Lei de Patentes: Toffoli suspende dispositivo que trata de extensão automática

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Decisão não alcança nenhuma patente já vigente com base neste dispositivo, apenas patentes futuras

O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu, nesta quarta-feira (7/4), a eficácia do trecho da Lei de Patentes que prevê a extensão de prazo de 10 anos, a partir da concessão, para patentes de medicamentos e equipamentos e materiais de saúde. Leia a íntegra.

A partir da decisão, fica suspenso o dispositivo que permite que uma patente seja prorrogada automaticamente caso o Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI) demore mais de 10 anos para analisar o pedido de registro da patente. O relator adiantou, na decisão, o voto de mérito do caso, onde reconhece o estado de coisas inconstitucional no que tange à vigência das patentes no Brasil.

Para o relator, a extensão do prazo de vigência das patentes adia a extinção do privilégio, e, portanto, afeta diretamente as políticas públicas de saúde do país e tem influência sobre o acesso dos cidadãos a medicamentos, ações e serviços de saúde. Assim, acarreta prejuízos não apenas ao mercado, mas também àqueles que dependem do Sistema Único de Saúde (SUS).

Trata-se do parágrafo único do art. 40 da Lei 9.279/1996, somente no que se refere às patentes relacionadas a produtos e processos farmacêuticos e a equipamentos e/ou materiais de uso em saúde. A decisão não alcança nenhuma patente já vigente com base neste dispositivo, apenas patentes futuras.

A decisão na ADI 5529, ad referendum do Plenário, atende a pedido do PGR, Augusto Aras, de 24 de fevereiro, alegando a emergência da situação da pandemia. Com o pedido, o relator solicitou à Presidência do STF que antecipasse a data do julgamento, anteriormente marcado para o dia 26 de maio. O caso seria, então, analisado nesta quarta, como primeiro item da pauta. Como não houve tempo e a ação foi adiada para a próxima semana, Toffoli proferiu a decisão.

“Quanto maior o prazo de exclusividade usufruído pelo titular da patente, mais será onerado o poder público, o que se reflete em elevados prejuízos financeiros para o estado, com reflexos sobre a concretização do direito à saúde e à vida. O modelo onera não somente o estado, mas a todos os cidadãos, que têm de arcar com os altos custos de medicamentos e demais itens relacionados aos cuidados com a saúde”, disse o relator.

Segundo Toffoli, um efeito danoso do parágrafo analisado é colocar o Brasil em desvantagem sensível no cenário internacional no que tange ao acesso a medicamentos e à concretização do direito à saúde.

“A discussão acerca os aludidos impactos e da necessidade de superação do parágrafo único do art. 40, que já era premente, tornou-se inadiável diante da emergência da crise de saúde pública decorrente da Covid-19, a qual, além de pressionar pela utilização racional dos recursos públicos, escancara a relevância de, nas decisões públicas, preconizarmos a busca pelo bem comum”, apontou.

Assim, ele defende que o prolongamento indevido dos prazos de patente tem caráter injusto e inconstitucional, por privilegiar o interesse particular em detrimento da coletividade, impactando de forma extrema a prestação de serviços de saúde pública no país e, consequentemente, contrariando o direito constitucional à saúde.

O caso tem enfoque no setor farmacêutico e ganhou destaque e urgência com a pandemia da Covid-19. Entretanto, o julgamento merece ampla atenção de todo o setor econômico, já que o resultado terá repercussão nas mais variadas áreas, como tecnologia, construção civil, petróleo, indústria química, telecomunicações, agricultura e mecânica.

Para a PGR, este modelo diferenciado para patentes cujo processo administrativo ultrapasse o prazo de dez anos é inconstitucional, pois afronta a temporariedade da proteção patentária, o princípio da isonomia, a defesa do consumidor, a liberdade de concorrência, a segurança jurídica, a responsabilidade objetiva do Estado e o princípio da eficiência da atuação administrativa. O órgão também argumenta que esse tipo de extensão não existe em outros países.


De acordo com dados do INPI informados ao STF, atualmente há um total de 8.837 pedidos de patentes aguardando concessão há mais de dez anos. Ao todo, há 143.815 pedidos de patentes pendentes de decisão. Estima-se que há cerca de 30 mil patentes em vigor com base no parágrafo único do artigo 40 da LPI.


De acordo com o relator do caso, o modelo atual onera o estado e os cidadãos brasileiros de forma desproporcional. “Um modelo caracterizado por monopólios que se estendem por longos e indeterminados períodos é irracional, sufoca a concorrência e, consequentemente, a inovação, por desestimular o ingresso de novos empreendedores nos nichos monopolizados.”

Toffoli vai votar pela procedência da ação, de modo que se declare a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 40 da Lei nº 9.279/1996, reconhecendo-se, ainda, o estado de coisas inconstitucional no que tange à vigência das patentes no Brasil.

Aos órgãos
Assim, no voto que adiantou, ao INPI o ministro determina que, em um ano:

  • amplie o quadro de servidores;
  • priorize medidas de recuperação de documentos para dar andamento a pedidos retidos na fase inicial pela ilegibilidade dos papeis;
  • desenvolva soluções tecnológicas para controlar o fluxo de pedidos de patentes, assim como automatizar e otimizar processos.
  • Outra determinação é pela normatização de procedimentos técnicos de exame de patentes, no intuito de otimizar os procedimentos e evitar que assuntos iguais sejam tratados de forma desigual.

Além disso, deverá publicar, no site, as filas de pedidos de patentes pendentes de decisão final administrativa de cada divisão do órgão, com as informações de cada pedido, o estado em que se encontra e a existência ou não de prioridade de exame.

À Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), conforme determinação do TCU, que o ministro determinou que “publique os critérios de análise a serem seguidos por seus analistas no âmbito da anuência prévia prevista no art. 229-C da Lei 9.279/1996 (Lei de Propriedade Industrial), com vistas a atender à obrigação de tornar transparente essas informações à sociedade, conforme dispõem o caput do art. 37 da Constituição Federal e o caput do art. 2º da Lei 9.784/99″.

O ministro incluiu, então, proposta de modulação de efeitos, considerando que o trecho analisado está vigente há 25 anos e já produziu efeitos amplos. Assim, em nome da segurança jurídica e interesse social, ele declara o trecho inconstitucional, mas conferiu à decisão efeito ex nunc, ou seja, a partir da publicação da ata do julgamento.

Por fim, à Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, também conforme recomendação do TCU, Toffoli determinou que “estabeleça rotinas prospectivas de identificação de pedidos de patentes que contenham tecnologias relevantes para o atendimento à população, por meio das políticas públicas de acesso a medicamentos, com objetivo de subsidiar a operacionalização da priorização, prevista na Resolução INPI 239/2019, dos respectivos exames técnicos de patenteabilidade”.

Modulação
Toffoli faz ainda duas ressalvas. Para o ministro, a modulação não deve atingir as ações judiciais em curso que eventualmente tenham como objeto a constitucionalidade do parágrafo único do art. 40 da LPI; e as patentes concedidas com extensão de prazo relacionadas a produtos e processos farmacêuticos e a equipamentos e/ou materiais de uso em saúde.

Para dar noção da extensão da segunda ressalva, diz o ministro, as patentes da área farmacêutica deferidas com extensão de prazo, segundo informações do INPI, totalizariam, em 31 de dezembro do ano passado, 3.435 patentes. A situação excepcional provocada pela pandemia instituiu um cenário de escassez de recursos destinados à saúde, os quais devem ser geridos de forma racional e eficiente.

“Portanto, na situação específica das patentes de uso em saúde, o interesse social milita em favor da plena e imediata superação da norma questionada, de modo que a declaração de inconstitucionalidade deve incidir inclusive sobre as patentes já deferidas com a extensão prevista no parágrafo único do art. 40 da LPI”, explicou.

Fonte: Jota