Reforma administrativa: os pontos que devem enfrentar mais resistência no Congresso

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Proposta mais enxuta e empenho de Rodrigo Maia ajudam a tramitação, mas calendário tumultuado e polêmicas no texto podem prejudicar

A proposta de reforma administrativa, encaminhada na última quinta-feira (3) pelo governo federal ao Congresso Nacional apresenta mudanças significativas nas regras para o funcionalismo público, embora só se apliquem aos futuros servidores, e confere mais poderes para a caneta do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

O texto tem alguns pontos que estimulam apostas por uma tramitação acelerada no parlamento, mas também traz outros elementos que podem sinalizar dificuldades pela frente.

Embora a proposição não tenha impactos fiscais significativos a curto e médio prazo, sua apresentação traz uma mensagem política de compromisso do governo com a agenda de reformas, em um momento de desconfiança dos agentes econômicos com relação ao futuro do teto de gastos – regra que limita a evolução de quase o total de despesas públicas à inflação do ano anterior.

“Foi uma PEC um pouco esvaziada, não é uma proposta cheia de mudanças, como imaginávamos, mas que sinaliza no caminho da melhoria da gestão pública, sinaliza um compromisso do governo com a gestão e as contas”, pontua Júnia Gama, analista política da XP Investimentos.

E justamente a menor ambição de não tratar de vespeiros como a situação de servidores da ativa pode ser um dos trunfos para avanços mais céleres no texto. Por se tratar de PEC (Proposta de Emenda à Constituição), a tramitação é mais longa e o quórum mínimo exigido é de 3/5 em cada casa legislativa.

Outro ponto mencionado com frequência pelos analistas é o envolvimento pessoal que o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), tem mostrado em relação ao assunto. Há uma leitura de que o parlamentar estaria interessado em aprovar a proposição como mais um legado de sua gestão no comando da casa. Bom para o governo.

Uma terceira vantagem para o bom andamento da proposição no parlamento está relacionada com a articulação política do governo. Ao contrário de outras ocasiões, desta vez o presidente Jair Bolsonaro reuniu líderes partidários para apresentar a proposta previamente à entrega oficial ao Congresso.

“Esse novo jeito de fazer política nada mais é do que o jeito antigo. Essa coisa de chamar líderes de bancadas e combinar antes com Congresso o que vai ser enviado é a maneira tradicional de se dialogar”, observa Paulo Gama, também da equipe de análise de risco político da XP Investimentos.

“O Executivo tem a prerrogativa de mandar a PEC que trata das próprias carreiras, mas não é por isso que ele mandar o que quiser sem antes conversar com o Congresso, sentir o clima e o ambiente. Ele seguiu a cartilha, quando decidiu chamar os líderes e conversar antes de apresentar a proposta”, complementa.

A PEC é a primeira fase do plano do governo para estruturar uma reforma no funcionalismo público. Na sequência, haverá outras duas etapas com uma enxurrada de projetos de lei ordinária e complementar para regulamentar o que vier a ser alterado pela emenda constitucional.

Muitos detalhes da reforma, portanto, ainda são desconhecidos. É o caso de salários, planos de progressão de carreira e ainda quais atividades serão consideradas de Estado – único vínculo em que estará prevista estabilidade aos novos servidores. Na avaliação dos analistas, este é outro fator que pode ajudar na tramitação do texto encaminhado nesta semana.

Por outro lado, há uma série de obstáculos que podem atrapalhar o andamento do texto no parlamento. O primeiro deles envolve a agenda cheia das duas casas e o calendário apertado, em meio à proximidade das eleições municipais. Há uma expectativa que muitos deputados apresentem candidaturas para prefeituras ou se empenhem para eleger aliados em suas bases – o que pode afetar as atividades legislativas.

Ainda com relação à corrida às urnas de novembro, vale ressaltar o incômodo de muitos prefeitos e candidatos com o tema da reforma administrativa, mesmo que os atuais servidores públicos sejam blindados das mudanças propostas.

Outra eleição que pode tumultuar o ambiente é a pela presidência das casas. Pelas regras atuais, Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre (DEM-AP) não podem disputar uma reeleição aos cargos que hoje ocupam.

Para Paulo Gama, um dos caminhos para contornar o entrave eleitoral é aproveitar o momento para avançar com os tramites regimentais da PEC, para submeter o texto à votação apenas passada a disputa pelas prefeituras e câmaras de vereadores.

Mas também há outros obstáculos na própria proposta, que devem enfrentar resistência de deputados e senadores. O texto apresentado pelo governo prevê cinco tipos de vínculos para servidores, mas mantém a regra da estabilidade apenas para cargos que considera “típicos de Estado”.

A expectativa é que o tema enfrente forte pressão de lobbies do funcionalismo público, sobretudo por não haver clareza ainda, na prática, sobre quais categorias seriam enquadradas no fim da estabilidade.

Hoje, o direito é garantido, após três anos de efetivo exercício no cargo, para qualquer servidor aprovado em concurso público, independentemente da carreira. Nunca saíram do papel, por exemplo, as avaliações de desempenho, previstas na Constituição e que agora, na estrutura prevista na PEC, terão papel central sobre a permanência dos servidores no serviço público.

Outro ponto que representa riscos é a abertura que a proposta dá para que o poder público assine “instrumentos de cooperação” com entidades públicas e privadas para a execução de serviços públicos. A redação, que dependeria de regulamentação posterior por lei, abre espaço para o uso de mão de obra da iniciativa privada, seguindo lógica similar à das Organizações Sociais.

Há dúvidas sobre como ficaria a situação de servidores sem direito à estabilidade. A proposta do governo também permite que o chefe de quaisquer outros Poderes, “em razão da obsolescência das atividades relativas às atribuições do cargo público”, poderia decretar a perda de cargo de servidores. Não há detalhes sobre a aplicação da regra, mas o texto veda o desligamento por motivação político-partidária.

“Há vários pontos de resistência que ainda vão aparecer. Conforme o texto for digerido por entidades, governos estaduais e municipais, esses pontos de divergência vão aparecer”, comenta Paulo Gama.

Fonte: InfoMoney