuir a insegurança em relação aos incentivos já concedidos. No entanto, limita-se a apenas um aspecto da guerra fiscal, e sua efetividade dependerá dos esforços dos estados e regiões em firmar um pacto federativo que possa superar essa questão.

Também é razão dos nossos pesadelos a irracionalidade tributária federal que afugenta e inibe os investimentos, encarece os produtos e os serviços, e onera a população. A carga, oculta na tributação indireta, compromete e desestimula a poupança interna, incentivando a informalidade.

Por outro lado, temos exemplos cristalinos de como a redução tributária pode promover a formalidade do mercado como o caso do tratamento dado ao microempreendedor individual, e às micro e pequenas empresas por meio do Simples Nacional.

Outro exemplo bem sucedido é o caso do nosso setor eletroeletrônico, com a inclusão dos produtos de TIC na Lei do Bem, o que foi determinante para a formalização do mercado.

A desoneração do PIS/COFINS de computadores, tablets e smartphones permitiu a redução dos preços dos equipamentos e o aumento da produção e das vendas.

Ao mesmo tempo, a despeito da isenção prevista na legislação, verificou-se incremento significativo na arrecadação de impostos, em virtude do crescimento da base arrecadatória. Ou seja, a Lei do Bem reduziu o mercado cinza de equipamentos de informática. Antes da implementação da medida, o panorama do mercado de computadores era alarmante e os informais abocanhavam 73% das vendas no país. Atualmente, não chegam a 25%.

Como resultado, as vendas de computadores saltaram de 4 milhões de unidades, em 2004, para 20 milhões em 2014, um crescimento de 500% em 10 anos. No caso dos smartphones, incluídos na Lei do Bem em 2013, o Brasil ultrapassou a média mundial de penetração destes aparelhos, representando hoje 95% do total de celulares vendidos.

Além disso, a desoneração agregou à politica do setor o componente social, uma vez que se revelou fundamental para o alcance dos objetivos do Programa de Inclusão Digital no Brasil.

Na contramão dos bons exemplos uma questão que parecia estar resolvida e que representava um alívio para as empresas, vem tirando o sono da indústria. Falo da proposta de alteração nas alíquotas de desoneração da folha de pagamentos.

Lembro que a desoneração da folha havia sido perenizada pela presidente Dilma Rousseff no ano passado, antes das eleições de outubro, contemplando 600 NCMs da indústria eletroeletrônica, o que representa, hoje, 50% do universo de produtos do setor.

Ao avaliarmos os números, observamos que a proposta de alteração como parte do ajuste fiscal não se justifica, pois a desoneração gerou, na verdade, um saldo positivo para o governo. Isso porque os valores correspondentes à redução da arrecadação da contribuição social foram plenamente compensados com o adicional de um ponto percentual na alíquota da Cofins sobre as importações dos produtos desonerados, sem direito a crédito, conforme estabelecido pela medida original.

No caso específico da nossa indústria eletroeletrônica, a renúncia correspondeu, em 2014, a R$ 485 milhões, e o adicional da Cofins foi de R$ 619 milhões. Portanto, o governo ganhou com a desoneração do setor.

Por conta disso, a entidade utilizará todas as forças políticas e informações disponíveis para que a mudança na desoneração não seja aprovada como foi proposta pelo governo.

Como vimos, o sistema tributário brasileiro se apoia na proliferação de tributos e obrigações acessórias, na explora­ção múltipla das mesmas bases tributárias e em alíquotas muito elevadas para fazer frente ao excesso de gasto público que nunca cessa.

Por se distanciar muito da estrutura tributária prevalecente em países de renda média similar à nossa, o Brasil se torna caro, pouco competitivo e pouco atrativo para investimentos internacionais.

O aumento da carga tributária observada nos últimos 20 anos se fez especialmente por meio de tributos em cascata, que incidem sobre o faturamento, re­caindo tanto sobre os bens de consumo quanto sobre os bens de capital, onerando fortemente as cadeias produtivas mais longas.

Vários países isentam os bens de capital, como os Estados Unidos, ou permitem a utilização dos créditos de impostos sobre o valor adicionado, como na Alemanha, Japão, Grã-Bretanha, Itália e França. Em nosso país, ao contrário, os bens de capital ainda são tributados, em virtude da cumulatividade de parte dos impostos.

Esses são fatores que inviabilizam investimentos produtivos e precisam ser eliminados ou neu­tralizados. Diante deste cenário, é impositiva a redução e simplificação dos tributos que incidem, direta e indiretamente, sobre a produção.

Se este quadro não se alterar, a consequência já é bem conhecida por todos: perda de competitividade da produção nacional, não apenas pela transferência desses im­postos para os preços de mercado, mas também pelos elevados custos de sua apuração e processamento.

Entendemos que é factível consolidar todos os impostos federais existentes sobre a produção num único tributo sobre valor adicionado, criando o IVA Federal.

Não podemos nos iludir, pois a redução e simplificação dos impostos sobre a produção terá que ser feita em conjunto com um programa de redução efetiva da despesa pública.

A proposta que tem sido aventada de se estabelecer limites legais para o aumento da despesa, como proporção do PIB, deve ser implementada, ao lado da Lei de Responsabilidade Fiscal.

Se o Brasil pretende se transformar em uma nação desenvolvida, as exportações e os investimentos precisam ser desonerados, e a tributação estadual e interestadual precisa ser racionalizada.

É imperativo que se crie mecanismos tributários que estimulem a poupança e que simplifiquem o cotidiano das empresas. Do contrário, não sairemos da posição em que nos encontramos.

A realização deste Fórum* é uma grande oportunidade para a darmos nosso grito de alerta. Até quando a indústria continuará sendo prejudicada com a alta e complexa carga tributária? Até desaparecer?

E questiono mais: até quando as pessoas que entendem de tributação vão permitir que este cipoal continue a existir no Brasil? 

Destaco que a participação da indústria no PIB nacional foi reduzida à metade nos últimos anos, porém ainda é a galinha dos ovos de ouro, de onde o governo continua a fazer a sua derrama.

Quando a Abinee faz um fórum deste quilate, ela tem o objetivo de denunciar que já não suporta mais a atual legislação tributária, cujo grau de complexidade é muito superior a de outras nações.

Se a alta carga nos fosse retribuída com serviços decentes, até não teríamos razão para gritar, porém, basta precisar de um posto de saúde para perceber que os tributos que pagamos não se justificam.

Para concluir, é importante que os senhores entendam que o empresário é um indivíduo que fica a mercê de uma legislação complexa, feita para não ser compreendida. 

Por isso, deixo aqui um apelo aos senhores: toda oportunidade que tiverem, peço que procurem defender a indústria instalada no país, alertando ao governo e aos parlamentares sobre os nocivos efeitos da carga tributária que empurram nossas empresas para a clandestinidade ou, simplesmente, para o desaparecimento melancólico.

Precisamos, portanto, que esta mensagem chegue aos ouvidos de quem possa nos ajudar, para que não se registrem mais prejuízos para a produção industrial brasileira.

*Discurso proferido durante a abertura do Fórum Grandes Questões Tributárias da Indústria, no dia 15 de maio.

 

 

FONTE: CONJUR