Entenda o que está em jogo no julgamento sobre o prazo de patentes no STF

Últimas Notícias
Plenário pode começar a julgar, na quarta-feira (7/4), ação que questiona prazo de 10 anos de patente por demora do INPI

Está na pauta do Supremo Tribunal Federal (STF) desta quarta-feira (7/4) uma ação que discute se é constitucional a norma que prevê o prazo mínimo de dez anos de patentes de invenção, a contar da data de concessão, nos casos em que a patente demora mais de dez anos para ser analisada pelo Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI).

O caso tem enfoque no setor farmacêutico e ganhou destaque e urgência com a pandemia da Covid-19. Entretanto, o julgamento merece ampla atenção de todo o setor econômico, já que seu resultado terá repercussão nas mais variadas áreas, como tecnologia, construção civil, petróleo, indústria química, telecomunicações, agricultura e mecânica.

A discussão se dará na ação direta de inconstitucionalidade (ADI) 5529, ajuizada pela Procuradoria-Geral da República. Em cheque, o parágrafo único do artigo 40 da Lei de Propriedade Intelectual (LPI), a Lei 9.279/1996, que a PGR diz ser inconstitucional.

O artigo 40 prevê que a patente de invenção vigorará pelo prazo de 20 anos, e a de modelo de utilidade, pelo prazo de 15 anos, contados a partir da data de depósito do pedido. Eis que seu parágrafo único traz uma ressalva, que é questionada na ação:

Parágrafo único. O prazo de vigência não será inferior a 10 anos para a patente de invenção e a 7 anos para a patente de modelo de utilidade, a contar da data de concessão, ressalvada a hipótese de o INPI estar impedido de proceder ao exame de mérito do pedido, por pendência judicial comprovada ou por motivo de força maior.

Um exemplo de como este prazo funciona: um pedido de patente de inovação foi depositado em 1 de janeiro de 2008. Mas o INPI só concedeu o pedido em 1 de janeiro de 2020, ou seja, 12 anos depois. Se considerado apenas o caput do artigo 40, esta patente deveria vigorar até 2028, ou seja, 20 anos contados da data do pedido. Entretanto, o parágrafo único fixa que nenhuma patente de invenção poderá vigorar por menos de dez anos a partir da data de concessão. Assim, pela lei atual, essa patente vigorará até 2030, já que só foi concedida em 2020.

Para a PGR, este modelo diferenciado para patentes cujo processo administrativo ultrapasse o prazo de dez anos é inconstitucional, pois afronta a temporariedade da proteção patentária, o princípio da isonomia, a defesa do consumidor, a liberdade de concorrência, a segurança jurídica, a responsabilidade objetiva do Estado e o princípio da eficiência da atuação administrativa. O órgão também argumenta que esse tipo de extensão não existe em outros países.

De acordo com dados do INPI informados ao STF, atualmente há um total de 8.837 pedidos de patentes aguardando concessão há mais de dez anos. Ao todo, há 143.815 pedidos de patentes pendentes de decisão. Estima-se que há cerca de 35 mil patentes em vigor com base no parágrafo único do artigo 40 da LPI.

A ADI tem como relator o ministro Dias Toffoli. Com 16 amici curiae, o início do julgamento deve ser dedicado às sustentações orais. E pela complexidade do tema, o julgamento deve levar várias sessões e, eventual declaração de inconstitucionalidade pode fazer com que o plenário discuta uma modulação de efeitos para não derrubar patentes já vigentes com base no dispositivo questionado.

A Advocacia-Geral da União (AGU) é contra a ação da PGR, por entender que não há inconstitucionalidade na norma. Um ponto importante levantado pela União é que muitos dos beneficiados pela extensão de prazo são empresas e instituições públicas, como a Petrobras, a Embrapa, a USP, a Unicamp e a Fapesp.

O Ranking das Patentes do INPI mais recente, com dados de 2019 e divulgado em 2020, mostra que o maior depositante de patentes daquele ano foi a Universidade Federal da Paraíba, seguida da Universidade Federal de Campina Grande, da UNESP, da Faculdade Federal de Minas Gerais e da Petrobras.

As razões da PGR
A ação chegou ao STF em maio de 2016, ajuizada pelo então PGR Rodrigo Janot. Os sucessores, Raquel Dodge e Augusto Aras, reiteraram os argumentos. Como não havia pedido de liminar, o então relator, ministro Luiz Fux, pediu informações à União e ao Congresso Nacional, e o processo chegou a ser pautado no plenário virtual em maio de 2020. Dias antes, foi retirado de pauta.

Em setembro, após Fux assumir a presidência da Corte, Dias Toffoli assumiu o processo, que foi pautado novamente para maio de 2021. Mas em 24 de fevereiro, Augusto Aras pediu tutela de urgência para a suspensão imediata do parágrafo único do artigo 40, com novos argumentos, em razão da pandemia da Covid-19.

Diante da nova manifestação da PGR, a pedido de Toffoli, Fux antecipou o julgamento, e escolheu a data de 7 de abril. Nesta sessão, o Supremo já irá começar a julgar o mérito da ação.

No pedido mais recente, a PGR argumenta que há urgência na suspensão da norma porque ela “impacta diretamente no direito fundamental à saúde, haja vista que, enquanto não expirada a vigência de patentes de grandes laboratórios, a indústria farmacêutica ficará impedida de produzir medicamentos genéricos contra o novo coronavírus e suas atuais e futuras variantes”.

Ao responder questionamentos de Toffoli neste mês, o INPI informou que o Ministério da Saúde enviou ofício ao instituto indicando os pedidos de patente que deveriam ser priorizados, pela possibilidade do uso contra a Covid-19. Até o momento, o MS solicitou prioridade na análise de quatro medicamentos: Favipiravir, Remdesivir, Sarilumabe e Tocilizumabe, associados a 63 pedidos de patente. Deste total de priorizações, 31 pedidos de patente estão pendentes de decisão, e 14 pedidos já indeferidos encontram-se em fase de recurso na segunda instância administrativa.

Além disso, há outros pedidos cujos próprios depositantes indicaram possível o uso no tratamento da Covid-19, assim chega-se a 90 pedidos com esta indicação que tiveram o pedido de priorização admitido. Entretanto, o INPI ressaltou que, deste total, apenas quatro apresentam a possibilidade de incidência do parágrafo único do artigo 40 da LPI, com consequente extensão do prazo de 20 anos de vigência.

“Estes 4 pedidos encontram-se em fase recursal contra a decisão de indeferimento. Não espera-se extensão de prazo de vigência para outros pedidos, principalmente aqueles em exame técnico, considerando a data de depósito dos mesmos e o tempo médio de 15,8 meses, necessário para a decisão de um pedido de patente (a partir da concessão de priorização)”, explica o Instituto.

Aras argumenta que há um grande prejuízo aos cofres públicos na manutenção do dispositivo legal. O PGR citou estudo do Grupo de Economia da Inovação, do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que mostrou que “entre 2014 e 2018 o governo federal gastou R$ 10,6 bilhões, ou cerca de R$ 1,9 bilhão ao ano, com apenas nove medicamentos que teriam a patente expirada entre 2010 e 2019, mas que tiveram prorrogações de até oito anos por parte do INPI”.

A PGR também destaca que, enquanto a patente está em análise por parte do INPI, já há exclusividade do depositante mesmo antes da concessão, fazendo referência ao artigo 44 da LPI. “Por mais que a patente ainda não tenha sido concedida, o art. 44 da LPI inibe a atuação da indústria, pois assegura ao titular da patente ‘direito de obter indenização pela exploração indevida de seu objeto, inclusive em relação à exploração ocorrida entre a data da publicação do pedido e a da concessão da patente’”, diz.

Para corroborar seus argumentos, Aras cita também uma decisão do Tribunal de Contas da União (TCU) de maio do ano passado. Naquela ocasião, o órgão de contas determinou que o INPI tomasse medidas para diminuir o tempo de análise de patentes, apontou que o Brasil poderia economizar cerca de R$ 1 bilhão por ano em medicamentos caso o prazo de dez anos em caso de demora na análise não existisse, e recomendou à Casa Civil que fizesse estudos para derrubar esta norma.

Esta ação, contudo, preocupa diversos setores da economia, que temem a anulação de patentes vigentes com base no parágrafo único do artigo 40, o que poderia trazer um “desincentivo à inovação” no país. A Advocacia-Geral da União (AGU) também defende a constitucionalidade da norma. Do outro lado, a ação é apoiada principalmente por farmacêuticas nacionais produtoras de genéricos e por indústrias químicas nacionais, que argumentam que o dispositivo questionado torna o mercado nacional menos competitivo e impede a democratização de medicamentos à população.

As patentes na indústria farmacêutica
A ADI 5.529 questiona uma norma que se aplica a todos os depositantes de patentes, que vão desde pessoas físicas a jurídicas, universidades, institutos de pesquisa, empresas públicas e privadas, indústrias e empresas dos mais diversos setores. Mas, em razão da pandemia da Covid-19 e dos argumentos da própria PGR, o julgamento deve dar mais destaque às patentes de medicamentos.

A ação opõe dois lados do setor farmacêutico, as empresas multinacionais, que trabalham com medicamentos patenteados e defendem a constitucionalidade do parágrafo único do artigo 40; e as nacionais, que atuam com mais força no setor de genéricos, e que sustentam sua inconstitucionalidade. No Supremo, os dois setores atuam na ação: o primeiro representado pela Interfarma, o segundo pela Farmabrasil.

Para Elizabeth Carvalhaes, presidente da Interfarma, a ação tem um cunho de discussão concorrencial, e não de constitucionalidade. “Esta ação movida pelos nossos colegas do mercado nacional, encaminhada ao STF pela PGR, é uma ação sob a bandeira Covid-19 de cunho exclusivamente concorrencial. É uma oportunidade que os laboratórios brasileiros encontraram de revestir a discussão da questão da Covid-19 e derrubar patentes em vigor. A nosso ver, o mercado brasileiro é um mercado de livre concorrência, então os ministros do Supremo têm que ser extremamente cuidadosos na deliberação desta matéria, porque o julgamento deles fará uma interferência no mercado”, afirma.

Ana Carolina Cagnoni, diretora jurídica da Interfarma, argumenta que entende que o parágrafo único do artigo 40 seja “inconveniente para o setor de genéricos”, mas isso não quer dizer que seja inconstitucional. “São coisas distintas. Na medida que a gente entende que a lei estabelece prazos temporários – toda patente tem um começo e tem um fim – ela respeita a Constituição neste sentido. Se existe alguma inconveniência na forma como este prazo é definido, esta inconveniência tem que ser mudada pelo Congresso Nacional. É o Congresso que editou a lei, é o Congresso que deve mudar a lei”, opina. Na visão da Interfarma, que representa dezenas de farmacêuticas multinacionais, a norma apenas compensa o inventor pelo atraso de mais de uma década do INPI.

Já o presidente da Farmabrasil, Reginaldo Arcuri, argumenta que a manutenção da norma deixa o mercado nacional menos competitivo e faz com que os custos dos atrasos do INPI sejam repassados à sociedade, cujo acesso aos genéricos seria menor devido à legislação. “Com a extensão das patentes, quanto mais o tempo passa, ainda mais na atual conjuntura, mais reais você tem que desembolsar para comprar os dólares que vão pagar esses produtos, que acabam ficando sozinhos no mercado”, pondera.

Em sua visão, não é possível manter a legislação por causa de um problema no órgão governamental responsável pelas patentes. “Se houver problema administrativo no INPI, tem que resolver o problema do INPI. Não é dizer, ‘ah, o INPI tem problema, então a sociedade inteira tem que pagar essa conta’, usando uma parte maior dos impostos que são transferidos ao governo federal para comprar medicamentos mais caros quando podiam estar mais baratos”, acrescenta.

Tanto a PGR quanto os amici curiae que defendem a inconstitucionalidade do parágrafo único no STF argumentam que a norma permite, na prática, que as patentes vigorem por mais de 20 anos. Isso porque defendem que, desde o momento do depósito do pedido, há proteção à invenção.

A proteção é prevista no artigo 44 da LPI, que fixa que “ao titular da patente é assegurado o direito de obter indenização pela exploração indevida de seu objeto, inclusive em relação à exploração ocorrida entre a data da publicação do pedido e a da concessão da patente”.

Para a Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS (Abia), que defende a mesma posição da PGR, o mecanismo de compensação faz com que as patentes sejam prolongadas e leva à criação de um “monopólio por tempo excessivo e indeterminado a priori, prejudicando não só os concorrentes, mas a população, que se vê obrigada a consumir apenas um medicamento de marca a preços mais altos que poderiam ser num ambiente de concorrência”.

Para a Interfarma e advogados que representam outros interessados no processo, como a Agrobio, a proteção que a patente deferida traz é muito maior. Por isso, na visão destes setores, não poderia se considerar uma extensão de prazo e nem que as patentes vigorariam por mais de 20 anos.

O direito do depositante é previsto no artigo 44 da LPI, que fixa que ele tem direito à indenização caso alguém copie sua tecnologia. A indenização é referente tanto ao que o depositante da patente deixou de lucrar por causa da cópia, quanto ao que ele deixaria de lucrar no futuro, com a exclusividade da invenção. Para obter este direito é necessário entrar na Justiça.

Já os direitos do titular de uma patente já concedida vão além. A Lei de Propriedade Intelectual prevê que é crime fabricar ou vender produto que seja objeto de patente de invenção ou de modelo de utilidade, sem autorização do titular, e que o titular da patente tem direito, além da indenização, de fazer uma queixa-crime contra quem o copiou. Neste caso, pode-se pedir a apreensão de produtos que imitem o item patenteado, bem como a busca e apreensão de indústrias ou comércios que estejam produzindo ou comercializando o produto.

“A lei não te dá, como uma patente dá, a chance de você entrar na Justiça e pedir busca e apreensão da fábrica que te copiou, a lei não te dá, como a patente dá, o direito de você fazer uma busca e apreensão de todo mundo que comprou a máquina. A lei não dá a segurança para o juiz que vai decidir que aquele direito exclusivo é seu”, opina Cagnoni, da Interfarma.

Otto Licks, do Licks Advogados, que representa a Agrobio e a AB2L na ação e defende a constitucionalidade do parágrafo único do artigo 40, diz que o argumento de que os direitos de patentes existem desde a data de pedido é “leviano”. O advogado cita o artigo 225, que prevê que prescreve em cinco anos a ação para reparação de dano causado ao direito de propriedade industrial. Para o advogado, ter um pedido de patente analisado rapidamente, em uma média de cinco anos como é em países da Europa e Estados Unidos, em que incide o prazo de 20 anos a partir do pedido, é muito mais benéfico para qualquer depositário, portanto não há que se falar em extensão de vigência, e sim em compensação.

Para o advogado, o impacto negativo do julgamento, caso a ação seja procedente, “é muito maior que qualquer eventual economia por conta dos medicamentos”, pode prejudicar a inovação no país e culminar em extinção de patentes, e pode trazer consequências ruins tanto para empresas privadas quanto para instituições públicas, como universidades e a Embrapa. “Aqui, teremos um impacto em PIB, em preço do dólar, na capacidade de recuperação econômica, no emprego. É leviana a posição da PGR”, diz.

A norma que está sendo questionada no STF, em tese, deveria ser uma exceção, aplicada somente àqueles pedidos de patentes que demoraram demais para serem analisados pelo INPI. Na prática, faz anos que virou regra para alguns setores. O órgão encaminhou ao STF uma projeção de todas as patentes nas quais incidirão o parágrafo único do artigo 40 em 2021, ou seja, que terão o prazo de dez anos a partir da concessão.

 

A projeção considerou a capacidade técnica do INPI para este ano, e estimou que todas as patentes serão concedidas – o que não ocorre, na prática. De acordo com o levantamento, todas as patentes concedidas para os setores de Telecomunicações e de Biofármacos em 2021, em alguma medida, serão afetados pelo dispositivo questionado. Em seguida, 84% das patentes da divisão de Fármacos I, e 86% da divisão de Fármacos II devem também ser afetadas por esta regra em 2021.

Fonte: Jota