STF declara inconstitucional trecho da LPI que permite extensão do prazo de patentes

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Com decisão, patentes deverão vigorar 20 anos contados a partir do pedido; STF decide sobre modulação na próxima quarta

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, nesta quinta-feira (6/5), que é inconstitucional trecho da Lei de Propriedade Industrial (LPI) que prevê extensão do prazo de patentes em caso de demora na análise pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI). Na próxima quarta-feira (12/5), o STF vai decidir se modula os efeitos da decisão.

A regra em vigor prevê que as patentes de invenção devem durar 20 anos contados a partir da data de depósito no INPI, ou dez anos após a data de concessão, como forma de compensação caso haja demora de mais de uma década na análise. O STF declarou inconstitucional esse segundo prazo, e com isso fica valendo apenas a regra geral: as patentes de invenção deverão valer por 20 anos, a partir da data do pedido, independentemente do tempo de análise.

Votaram pela inconstitucionalidade os ministros Dias Toffoli, Nunes Marques, Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Rosa Weber, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Marco Aurélio Mello. Já os ministros Luís Roberto Barroso e Luiz Fux votaram pela constitucionalidade da norma.

 

O plenário julga a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5.529, ajuizada pela Procuradoria-Geral da República (PGR). É questionado o parágrafo único do artigo 40 da LPI, a Lei 9.279/1996. O caput do artigo 40 prevê que a patente de invenção vigorará pelo prazo de 20 anos, e as de modelo de utilidade por 15 anos, contados a partir da data de depósito do pedido. Mas o parágrafo único traz uma ressalva, que fixa que o prazo de vigência não será inferior a 10 anos para a patente de invenção e oito anos para modelo de utilidade, a contar da data de concessão.

É esta ressalva que está sendo questionada. Na visão da PGR, o dispositivo permite uma extensão de prazo de patentes, que poderiam vigorar por até 30 anos. A ação opõe setores farmacêuticos de genéricos e de medicamentos patenteados, mas o julgamento afetará todas as empresas, universidades e institutos que atuam com patentes. Estima-se que há cerca de 35 mil patentes em vigor com base no parágrafo único do artigo 40 da LPI.

Um exemplo de como este prazo funciona: um pedido de patente de invenção foi depositado em 1 de janeiro de 2008. Mas o INPI só concedeu o pedido em 1 de janeiro de 2020, ou seja, 12 anos depois. Se considerado apenas o caput do artigo 40, esta patente deveria vigorar até 2028, ou seja, 20 anos contados da data do pedido. Entretanto, o parágrafo único fixa que nenhuma patente de invenção poderá vigorar por menos de dez anos a partir da data de concessão. Assim, pela lei atual, essa patente vigorará até 2030, já que só foi concedida em 2020.

O julgamento teve início em 28 de abril, com as sustentações orais, e no dia seguinte o ministro Dias Toffoli, relator, iniciou seu voto pela inconstitucionalidade do parágrafo único do artigo 40 da LPI. Leia o voto de Toffoli. Na última quarta-feira (5/5), o relator concluiu seu voto e foi acompanhado pelos ministros Nunes Marques e Alexandre de Moraes.

Extensão de patentes é inconstitucional
Nesta quinta-feira, a sessão teve início com o voto do ministro Edson Fachin, que deu o quarto voto pela inconstitucionalidade do prazo de dez anos a partir da data de concessão da patente. Para o ministro, é fundamental ter a certeza sobre o período de vigência da proteção patentária. “A livre concorrência e a defesa do consumidor, pilares da ordem econômica, exigem que o interesse particular dos titulares do monopólio sejam proporcionalmente ponderados diante de um interesse difuso de exploração coletiva do invento ou modelo de utilidade”, afirmou.

“Há de ser protegido o direito de propriedade industrial, e seu respectivo exercício. Nada obstante, seu exercício não pode transpassar a esfera do uso deste poder para que assim seja respeitado um regime de concorrência que conduza a uma participação na economia de mercado pelo uso estratégico de tais poderes a fim de garantir competitividade, renovação e desenvolvimento”, acrescentou Fachin. Leia o voto.

O quinto voto foi da ministra Rosa Weber, que entendeu que o “destino do objeto da patente é a disponibilização ao público uma vez expirado o prazo”, e o parágrafo único “desconfigura a temporariedade da patente, e na prática permite a existência de patentes com prazo indeterminado”.

“O que se tem é uma norma que por suas características se revela desproporcional. Patentes por prazo imprevisíveis oneram a busca de desiderato constitucional. Implementa adicionais praças de pedágio no caminho oneroso a ser implementado nas pesquisas”, disse Weber. “Dados trazidos aos autos evidenciam que o dispositivo onera o poder público. A regra não se acomoda às finalidades constitucionais e à função social do sistema de patentes”.

A ministra Cármen Lúcia se uniu à corrente aberta pelo relator. Afirmou que, apesar de estar no artigo 5° da Constituição o chamado privilégio temporário, “privilégio já é algo que contraria a ideia republicana”. A ministra destacou: “privilégio temporário é para restringir algo que pela sua natureza já demonstra alguma incompatibilidade com o que o ministro Fachin chamou de ciência solidária”.

O ministro Ricardo Lewandowski deu o sétimo voto, argumentando que o estudo do Grupo Direito e Pobreza, da USP – que também foi citado pelo relator – não deixa dúvida quanto à “total disfuncionalidade e inadequação” do dispositivo questionado. “De fato, ele dificulta a superação da pobreza, o atraso tecnológico do nosso país e não contribui para o desenvolvimento do Brasil, onerando o poder público e o consumidor em favor de empresas multinacionais que aqui obtêm benefícios que não conseguem alcançar nem em seus países de origem nem em outras nações. Salta aos olhos o estabelecimento de um monopólio cuja duração é praticamente indefinida”, falou.

O ministro Gilmar Mendes diz que a escolha do legislador de fixar prazo mínimo de dez anos às patentes “não parece consentânea com os postulados da eficiência e economicidade”, por isso entendeu ser inconstitucional o parágrafo único do artigo 40. “Independentemente de estar em curso o plano de combate ao backlog, a situação fática pode ser alterada ao longo dos anos, retornando-se à situação fática constatada pelo Tribunal de Contas da União (TCU)”, acrescentou.

Extensão é constitucional
O ministro Luís Roberto Barroso abriu a divergência, e destacou que o fato de o INPI levar mais de dez anos para analisar um pedido de patente é a distorção a ser corrigida, e não o parágrafo único do artigo 40. O ministro disse que o dispositivo impugnado está em vigor há 25 anos. “O verdadeiro problema está na deficiência do funcionamento do INPI. Tudo que estamos discutindo aqui é por conta de o INPI levar anos. Se levar menos de dez anos, o dispositivo não tem nenhum sentido.”

Barroso também lembrou que, de acordo com informações prestadas pelo INPI, o órgão conseguiu reduzir o tempo médio para 7 anos e 9 meses em virtude das diversas medidas voltadas ao enfrentamento do problema, e se o instituto demora menos de dez anos para analisar os pedidos, a extensão não se aplica. “Se o INPI conseguir cumprir o que afirma no ofício dirigido ao ministro Dias Toffoli, estamos lidando com um não problema a partir de dezembro. E a situação é menos grave do que se pensa”, falou.

O ministro explicou que só existe titularidade da patente após ela ter sido concedida pelo INPI. De acordo com Barroso, como não está verificada violação à Constituição, há de haver deferência à opção política feita pelo Legislativo. Ou seja, sem violação presente, a questão é definir se é melhor reduzir o prazo e vender mais barato ou incentivar a pesquisa e ter mais remédios disponíveis no horizonte. “O fato de o Poder Judiciário poder se pronunciar sobre toda e qualquer matéria não significa necessariamente que ele deva fazê-lo. Há matérias em que o Judiciário pode não ser a melhor instância decisória, pelo que se denomina capacidades institucionais.”

O presidente Luiz Fux acompanhou a divergência aberta por Barroso, e ponderou que a Constituição assegura a duração razoável dos processos judiciais e administrativos, e que o cidadão não pode ser prejudicado pela demora ou inércia do poder público. “E o que se tem aqui? Está se dizendo que muito embora o Brasil tenha consagrado as patentes, ele não aparelhou o INPI para a apreciação de milhares de patentes que tramitam neste órgão público”, disse.

Fux ressaltou que é preciso verificar as consequências deste resultado judicial. Ele entende que “a declaração de inconstitucionalidade vai gerar perdas consideráveis sobre titulares e depositários de patentes” e que “contratos que foram firmados com base neste dispositivo serão rompidos, o que leva a quebra de contratos e aumenta o denominado ‘risco Brasil’”.

Fonte: Jota