Tributação de haircut enfraquece nova lei de recuperação judicial

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Texto aprovado no Congresso previa isenção de impostos de haircut, mas houve veto do Executivo

Advogados ouvidos pelo JOTA afirmam que a nova lei de falência e recuperação judicial perdeu força após o veto à isenção de impostos nos descontos negociados com credores. A lei 14.112/2020 foi publicada no fim de dezembro após aprovação da matéria no Senado.

Quando uma empresa entra em processo de recuperação judicial há a negociação de suas dívidas com os credores. Os descontos obtidos são chamados de haircut. Os credores que oferecem desconto se valem da estratégia de que é melhor aceitar receber menos do que não receber nada.

No texto aprovado pelo Congresso, havia a previsão de que a receita obtida com a renegociação de dívidas da empresa que passa por recuperação judicial não teria a cobrança de PIS, Cofins, imposto de renda e CSLL.

O Executivo vetou a mudança com a justificativa de que “tais medidas ofendem o princípio da isonomia tributária, acarretam renúncia de receita, sem o cancelamento equivalente de outra despesa obrigatória e sem que esteja acompanhada de estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro”. Tal iniciativa, argumenta o Executivo, viola a Lei de Responsabilidade Fiscal.

“Quando houve a discussão em torno dessa lei, a gente pôde perceber que o poder Executivo também participou das conversas para sua elaboração”, lembra Thomaz Sant’Ana, sócio do PGLaw. Segundo ele, “muitas vezes essa cobrança inviabiliza a recuperação judicial, pois estamos falando de uma alíquota bem pesada”.

Para Matheus Bueno, sócio do Bueno e Castro Tax Lawyer, esse veto diminui uma grande vantagem que a lei traria. “A nova lei acabaria com uma discussão que existia, só que o Bolsonaro tirou esse dispositivo”, diz. “A empresa que entra em recuperação judicial já tem dívidas tributárias”.

Por isso, há quem defenda um regime tributário diferenciado para as empresas que estão em recuperação judicial. “Acho que poderia ter um subsídio maior sobre a carga tributária para essas empresas”, argumenta Marcello Lopes, sócio da LCC Auditores e Consultores. “Que fosse apresentado um regime tributário especial para essa empresa, desde que apresentasse um plano factível”, completa.

Veto trabalhista
Na parte trabalhista, houve veto ao parágrafo do artigo 6º que dizia que, na hipótese de recuperação judicial, “também serão suspensas as execuções trabalhistas contra responsável, subsidiário ou solidário, até a homologação do plano para a convolação da recuperação judicial em falência”.

O Executivo considerou que o dispositivo contraria o interesse público por causa insegurança jurídica “ao estar em descompasso com a essência do arcabouço normativo brasileiro quanto à priorização dos créditos de natureza trabalhista e por acidente de trabalho”.

Essa questão traz muitas disputas judiciais, de acordo com Luciano Bresciani, sócio do Rennó Penteado Sampaio Advogados, especialista em procedimentos arbitrais e contenciosos. “Agora com o veto os juízes terão um argumento adicional para afastar a pretensão das empresas de suspenderem essas execuções trabalhistas”, afirma.

Veto ligado ao agronegócio
O Executivo também vetou o artigo que previa que as CPRs com liquidação física não estariam sujeitos aos efeitos da recuperação judicial. O mesmo artigo deixava a cargo do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento definir quais atos e eventos caracterizam-se como caso fortuito ou força maior justificáveis para o pedido de recuperação judicial no campo.

Ao justificar o veto, o Executivo argumentou que essas mudanças promovem alteração de risco do crédito, além de diminuir a confiança nas CPRs.

“A questão do caso fortuito e de força maior é inerente à atividade”, destaca Fernando Pellenz, coordenador de agronegócio do escritório Souto Correa Advogados. “Além disso, você atribuir uma competência ao Ministério da Agricultura para disciplinar o que é caso fortuito e força maior acaba gerando uma transferência para um ente político de tomar uma decisão que poderia ser revista a qualquer tempo”.

Todos os vetos ainda precisam ser analisados pelo plenário do Congresso Nacional e, caso derrubados, passam a fazer parte da lei.

Mudanças vistas como positivas
A nova lei de falências permite que os credores apresentem um plano de recuperação judicial caso não concordem com a proposta apresentada pela empresa. A mudança veio no § 4º do artigo 56 da lei 11.101/2005: “rejeitado do plano de recuperação judicial, administrador judicial submeterá, no ato, à votação da assembleia-geral de credores a concessão do prazo de 30 (trinta) dias para que seja apresentado plano de recuperação judicial pelos credores”.

A mudança é vista como bem-vinda pelos advogados ouvidos pelo JOTA. “Isso traz mais força ao credor, aumenta seu poder de barganha. O processo era muito pró-devedor”, diz Antonio Affonso Mac Dowell, sócio do escritório Mac Dowell, Melo & Leite de Castro.

Outra alteração considerada positiva é a prioridade de pagamento, em caso de falência, àqueles que forneceram dinheiro durante o processo de recuperação judicial, o chamado DIP financing. O financiamento precisa ter autorização do juiz responsável e anuência dos credores. O DIP financing pode ser realizado com qualquer pessoa, inclusive credores, familiares e sócios.

O artigo 49 exclui os novos créditos dos efeitos da recuperação judicial. Além disso, foi criada uma seção, no artigo 69, com o título “Do Financiamento do Devedor e do Grupo Devedor durante a Recuperação Judicial”, onde são definidas regras detalhadas a respeito do DIP financing,

“A mudança da lei em relação ao dinheiro novo é muito bem-vinda. Agora houve uma promoção na escala de prioridade muito grande, o que traz segurança ao credor de DIP financing”, constata o advogado Antonio Affonso.

O contexto de pandemia em conjunto com as novas regras devem aumentar o número de empresas que iniciam processo de recuperação judicial. “Acho que agora, no primeiro semestre de 2021, é que vai aumentar o número de pedidos porque teremos um impacto duplo, com redução do consumo e uma restrição de crédito das instituições financeiras”, afirma Tiago Lopes, sócio do escritório Lollato Lopes Rangel Ribeiro Advogados.

Fonte: Jota