CBios: tributação segundo diretrizes ESG e reforma tributária

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Não só as empresas devem se adequar a diretrizes ESG, mas governos também

Fruto do Acordo de Paris, o Brasil assumiu o compromisso de realizar ações com objetivo de diminuir as emissões de CO2 e frear o aquecimento global, até o ano de 2030. Para atender a essa demanda mundial, uma das ações adotadas foi estabelecer a Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio), por meio da Lei nº 13.576/17.

O RenovaBio busca fomentar a produção de biocombustíveis como estratégia de descarbonização, pois os combustíveis fósseis têm alta representatividade na emissão de CO2. Como um dos instrumentos para desenvolver o RenovaBio, foi instituído o Crédito de Descarbonização (CBio).


O CBio é um ativo emitido pelos produtores e importadores de biocombustíveis (emissores primários) escriturados por uma instituição financeira e, posteriormente, negociados na bolsa de valores (B3). Cada CBio representa 1 (uma) tonelada de gás CO2 que deixa de ser emitido. O Ministério de Minas e Energia (MME) regulamentou a forma de escrituração, registro e negociação dos CBios, por meio da Portaria MME nº 419/2019.

Para cumprimento das metas de redução da emissão de gases, o RenovaBio estabeleceu a obrigatoriedade de aquisição de CBios pelos distribuidores de combustíveis fósseis, sob pena de aplicação de multa.

Com relação à tributação dos CBios, o artigo 15-A da Lei nº 13.576/17, após a derrubada de veto presidencial pelo Congresso, estabeleceu que a receita auferida pelos emissores primários com a sua venda ficará sujeita a tributação pelo Imposto Sobre a Renda exclusiva na Fonte, à alíquota de 15%, excluindo-se as receitas na apuração do cálculo do lucro real ou presumido, para fins de IRPJ e CSL. Eventuais perdas não poderão ser deduzidas desta modalidade de tributação exclusiva que se estende para toda a cadeia de comercialização (exceto no caso de distribuidor), mas despesas administrativas ou financeiras necessárias à emissão, ao registro e à negociação dos créditos, inclusive aquelas, referentes à certificação ou às atividades do escriturador, são dedutíveis da apuração do lucro real.

Muito embora o RenovaBio tenha o mérito de ter estabelecido uma modalidade de tributação exclusiva na na fonte, um inegável avanço na esfera do IRPJ e CSL, não houve um cuidado de se apontar eventuais reflexos tributários com a emissão dos CBios, nem ao menos, esclarecer a natureza jurídica desses créditos, o que pode acabar gerando incertezas e insegurança jurídica para toda a cadeia de comercialização.

Para se estabelecer um tratamento tributário adequado, deve-se analisar todas as etapas dessa cadeia – produtores/importadores (emissores primários), escrituradores, distribuidores e adquirentes. Além disso, diante da falta de disciplina do tema para fins tributários, os contribuintes deverão interpretar a natureza jurídica dos CBios e, posteriormente, aplicar a norma tributária.

Na nossa opinião, reservadas as particularidades de cada um dos créditos, os CBios se assemelham aos antigos créditos de carbono e, como tais, teriam a natureza de um ativo financeiro, com todas as suas implicações tributárias decorrentes.

Outras naturezas poderiam ser levantadas, mas não nos parece que se adequariam à finalidade desses créditos.

Para serem considerados commodities, os CBios deveriam ser mercadorias (bem corpóreos), o que não são. Da mesma forma, não nos parece que poderiam ser classificados como títulos de créditos, porque não estabelecem um direito de crédito de uma pessoa a outra. Também não vemos como classificá-los como um valor mobiliário, pois não possuem características de um derivativo.

A definição da natureza jurídica dos CBios é de suma importância, pois haverá outros impactos tributários, que podem aumentar muito o custo desses créditos. Por exemplo, no caso de PIS/COFINS: a depender da classificação ou natureza jurídica, a alíquota pode ser de 9,25% (com direito a tomada de créditos) ou, 3,65% (sem direito a créditos) como receita operacional, ou ainda, tratando-se de receita financeira, 4,65% (sem direito a créditos).

Ainda que esta interpretação da natureza dos CBios como um ativo financeiro (ambiental) seja a mais acertada, o que não se pretende esgotar por meio desse artigo, a principal premissa, deixada de lado pelo Governo Federal, é como garantir maior efetividade para a negociação desses créditos. Em outras palavras, como fomentar a sua emissão e aquisição, sem que a contrapartida, para essa última hipótese, seja a imputação de multa aos distribuidores que não cumprirem as metas.

Esse ponto ganha maior relevância, pois, atualmente, a adoção e divulgação de critérios ESG (Ambiental, Social e Governança) para qualificar negócios, investimentos e financiamentos tornou-se imperativo de mercado.

E esses critérios têm sido cada vez mais observados no planejamento estratégico das empresas, inclusive sobre o aspecto de eficiência fiscal e adequação à conformidade fiscal.

Entretanto, não só as empresas devem se adequar a essas diretrizes ESG, mas os governos também. E como alinhar a esses critérios a comercialização de CBios? Os governos devem dar incentivos e segurança jurídica a todas as empresas dessa cadeia, para cumprir com o compromisso firmado no Acordo de Paris e com o RenovaBio.

Se por um lado, recentemente, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) aprovou a criação de um programa de estímulo (BNDES RenovaBio)[1], para aumentar a produção de combustíveis renováveis na matriz energética brasileira, por outro, ainda se aguardam políticas fiscais mais sustentáveis para garantir a segurança dessas transações e diminuir os impactos tributários.

O ESG deve ser uma via de mão dupla. Não apenas as empresas devem observar cada vez mais esses critérios em suas práticas, mas os governos também.

E dentro do aspecto tributário, é importante que exista clareza e uma legislação tributária que discipline o tema, para evitar longas disputas com o Fisco, em autuações fiscais, e reduzir futuras discussões judiciais.

Outros incentivos fiscais também devem ser avaliados rapidamente, pois a diminuição dos impactos tributários na comercialização dos CBios poderá repercutir na prática de melhores preços dos produtos da empresa, aumento de empregos e mais qualidade na prestação de um serviço ou venda de uma mercadoria.

Não podemos deixar de lado, também, as discussões relacionadas à Reforma Tributária. Em 2020, um grupo de trabalho, formado por diversas organizações da sociedade civil, apresentou uma Proposta de Reforma Tributária Sustentável para debate na Comissão Mista da Reforma Tributária.

Essa proposta está alinhada com a tendência mundial da criação dos chamados environmental taxes e carbon taxes, para redução de externalidades ambientais, alinhando-se com diretrizes da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)

Portanto, ainda que já existam discussões sobre a forma de tributação reduzida das empresas que tenham a preocupações com riscos ambientais, em atenção aos critérios ESG, no caso dos CBios, ainda há necessidade de aprimoramento da norma tributária.

Nos parece que ainda falta sensibilidade ao governo nas formas de estímulo da atividade de emissão dos CBios. Não se trata apenas de olhar para dentro da empresa e diminuir os custos, mas vislumbrar uma causa maior, de redução de gases poluentes e garantir nossa transição como país para a economia de baixo carbono. É um objetivo no qual todos sairão ganhando.

Fonte: Jota