Como votou Nunes Marques em seus primeiros julgamentos no STF?

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Ministro já votou a favor do governo em matéria política, contra em matéria tributária e se mostrou garantista na área penal

Ao indicar Kassio Nunes Marques para ocupar a cadeira que foi do decano Celso de Mello no Supremo Tribunal Federal (STF), o presidente da República Jair Bolsonaro (sem partido) disse que buscava alguém “leal às nossas causas” e que “Kassio Nunes já tomou muita tubaína comigo”. O presidente complementou: ‘a questão de amizade é importante, né? O convívio da gente”.

Empossado em 5 de novembro como o novo ministro da Corte, diante das falas do presidente, Nunes Marques assumiu o posto com a pressão pública de se mostrar independente e imparcial.

Com votos curtos, recheados de citações de autores e de jurisprudências e que exaltam a separação entre os Poderes, Marques já votou de forma favorável ao governo, interrompeu julgamentos caros ao Planalto, e votou contra a Lava Jato na 2ª Turma – confirmando a expectativa de que seria garantista na seara penal, como ele mesmo havia indicado durante sua sabatina no Senado.

Na seara econômica, já votou contra a União e pró-contribuinte em matéria tributária, e a favor das empresas e do governo em matéria trabalhista. E algumas vezes, chamou a atenção mais pelos julgamentos que interrompeu, do que pelos votos que proferiu.

Em sua primeira sessão plenária, em 11 de novembro, Nunes Marques interrompeu o julgamento de dois casos tributários: pediu vista alegando que não havia tido a chance de estudar os processos ainda. Um dos casos questionavam cláusulas do convênio 93/2015 do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), que regulamentaram o diferencial de alíquota de ICMS em operações interestaduais. O outro, discutia a incidência do ICMS sobre programas de computador nas situações de licenciamento e cessão de uso.

Um dia antes, o ministro estreou na 2ª Turma, desta vez, sem pedido de vista. Seu primeiro voto como ministro do STF foi em um caso criminal: ele votou pela soltura do promotor aposentado Flávio Bonazza de Assis, do Rio de Janeiro, e pela mudança de competência do caso, retirando-o das mãos do juiz Marcelo Bretas, responsável por julgar os casos da Lava Jato do Rio de Janeiro. Nunes acompanhou o relator, ministro Gilmar Mendes. A posição também foi endossada pelo ministro Ricardo Lewandowski.

O ministro teve como seu maior desafio, até agora, o julgamento sobre a reeleição de presidentes das Câmara e do Senado. Neste caso, deu um voto no meio do caminho e ficou isolado em seu entendimento. O voto foi visto como uma maneira de agradar o governo federal, que era contra a reeleição de Rodrigo Maia na presidência da Câmara, mas a favor da continuidade de Davi Alcolumbre no Senado — exatamente como Nunes votou.

Para Marques, é possível uma única reeleição de presidentes das Casas Legislativas, mas ele discordou do relator, ministro Gilmar Mendes, de que este entendimento só deveria valer para a próxima legislatura. Com isso, Rodrigo Maia, que já foi reeleito uma vez para a presidência da Câmara, seria impedido de concorrer. Já Davi Alcolumbre, que ocupou o posto apenas uma vez, seria beneficiado.

Outro caso marcante do qual Nunes Marques participou em seu primeiro mês na Corte foi um habeas corpus que discute se o crime de injúria racial deve ser equiparado ao crime de racismo no que diz respeito à imprescritibilidade. O ministro inaugurou uma corrente divergente do relator, Edson Fachin, e votou no sentido de que injúria racial prescreve e é passível de fiança.

“Não vejo como interpretar-se extensivamente uma exceção feita pelo constituinte originário ao instituto da prescrição com base numa preocupação mais do que legítima na sociedade brasileira. A gravidade do delito não pode servir para que o Poder Judiciário amplie as hipóteses de imprescritibilidade previstas pelo legislador e nem altere o prazo previsto na lei penal”, afirmou em seu voto, na sessão plenária de 2 de dezembro. Depois do voto de Nunes Marques, o ministro Alexandre de Moraes pediu vista e o caso ainda não foi concluído.

Neste voto, como em outros, o ministro ressaltou a separação entre os Poderes, algo que já fazia quando era desembargador do Tribunal Regional Federal (TRF1). Esta deferência às competências dos outros Poderes foi um dos motivos para a escolha do presidente da República por Nunes Marques.

Na seara econômica, Marques participou de um julgamento tributário relevante em dezembro – e reforçou a corrente contrária aos interesses da União, que saiu vencedora. O ministro votou contra a possibilidade de a União bloquear bens de devedores sem a participação do Poder Judiciário.

Nunes Marques ainda participou de julgamento que discutia a mudança de datas de concursos públicos e da flexibilização de etapas de estágio probatório de servidores a pessoas que se negam a fazer atividades no sábado por motivos religiosos, como adventistas do sétimo dia e judeus. Neste caso, Marques ficou na corrente derrotada.

Marques defendeu a laicidade do Estado, e disse que não é possível exigir da administração pública uma mudança de data de concursos públicos em decorrência da presença de candidatos sabatistas porque não há previsão legal para tanto.

“Ninguém é compelido a prestar concursos públicos. É importante observar que ninguém está sendo obrigado a deixar de fazer alguma coisa. A eventual decisão de não prestar prova é inteiramente do candidato”, disse o ministro. Marques afirmou que, ao esbarrar em restrições deste tipo, o candidato sabatista o faz por uma proibição da denominação religiosa que segue, não estatal.

Julgamentos interrompidos
O STF vem, ao longo deste ano, julgando centenas de casos no plenário virtual, mas os ministros podem pedir destaque de qualquer processo para remetê-lo ao plenário presencial, caso entendam necessário. Nunes Marques pediu destaque em diversas ocasiões, interrompendo julgamentos por tempo indeterminado – alguns destes casos, de grande importância para o Planalto.

Marques pediu destaque de dois mandados de segurança que discutem se o presidente Jair Bolsonaro pode bloquear usuários em seus perfis nas redes sociais. Um dos casos tem como relator o ministro Marco Aurélio Mello. A ministra Cármen Lúcia relata o outro. Os dois relatores votaram para determinar que Bolsonaro não pode bloquear cidadãos. Nunes Marques interrompeu os dois julgamentos rapidamente.

Outro julgamento interrompido por pedido de destaque de Marques foi a ADPF 70, na qual se questiona o monopólio dos Correios nos serviços postais no Brasil. Após o relator, Marco Aurélio Mello, votar para declarar inconstitucional o monopólio, Nunes Marques pediu destaque para que o julgamento seja julgado presencialmente.

Da mesma forma, o ministro também pediu para retirar do virtual a ADPF 640, na qual o PROS questiona dispositivos da Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605/1998) que autorizam o abate de animais resgatados. Em março, o ministro Gilmar Mendes concedeu liminar para proibir os abates, e levou a decisão para referendo no plenário virtual em 13 de novembro. No dia 20 de novembro, quando já havia maioria de sete votos para manter a liminar, Marques pediu destaque, interrompendo o julgamento por tempo indeterminado, que terá de ser retomado do zero.

Um julgamento penal também foi interrompido por Marques: uma ação penal contra o deputado Silas Câmara (Republicanos-AM), acusado pela prática de “rachadinhas” entre janeiro de 2000 e dezembro de 2001, prática na qual o parlamentar fica com parte do dinheiro pago a servidores e colaboradores de seu gabinete. O caso começou a ser julgado no dia 27 de novembro, e no mesmo dia o ministro novato pediu destaque. O senador Flavio Bolsonaro é acusado de ter feito esquema semelhante na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj).

Fonte: Jota