Garantia integral do crédito tributário e arbitragem tributária

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O que se tem hoje de mais concreto para que arbitragem tributária seja instituída são PL 4257/2019) e PL 4468/2020

O que se tem hoje de mais concreto para que a arbitragem tributária seja definitivamente instituída no Brasil são os Projetos de Lei nº 4.257/2019 (PL 4257/2019) e nº 4.468/2020 (PL 4468/2020). Embora ambos prevejam a possibilidade de arbitragem tributária, contemplam hipóteses distintas para momentos processuais também distintos, ainda que complementares.

O PL 4257/2019 propõe alterações na Lei nº 6.830/1980 (Lei de Execuções Fiscais) para instituir a execução fiscal administrativa[1] e viabilizar a solução de conflitos no juízo arbitral nas hipóteses de: (i) débitos inscritos em dívida ativa e objeto de execução fiscal; (ii) ação consignatória; e (iii) ação anulatória de débito fiscal. Esse PL, portanto, envolve litígios relativos a créditos tributários já definitivamente constituídos, prevendo a possibilidade de arbitragem como meio alternativo à discussão judicial sobre a legitimidade do tributo, com as naturais limitações impostas pelo direito tributário às matérias que necessariamente dependem de intervenção jurisdicional (como a discussão de constitucionalidade de lei, por exemplo).

Condiciona-se a opção pela adoção do juízo arbitral à garantia integral[2] do feito judicial pelo contribuinte, seja por depósito, fiança bancária ou seguro garantia. A justificativa apresentada para limitar a oferta de garantia a essas três modalidades – em restrição às modalidades aceitas pela lei de execuções fiscais (art. 9º[3]) – é a sua liquidez: caso vencedora, a Fazenda Pública terá a imediata satisfação do crédito ao fim do procedimento arbitral.

Muito embora seja legítima a preocupação em resguardar os interesses da Fazenda Pública, a apresentação de garantia integral não deveria ser uma condicionante inafastável à opção pela arbitragem tributária. Sendo a arbitragem um método heterocompositivo, extrajudicial e facultativo de solução de conflitos, em que as partes elegem um terceiro para solucionar a controvérsia posta em debate, devem ser buscados mecanismos que incentivem a utilização desse método.

Em um ambiente de alta litigiosidade tributária como é o brasileiro, com a exigência de valores elevadíssimos, incrementados por multas e juros acachapantes, é muitas vezes inviável ou injusta a apresentação dessas garantias para que o contribuinte possa, pela primeira vez ter acesso ao devido processo legal em sua plenitude para defender-se contra as exigências que lhe são dirigidas pelo Fisco.

O depósito judicial é extremamente gravoso, por representar privação prematura de patrimônio, de liquidez necessária à manutenção da fonte produtiva. O seguro garantia e a carta de fiança têm custos elevadíssimos, de recuperação muito difícil, ainda que o contribuinte se sagre vencedor ao fim do litígio.

A jurisprudência vem temperando a exigência integral de garantia em embargos à execução fiscal, quando o executado demonstre a impossibilidade de sua oferta integral[4], diante da necessidade de se observar as garantias constitucionais ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa. Pelos mesmos motivos, é admitida a ação anulatória de débito fiscal independentemente da oferta de garantia, tendo o Supremo Tribunal Federal julgado inconstitucional o caput do artigo 38 da Lei de Execuções Fiscais, na parte em que exigia depósito preparatório como condição para a propositura de ação anulatória de débito fiscal (RE nº 105.552[5] e RE nº 103.400[6]).

Nesse contexto, a Suprema Corte aditou a Súmula Vinculante nº 28, segundo a qual é “inconstitucional a exigência de depósito como requisito de admissibilidade de ação judicial na qual se pretenda discutir a exigibilidade do crédito tributário”. Além disso, como antes referido, a lei de execuções fiscais apresenta o rol de garantias passíveis de oferta pelo executado, não se limitando a essas três modalidades (art. 11[7]).

Nesse cenário, condicionar a opção pela arbitragem tributária à garantia integral do débito em exigência por depósito, seguro garantia ou carta fiança, parece incompatível com a Constituição Federal, não só por afronta às garantias ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa, mas também por propiciar nítido tratamento anti-isonômico em função da forma eleita para solução de conflitos.

E mais: impor uma exigência inexorável que, perante o Poder Judiciário, já não é tratada em caráter absoluto, parece ir na contramão do estímulo que se pretende à utilização desse meio alternativo de resolução de controvérsias.

Para que distinções normativas possam ser consideradas não discriminatórias é necessária uma justificativa razoável, impondo-se a presença de uma mínima relação de proporcionalidade entre os meios empregados e a finalidade perseguida, como forma de observar os direitos e garantias protegidos pela Constituição Federal.

Não parece haver razoabilidade nem proporcionalidade na exclusão de outras hipóteses de garantia do campo arbitral.Aliás, é questionável a própria exigência de garantia, na medida em que não necessária, por exemplo, para propositura de ação anulatória de débito fiscal. A situação de suspensão de exigibilidade do crédito tributário não pode ser o elemento determinante para que haja a opção ou não pelo juízo arbitral.

O PL 4468/2020, por sua vez, prevê a instituição de arbitragem especial tributária com a finalidade de prevenir conflitos em momento anterior à constituição do crédito tributário (no curso da fiscalização, em processos de consulta ou para fins de apuração de valores a compensar), mediante a solução de controvérsias relativas exclusivamente a matéria de fato.

A arbitragem especial, portanto, atua como um método de prevenção de conflitos mediante a solução de controvérsias de matérias de fato. Por se situar em momento prévio à própria existência do crédito tributário, não há, naturalmente, que se falar em prestação de garantia.

Realmente, antes da constituição do crédito tributário não há litígio e, consequentemente, não há motivo para que se exija a prestação de garantia. O próprio PL 4468/2020 prevê em seu texto, no art. 7º, inciso I[8], que, com a assinatura do compromisso arbitral, não poderá a Fazenda Nacional instaurar o processo administrativo ou qualquer outra medida de fiscalização relacionada às questões objeto da arbitragem.

Ambas as propostas, se aprovadas (e com a ressalva da crítica ao PL 4257/2019 no que toca à exigência de garantia integral) representam inegável avanço na busca pela resolução de litígios entre Fisco e contribuinte não só de forma justa, como sobretudo com celeridade, pois, nas palavras do sempre atual Rui Barbosa, justiça tardia é injustiça institucionalizada.

[1] A parte do PL/2019 que trata da execução administrativa deve ficar prejudicada em função do julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal, das Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº 5881, 5886, 5890, 5925, 5931 e 5932, nas quais a Suprema Corte decidiu pela impossibilidade de a Fazenda Nacional tornar indisponíveis, administrativamente, bens dos contribuintes devedores para garantir o pagamento de débitos fiscais a serem executados, diante na necessária intervenção do Poder Judiciário.

[2] Foram apresentadas duas Emendas ao PL/2019. Especificamente com relação à garantia, a primeira emenda (não alterada nessa parte pela segunda) alterou o art. 16-A para esclarecer que a garantia do crédito tributário deve ser integral para viabilizar a opção pelo juízo arbitral.

[3] Art. 9º – Em garantia da execução, pelo valor da dívida, juros e multa de mora e encargos indicados na Certidão de Dívida Ativa, o executado poderá:

I – efetuar depósito em dinheiro, à ordem do Juízo em estabelecimento oficial de crédito, que assegure atualização monetária;

II – oferecer fiança bancária ou seguro garantia;

III – nomear bens à penhora, observada a ordem do artigo 11; ou

IV – indicar à penhora bens oferecidos por terceiros e aceitos pela Fazenda Pública.

(…)

  • 3º A garantia da execução, por meio de depósito em dinheiro, fiança bancária ou seguro garantia, produz os mesmos efeitos da penhora.

[4] A título exemplificativo, Resp nº 1.487.772/SE

 

[5] AÇÃO ANULATORIA DE DÉBITO FISCAL. ART. 38 DA LEI 6.830/80. RAZOAVEL AE A INTERPRETAÇÃO DO ARESTO RECORRIDO NO SENTIDO DE QUE NÃO CONSTITUI REQUISITO PARA A PROPOSITURA DA AÇÃO ANULATORIA DE DÉBITO FISCAL O DEPOSITO PREVISTO NO REFERIDO ARTIGO. TAL OBRIGATORIEDADE OCORRE SE O SUJEITO PASSIVO PRETENDER INIBIR A FAZENDA PÚBLICA DE PROPOR A EXECUÇÃO FISCAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO NÃO CONHECIDO.

(RE nº 105.552/SP, Rel. Ministro DJACI FALCÃO, julgado em 02/08/1985, DJe 20/08/1985)

 

[6] AÇÃO ANULATORIA DE DÉBITO FISCAL. DEPOSITO PREVIO. ART-38 DA LEI DE EXECUÇÕES FISCAIS (LEI 6830/80). PRESSUPOSTO DA AÇÃO ANULATORIA DE ATO DECLARATORIO DA DIVIDA ATIVA E O LANCAMENTO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO, NÃO HAVENDO SENTIDO EM PROTRAI-LO AO ATO DE INSCRIÇÃO DA DIVIDA. O DEPOSITO PREPARATORIO DO VALOR DO DÉBITO NÃO E CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE DA AÇÃO ANULATORIA, APENAS, NA CIRCUNSTANCIA, NÃO E IMPEDITIVA DA EXECUÇÃO FISCAL, QUE COM AQUELA NÃO PRODUZ LITISPENDÊNCIA, EMBORA HAJA CONEXIDADE. ENTRETANTO, A SATISFAÇÃO DO ONUS DO DEPOSITO PREVIO DA AÇÃO ANULATORIA, POR TER EFEITO DE SUSPENDER A EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO (ART-151, II DO CTN), DESAUTORIZA A INSTAURAÇÃO DA EXECUÇÃO FISCAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO NÃO COHHECIDO.

(RE nº 103.400/SP, Rel. Ministro RAFAEL MAYER, julgado em 10/12/1984, DJe 01/02/1985)

[7] Art. 11 – A penhora ou arresto de bens obedecerá à seguinte ordem:

I – dinheiro;

II – título da dívida pública, bem como título de crédito, que tenham cotação em bolsa;

III – pedras e metais preciosos;

IV – imóveis;

V – navios e aeronaves;

VI – veículos;

VII – móveis ou semoventes; e

VIII – direitos e ações.

[8] Art. 7º A assinatura do compromisso arbitral:

I – impede instauração de processo administrativo ou qualquer medida de fiscalização relacionadas às questões de fato e de direito objeto do procedimento arbitral; (…)

Fonte: Jota