PGR ignora modelos de software como serviço ao defender incidência de ICMS no STF

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O Supremo Tribunal Federal começou a julgar duas ações diretas de inconstitucionalidade (1945 e 5659)

O Supremo Tribunal Federal começou a julgar duas ações diretas de inconstitucionalidade (1945 e 5659) que discutem a legalidade da cobrança de ICMS sobre software, tendo em vista que programas de computador já recolhem ISS. Enquanto o mercado alega que medidas estaduais nesse sentido constituem bitributação, a Procuradoria Geral da República sustentou que o imposto deve ser cobrado.

O curioso é o argumento. O procurador-geral da República em exercício, Humberto Jacques de Medeiros, defendeu que softwares devem ser considerados mercadoria e não serviço. Segundo ele, o próprio STF “firmou jurisprudência” no sentido de que incide ICMS em operações com o que chamou de ‘software de prateleira’, como tratou “programas vendidos em série”. Já o ISS incidiria sobre “softwares desenvolvidos por encomenda direta do adquirente”.

“A jurisprudência esclarece um parâmetro inteligente no divisor da fronteira sobre mercadorias e serviços no plano de tributação. Esta Corte constitucional estabeleceu uma baliza, e o passar dos anos não produziu de concreto nenhum elemento efetivo a autorizar uma subversão daquilo que já foi julgado”, argumentou o procurador-geral em exercício.

A afirmação de que o passar dos anos não produziu nenhuma mudança é surpreendente. Afinal, a jurisprudência mencionada pelo PGR substituto envolve uma ação julgada em 1998. Ao indicar que “o passar dos anos não produziu nenhum elemento” novo, o argumento parece ignorar que nesses mais de 20 anos houve um desenvolvimento bastante razoável do que se conhece por internet. Deve ser por isso que ainda usa o já arcaico termo “software de prateleira”.

A lógica da PGR é de que programas de computador são vendidos de duas maneiras: ou se adquire um software já pronto para ser instalado, ou se contrata um programa que será desenvolvido sob medida. Tal proposição sugere não apenas o desconhecimento dos novos modelos de negócios criados a partir de sistemas de computação em nuvem, como indica que a PGR sequer consultou seu próprio departamento de TI sobre o assunto.

Afinal, não é preciso ir longe. A mais recente contratação de software pela própria Procuradoria Geral da República se deu em pregão eletrônico realizado em 23 de setembro deste 2020 – um mês antes, portanto, da sustentação no STF. Nesse pregão (69/2020), segundo informações do Comprasnet, a PGR comprou 71 licenças de uso da suíte Adobe Creative Cloud, pelas quais vai pagar R$ 1,21 milhão para poder usar o programa por 36 meses. Trata-se do que o representante da PGR chamaria de “software de prateleira”, uma vez que não foi desenvolvido especificamente para a Procuradoria. Pela lógica da sustentação no STF, a PGR acredita que comprou um produto do qual agora é dona. Vale um memorando da TI explicando que daqui a três anos esse "produto" não poderá mais ser usado legalmente.

Fonte: Convergência Digital