Especialistas não veem chances de União derrubar desoneração da folha no STF

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Para especialistas, medida aprovada pelo Congresso Nacional é constitucional

A ação apresentada pelo governo no Supremo Tribunal Federal (STF) contra a prorrogação da desoneração da folha de pagamento até o fim do ano que vem não tem chances de prosperar. Advogados ouvidos pelo Valor dizem que a medida, aprovada pelo Congresso Nacional, é constitucional e, ao contrário do que alega a Advocacia-Geral da União (AGU), não contraria nenhuma norma vigente.

O processo está nas mãos do ministro Ricardo Lewandowski, que na sexta-feira, ao ser designado relator, tirou as chances de o governo Jair Bolsonaro obter uma liminar durante o recesso do Judiciário. Ele decidiu levar para o Plenário o julgamento da ação direta de inconstitucionalidade apresentada (ADI 6632) — o que só poderá ocorrer a partir de fevereiro.

A desoneração da folha beneficia 17 setores da economia. Essas empresas são as que mais empregam no país. Geram atualmente seis milhões de vagas que, em uma eventual decisão favorável ao governo, estariam em risco por conta do forte impacto financeiro da medida.

Somente a Feninfra, federação que representa as empresas de infraestrutura de telecomunicações, informática e call center, diz que o setor pode ter que cortar mais de 20% da sua mão de obra. Seriam 500 mil postos de um total de 2,2 milhões.

“E isso num momento em que o índice de desemprego no país está em 14%. Nós não estamos entendendo essa posição do governo”, diz Vivien Suruagy, a presidente da Feninfra.

Ela classifica a ação que foi protocolada no Supremo como “uma grande e desagradável surpresa”. Afirma que as empresas fecharam os seus programas de investimentos e contratação e qualificação de mão de obra para 2021 com base na decisão do Congresso e, agora, não sabem mais se conseguirão cumprir.

O pedido governo, se aceito, pode ser a gota d’água para o setor de transportes: há risco de paralisação das atividades e de demissões. Otávio Cunha, presidente da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), afirma que o setor vem, ao longo dos anos, sofrendo com a redução da demanda e neste ano de pandemia, especificamente, o cenário piorou muito. O número de passageiros caiu 80% nos meses de março e abril e, atualmente, está em 50% da média histórica.

A desoneração da folha foi instituída em 2011 para estimular a geração de empregos formais. Setores favorecidos com a medida, substituíram a contribuição ao INSS, de 20% sobre a folha de salários, por uma contribuição calculada sobre o receita bruta da empresa, que varia entre 1% e 4,5%.

O benefício seria extinto neste ano, mas o Congresso, ao votar a Medida Provisória nº 936, ampliou o prazo para 31 de dezembro de 2021. Essa MP, dentre outros pontos, autorizou a redução de jornada e salário de funcionários em razão da crise provocada pela pandemia.

Na conversão da MP, no entanto, o presidente Jair Bolsonaro vetou o trecho que tratava da ampliação do prazo. Mas no começo do mês de novembro, o Congresso derrubou o veto, mantendo, portanto, a prorrogação.

O governo tenta, agora, reverter a decisão por meio de uma ação direta de inconstitucionalidade, com pedido de liminar, ou seja, em caráter de urgência. A AGU afirma, na petição, que a medida vai representar uma perda de R$ 9,78 bilhões para a União.

Mas, apesar desse argumento, o governo já incluiu a previsão de renúncia na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que serve como base para a discussão orçamentária do próximo ano e foi aprovada na semana passada.

Na ação apresentada ao STF, a AGU afirma que o processo legislativo foi concluído sem a estimativa dos impactos orçamentários e financeiros. Afirma haver violação ao artigo 113 do ADCT da Constituição Federal e também à Emenda do Teto dos Gastos (nº 95, de 2016) e à Lei de Responsabilidade Fiscal (nº 101, de 2000).

Para a advogada Cristiane Matsumoto, sócia do escritório Pinheiro Neto, esses argumentos não se sustentam. Ela diz que, ao contrário do que o governo alega, existe compensação à renúncia fiscal desde 2011, quando a desoneração da folha de pagamentos passou a ser permitida.

“A Cofins-Importação foi criada junto com a desoneração e tinha efeitos claramente compensatórios à renúncia fiscal. E existe até hoje. Só que agora a alíquota não é mais de 1%, é de 1,5%”, diz. “A alegação da União, de que houve violação ao artigo 514 da Lei de Responsabilidade Fiscal, portanto, não é verdadeira.”

Sobre a suposta violação ao artigo 113 do ADCT, afirma a advogada, o governo flutua conforme os seus interesses. “Eles estão falando que se não existia previsão na LDO de 2020, não poderia haver postergação de estimativa para 2021. Só que existe um recurso legislativo que trata da renúncia fiscal e o próprio já se utilizou dele”, diz ela, citando o Fundo Nacional de Segurança Pública. “Aqui [no caso da desoneração], a previsão existe desde a sua criação.”

Um outro argumento utilizado pela AGU para tentar convencer os ministros é de que a prorrogação do prazo da desoneração da folha seria inconstitucional por contrariar a Emenda Constitucional nº 103, de 2019, que instituiu a Reforma da Previdência.

A advogada Ariane Guimarães, do escritório Mattos Filho, não concorda. Ela diz que o artigo 30 da EC 103 prevê expressamente a manutenção das contribuições substitutivas à folha de salários que foram instituídas anteriormente.

“Prorrogação de prazo não equivale à criação de um novo tributo”, diz. Contribuinte, base de cálculo, materialidade, percentual, todos esses elementos estão lá atrás, quando a substituição foi criada, no ano de 2011.”

Para Ariane não há “nenhuma inconstitucionalidade na prorrogação” da desoneração da folha. “Nem do ponto de vista financeiro. A prorrogação foi aprovada no contexto orçamentário de uma pandemia, que sinaliza para a flexibilização de algumas regras. Juridicamente, os argumentos do governo não são adequados”, afirma.

Entendimento semelhante consta em um parecer elaborado em julho pela Mesa Diretora da Câmara dos Deputados. O texto diz que a prorrogação da desoneração é constitucional. Afirma que a Reforma da Previdência impediu que novos benefícios fossem criados. A MP, no entanto, teria prorrogado um benefício criado por uma regra anterior à reforma e, por esse motivo, não seria inconstitucional.

Fonte: Valor Econômico