Taxação de livros seria duro golpe na cultura, dizem especialistas

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Pessoas ligadas ao mercado editorial têm se articulado para barrar a proposta do Ministério da Economia

Para Jorge Amado, um dos escritores brasileiros de maior prestígio no mundo, “a solução dos problemas humanos terá que contar com a literatura, a música, a pintura e as artes”. O autor não priorizou seu ofício por vaidade. Ele acreditava tanto no papel social do livro que ao tornar-se deputado constituinte, em 1946, apresentou uma emenda constitucional para vedar a cobrança de impostos sobre o papel em que eles são impressos.

Anos mais tarde, a isenção passou a valer para o produto final e alcançou 100% para PIS e Cofins com uma lei de 2004. A medida, no entanto, pode estar com os dias contados com a tramitação da reforma tributária.
O texto enviado ao Congresso Nacional pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, prevê que os livros voltem a ser taxados, dessa vez sob alíquota de 12%, o que deve encarecer o produto e ser o golpe fatal para o mercado, que há anos sofre um declínio, agravado, agora, pela pandemia do novo coronavírus.

Em reação à proposta, a campanha #DefendaOLivro tomou conta das redes sociais. Um abaixo-assinado contra ela, aberto na plataforma Change.org, atingiu a marca de 1 milhão de assinaturas em apenas duas semanas. Editoras, escritores e parlamentares também fizeram um manifesto para impedir o avanço da medida no Congresso.

Opinião
A avaliação geral é de que a isenção não deveria sequer ser questionada, uma vez que o produto é disseminador de conhecimento e cultura. Aspectos que, na opinião do presidente da União Brasileira de Escritores (UBE), Ricardo Ramos Filho, um país com tanta desigualdade não pode abrir mão.

“Deveria haver um esforço para baratear o livro no Brasil e não o contrário. O impacto direto é o aumento do valor final do produto. Isso distancia ainda mais a população do consumo de cultura, de um olhar crítico sobre o mundo, de sensibilidade. Coisas que a gente sabe que não interessam a esse governo”.
RICARDO RAMOS FILHO, PRESIDENTE DA UNIÃO BRASILEIRA DE ESCRITORES (UBE)

Ricardo esclarece que o imposto de 12% deve elevar o valor do livro entre 25 e 30%, uma vez que toda a cadeia será afetada. “Temos autores, claro, mas também editores, revisores, capistas, ilustradores, designers, produtores gráficos, livrarias, distribuidoras, todo um aparato editorial, comercial e logístico que será impactado”, afirma.

De acordo com a pesquisa Produção e Vendas do Setor Editorial Brasileiro, o mercado encolheu 20% entre 2006 e 2019. A recuperação de 6% registrada no ano passado foi interrompida pela pandemia e deve ser aniquilada a partir da absorção de um novo imposto.

Aliás, na avaliação de Samuel Seibel, presidente da Livraria da Vila, a proposta de suspensão da imunidade fiscal do livro terá um impacto econômico para o setor mais significativo que a pandemia, “que já obrigou as livrarias a se reinventarem e buscarem novos caminhos para sobreviver”, diz.

“E um setor que ainda está buscando saídas para esse cenário e muitas livrarias, sobretudo as pequenas, simplesmente não conseguirão se reerguer. Com o fim da imunidade fiscal, as margens delas, que já são pequenas, podem desaparecer e inviabilizar o negócio. Com isso, a cadeia do livro se enfraquece como um todo, dificultando ainda mais o acesso à leitura, à cultura e à educação”, ressalta.
SAMUEL SEIBEL, PRESIDENTE DA LIVRARIA DA VILA

Impacto para novos autores
Com editoras e livrarias pequenas fechadas, o reconhecimento e a promoção de novos autores também poderá deixar de existir. “Esses estabelecimentos têm uma importância gigantesca no desenvolvimento do acervo literário de um país. Quantos autores grandes vão deixar de ser descobertos?”, questiona o professor do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília, Pablo Holmes.

Vale destacar que a contribuição também incidiria sobre os livros eletrônicos (e-books) e dispositivos de leitura digital, que também fomentam o surgimento de novos talentos na literatura, e tiveram, em 2017, isenção equiparada a dos livros impressos.

Além disso, Pablo diz que a proposta é preocupante para os cidadãos, uma vez que o próprio governo é responsável pela aquisição de 49% da produção de livros didáticos. Sendo assim, o aumento no valor dessas obras obrigaria o poder público a gastar mais com recursos do contribuinte, ou comprar menos, dificultando o acesso ao conhecimento por parcelas mais carente da população. “Vai tirar de um lado pra investir em outro”, destaca o professor.

Enquanto Guedes sugere que o problema possa ser resolvido com a doação de livros para os “pobres”, opositores querem que outras possibilidades de arrecadação sejam consideradas. “Se eles estão tão interessados em arrecadar de verdade, podem avaliar a ideia de arrecadar com as igrejas, como a taxação de grandes fortunas e impostos sobre bens como iates e jatinhos”, sugere Ricardo Ramos.
Consulta pública

Para impedir que o governo consiga taxar os livros, diversos senadores apresentaram uma proposta de emenda à Constituição. A PEC (31/2020) garantiria, de forma definitiva, a imunidade tributária de livros, jornais, periódicos e o papel destinado à impressão.

Uma consulta pública, disponibilizada no site da casa, está aberta para que cidadãos possam opinar. Quem concorda com a isenção dos produtos deve assinalar sim, enquanto os acreditam que os livros têm de ser taxados devem assinalar não.

Fonte: Metrópolis