Novo modelo de Código Tributário do CIAT pode estimular reforma do CTN

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A reforma tributária do sistema brasileiro já começou. E os consensos, dantes carentes em tantas propostas de emendas constitucionais, pouco a pouco, começam a descortinar os entraves do passado

A reforma tributária do sistema brasileiro já começou. E os consensos, dantes carentes em tantas propostas de emendas constitucionais, pouco a pouco, começam a descortinar os entraves do passado, com coragem e empenho, para constituir os fundamentos de um novo pacto do federalismo fiscal do nosso ICMS. Deveras, muito há para ser feito, mas as condições históricas estão postas e o Ministério da Fazenda assumiu seu papel de protagonista do processo. Contudo, a reforma tributária reclamará muito mais do que ajustes do ICMS no âmbito da federação. Urge que se opere uma reforma do próprio Código Tributário, além de certos tributos, como o IRPJ e o PIS/COFINS, os modelos sancionatório, de garantias e o do lançamento tributário, seguidos dos regimes do processo tributário, nas suas distintas hipóteses.

Estamos dentre aqueles que sempre acreditaram que o nosso Código Tributário Nacional – CTN é uma das obras mais belas e robustas que a engenharia jurídica pôde construir. Passados 50 anos da sua edição, nenhuma das suas disposições foi acoimada de inconstitucional. Logicamente, pelo tempo transcorrido e por toda a complexidade do Direito Tributário contemporâneo, esta obra cobra reformas de atualização e adaptação aos novos regimes e aos modelos teóricos que avançaram desde a sua edição.

Modificar um Código exige prudência e tato de muito esmero. Alterar um Código afeta estruturas e podem surgir rupturas de difíceis reparos. Mas não basta vontade política ou propósito reformista, por mais inspirador que possa ser concebido. Impõe-se técnica e, nos dias que correm, integração com a comunidade internacional, pelos tratados firmados e por todos os regimes tributários comuns que se entrelaçam.

Centro Interamericano de Administraciones Tributarias (CIAT) acaba de oferecer uma importante contribuição aos países membros, com a edição do seu terceiro “Modelo de Código Tributário”, em substituição aos anteriores, de 1997 e de 2006, ora totalmente modificado e atualizado, o qual será apresentado na sua 49ª Assembleia Geral (http://www.ciat.org), em Lima-Peru, nos dias 4 a 7 de maio, sob a presidência de Jorge Rachid, Secretário da Receita Federal do Brasil.

O CIAT é um organismo internacional público, sem fins lucrativos, criado em 1967, com a missão de oferecer suporte técnico e qualificado para os 38 países membro, atualmente presidido pelo brasileiro Márcio Verdi.

O tema da 49ª Assembleia do CIAT será “a gestão de risco como ferramenta para a melhoria do cumprimento das obrigações tributárias”. A gestão do risco é utilizada para identificar, analisar, tratar e avaliar os riscos de cumprimiento das obrigações tributárias, para guiar as decisões sobre as melhores estratégias para atingir o mais alto nível de cumprimento voluntário pelos contribuintes.

Nesta oportunidade, o CIAT apresentará o seu novo “Modelo de Código Tributário”, com o propósito de estimular reformas ou atualização dos Códigos em vigor nos distintos países membros, ao servir de subsídio às formulações legislativas internas.

Trata-se de labor ao qual foram dedicados mais de 2 anos em esforço de síntese pelo “Grupo de Trabajo a cargo de la actualización del Modelo de Código Tributario”. Este projeto foi fomentado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID e pelo Governo Federal Alemão, através da agência de fomento GIZ GmbH – Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammernarbeit.

Para a finalização do Modelo, tive a honra de integrar o Grupo de consultores internacionais, ao lado dos professores Carlos María Folco (Argentina) e de Leonardo Costa (Uruguai), para revisar o texto e propor modificações. Foi uma experiência sobre modo enriquecedora. 

Como a tarefa de criar um código tributário não é algo fácil, os países servem-se de modelos de códigos, como é o caso do Modelo CIAT. No quadro atual de internacionalização das economias esta tendência amplia-se sobremaneira, diante da trafegabilidade de pessoas e capitais, necessidade de mútua assistência entre os países, como condição para reduzir as possibilidades de fraudes, evasões fiscais, mecanismos elisivos e até mesmo a corrupção.

Vale ressaltar que a maioria dos códigos latino-americanos foram escritos com base no “Modelo de Código Tributário para a América Latina”[1], elaborado em 1967, a partir dos trabalhos de Ramón Valdés Costa (Uruguai), Rubens Gomes de Sousa (Brasil) e Giuliani Fonrouge (Argentina). Logicamente, tarefas desse porte só podem ser levadas  a cabo nos dias atuais por instituições internacionais, e o fato de o CIAT ser uma entidade que congrega representantes das administrações tributárias não pode ser visto, por si só, como algo parcial, como se a proposta apresentada fosse um “Modelo do Fisco”.

 

Como disse Aliomar Baleeiro: “Os fatos – para lembrar livro que faz época – passam adiante dos Códigos. Mas os Códigos, mesmo condenados à mutilação ou à ancilose do tempo, põem ordem, estimulam a elaboração do estudo científico do Direito e facilitam a tarefa dos aplicadores e o conhecimento das regras pelo povo, mormente em assunto impregnado de tecnicismo como é o tributo moderno”. Ora, o modelo apenas contribui para a etapa inicial da formulação da proposta legislativa interna. Caberá ao legislador, no embate democrático e sob a égide do sistema constitucional de garantias, definir os textos a serem acolhidos e aqueles que devem ser adaptados ou suprimidos.

 

O Modelo de Código não constitui,por si só,o novo Código Tributário. Na prática, não passa de uma pauta a ser seguida pelos Estados, sem implicar qualquer vinculação para estes. Por isso, os Estados não estão obrigados a utilizarem, na íntegra, o conteúdo do “modelo”, prestando-se como orientação à prática legislativa. Eis onde reside sua maior virtude, porquanto as modificações sugeridas aos países propiciam abertura para reflexões e aprimoramentos dos regimes vigentes, sem qualquer pretensão de substituição legislativa, por transposição e na íntegra.

 

Como bem lembrou Ferreiro Lapatza, em seu Relatório Geral apresentado nas “XX Jornadas Latinoamericanas de Derecho Tributário” (2000), esse esforço dos Modelos de código é um tema transcendental porque, mais uma vez, põe a descoberto a discussão sobre o esquema conceitual que deve nortear a construção dos vários institutos do Direito Tributário.

 

De fato, trata-se de algo fundamental, a chegada do novo Modelo de Código Tributário do CIAT, como oportunidade para reascender diálogos acadêmicos sobre eventuais mutações do Código Tributário vigente, desde que sob a inspiração dos direitos fundamentais, além de outros aspectospertinentes ao aperfeiçoamento da legislação tributária. E será particularmente relevante ao atual quadro das demandas de reformas, para melhorar a qualidade de arrecadação e as atividades do Fisco, propiciar maior segurança jurídica aos contribuintes e estimular as atividades econômicas do País, com transparência, compliance e justiça fiscal.

 


[1] Este modelo atingiu plenamente seus objetivos e atualmente, existem mais de 16 códigos ou leis gerais em vigor nos países latino-americanos. Neste processo, sete diferentes países adotaram códigos tributários, sob suas influências diretas (como o Equador, Bolívia, Costa Rica, Uruguai, Chile) ou indiretas (como é o caso da Espanha). O Código Tributário brasileiro foi publicado em 1965, antes, portanto, desse Modelo.

 

 

FONTE: CONJUR