Explodem o contrabando e as falsificações em Goiás

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Em todo o Brasil, prejuízo em perdas de arrecadação de impostos e perdas de faturamento das indústrias nacionais e legais chega a cifra de R$ 255 bilhões

Na semana do dia 22 de agosto, um ônibus da companhia Transbrasil ocupado por três passageiros foi apreendido na BR-153, em Itumbiara, região sul do estado. O veículo estava totalmente ocupado por mercadorias vindas do Paraguai e se dirigia ao estado do Maranhão. Foram R$ 5 milhões em peças de vestuários, eletrônicos, bebidas. Poucos dias depois, outro ônibus da Transbrasil foi apreendido com grandes fardos de mercadoria ensacada que totalizavam R$ 650 mil, também com destino à São Luís do Maranhão.

Em 2020, o aumento no volume de bens falsificados apreendidos em todo o Brasil foi de 20%, segundo a Associação Brasileira de Combate à Falsificação (ABCF). O prejuízo causado pela falsificação (que inclui perdas em arrecadação de impostos e perdas de faturamento das indústrias nacionais e legais) chegou a cifra de 255 bilhões de reais.

A expectativa é de que o ano se encerre em situação ainda mais calamitosa. Apenas em Goiás, estado geograficamente estratégico para contrabandistas por ser um corredor logístico para o restante do país, enquanto em 2019 foram apreendidos R$ 80 milhões em produtos, apenas no primeiro semestre de 2020 já foram R$ 60 milhões em bens contrafeitos.

Segundo Antônio Moreira, auditor fiscal da Receita Federal: “O que nos impressionou é que este é um ano atípico na economia, por conta do isolamento social. Esperávamos a redução da economia ilegal, até porque o Paraguai ficou fechado por 60 em quarentena. Mesmo assim, produtos irregulares continuaram entrando. Aprendemos que o comércio ilegal não para enquanto a população continuar o alimentando através das compras. O lucro deles está acima da saúde.”

Receita para o fracasso
Mesmo que a Polícia Federal, Polícias Civis, Polícia Rodoviária Federal (PRF) e Receita Federal realizem o maior número de apreensões de bens falsificados e contrabandeados, há dificuldade para se conseguir acompanhar a escalada de volume de produtos ilegais que entram no território brasileiro. Tendo em vista que o Brasil tem 16.000 quilômetros de fronteiras e que apenas 24 postos de fiscalização atualmente operam para deter o descaminho, a desvalorização da fiscalização é uma das principais razões para o aumento do contrabando.

A ABCF lembra que somente no Porto de Hamburgo na Alemanha, ou e Roterdã a Holanda, aproximadamente 3.200 agentes aduaneiros realizam a fiscalização e o desembaraço dos contêineres. No Brasil, se contarmos todos os agentes aduaneiros desde Belém no Pará até Rio Grande no Rio Grande do Sul, não temos três mil agentes lotados nos Portos. “Já a Polícia Federal, sofre todos os anos com cortes orçamentários, e dessa forma, fica difícil trabalhar de forma digna e satisfatória no combate às ilegalidades”, afirma comunicado da Associação.

Rodolpho Ramazzini, advogado diretor da ABCF, destaca que os policiais e fiscais são servidores dedicados e abnegados, mas que estamos diante de uma conjuntura de fatores que não pode ser vencida apenas com valor pessoal. “Desde que começamos a atuar, em 1992, nunca enfrentamos tantos problemas. Temos a receita infalível para o fracasso: nossas fronteiras estão desguarnecidas de fiscalização; o momento de crise econômica empurra pessoas para a informalidade e ilegalidade; a alíquota tributária altíssima faz com que o produto original não seja competitivo”.

Segundo a PRF, em todo o Brasil foram apreendidos e presos no ano de 2020:

  • 1172 pessoas por contrabando ou descaminho.
  • 24 toneladas de agrotóxicos falsificados
  • 84 milhões de maços de cigarros contrafeitos
  • 395 mil ítens eletrônicos
  • 35 mil equipamentos de informática
  • 120 mil peças de vestuário

Taxado para perder
Antônio Moreira avalia que o prejuízo tributário seja equivalente a 50% do valor das mercadorias na forma de sonegação dos impostos IPI, taxas de importação, ICMS e PIS COFINS. Ou seja, Goiás poderia ter recolhido R$ 30 milhões de impostos que foram sonegados nos R$ 60 milhões em produtos contrabandeados este ano.


Rodolpho Rammazini | Foto: Reprodução / Fiesp

Olhando por outro ângulo, Rodolpho Ramazzini, que já discutiu o tema em seminários, audiências com o governo e nas demais diferentes esferas, afirma que está convencido de que a única alternativa é revisar as alíquotas para baixo. “Não estou falando em reduzir tarifas do cigarro de 70% pra 20%. Estou falando em 60%. A alíquota sobre a bebida também a torna proibitiva para o mercado, se comparado ao produto falsificado. Quanto mais alta a alíquota, mais atrativo se torna o mercado para quem entra sem pagar um centavo de imposto”, afirma Rodolpho Ramazzini.

A lógica não é simplesmente fazer o produto original competir com o falsificado, mas ganhar no volume que o produto autêntico pode atingir e que o falsificado jamais alcançará. Rodolpho Ramazzini explica: “Caso os mais prejudicados pela alíquota consigam crescer, eles podem aumentar sua competitividade. Não é uma questão moral, é questão de sair do jogo de perde perde para um de ganha ganha. Mas, para isso tem, de haver vontade política.”

Desta forma, se abster de recolher mais impostos agora para coletar impostos sobre uma indústria mais bem desenvolvida e mais competitiva depois, poderia gerar retorno 20 vezes maior no futuro, como explica Rodolpho Ramazzini. “Você investe R$ 1 milhão em fiscalização agora e deixa de tributar tanto, apenas para recolher R$ 20 milhões no futuro de uma indústria que terá condição de trabalhar e gerar empregos.”

Crise só para alguns
Enquanto a crise econômica atinge em cheio os empresários legalizados, o comércio digital ilegal apresenta um crescimento explosivo. As quadrilhas de falsificadores migraram para o ambiente virtual durante o período de distanciamento para atender melhor o seu público. Principalmente presente nas redes sociais, existe um vazio jurídico que atrapalha a responsabilização do contrabandista: plataformas sociais oferecem espaço para o e-commerce de contrafeitos, mas não são responsáveis pela mercadoria anunciada.

Comércio em funcionamento | Foto: Divulgação

Segundo pesquisa da ABCF, houve incremento de até 200% nas vendas de produtos ilegais (falsificados e contrabandeados) efetuadas através das plataformas de e-commerce, já que para muitos brasileiros, este se tornou o único meio de ter acesso e determinados produtos durante a pandemia, dada a proibição ao funcionamento do comércio formal.

A PRF informa sobre os dois ônibus da Transbrasil apreendidos: “Avaliamos que o aumento esteja relacionado a reabertura do comércio, que esteve parado por um tempo, e agora estamos em época dos comerciantes reabastecer suas lojas para o dia das crianças e para os feriados de fim de ano. Mas além disso, encontramos muitas encomendas feitas por comerciantes via internet. Eles só partem quando têm consumidores. Vêm da fronteira em Foz do Iguaçu (PR) e vão abastecer Entorno do DF, Goiás, e daqui vão para as regiões norte e nordeste.”

Em um ciclo vicioso, produtos ilegais fomentam a própria crise que faz com que a população busque bens mais baratos, livres de impostos. Dados levantados pela pesquisa da ABCF revelam que o principal mercado consumidor do país, São Paulo, é também o maior mercado afetados pela falsificação e contrabando de produtos industrializados. Seguem os estados do Paraná, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Goiás, Pará e Rio de Janeiro. Pertence à perda de postos de trabalho a maior parte do prejuízo de R$ 255 bilhões de reais gerado pelo contrabando.

Mortes por falsificação
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Fabricação clandestina de álcool gel configura crime hediondo de falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais / Foto: Reprodução

Segundo Rodolpho Ramazzini, peças contrafeitas que não causam mal a saúde são as raras exceções. “Uma peça de roupa não te fará mal. Mas uma autopeça falsificada mata. Instrumento. Instrumentos cirúrgico-hospitalar, remédios “frios”; o consumidor acha que está sendo esperto, levando o original mais barato, mas está sendo ludibriado e colocando sua família e outras em risco. Nós precisamos diminuir a demanda por falsificados por meio da conscientização da população.

Não são raros os casos de infecções ao ingerir bebidas falsificadas através de substâncias não permitidas e fora de padrões e critérios de higiene. A utilização de óculos ou lentes de contato fora do padrão de qualidade exigido, podem causar sérias lesões os olhos dos consumidores. O mesmo se aplica a produtos de higiene, limpeza, medicamentos, bloqueadores solares, preservativos, produtos cirúrgicos e hospitalares, dentre outros, extensivamente noticiados.

“As importações fraudulentas de medicamentos, instrumentos cirúrgicos e hospitalares, EPIs, respiradores e outros provenientes da China, sem qualquer comprovação de eficácia e qualidade durante a pandemia, agravam em muito o quadro já difícil que enfrentamos relacionado as falsificações, contrabando e concorrência desleal do mercado ilegal”, publicou a ABCF em comunicado.

O papel de cada um

Apreensão de fertilizantes pela PRF | Foto: Reprodução / PRF

Segundo os especialistas ouvidos, a solução para a situação passa por dois fatores. Primeiro, é importante corrigir os erros que possibilitaram que este se tornasse um ano recorde para a falsificação e contrabando: a desvalorização da fiscalização; o excesso de taxação; a falta de legislação sobre o e-commerce. Além disso, é importante que haja mais participação popular, da sociedade civil organizada, e das próprias indústrias.

Antônio Moreira afirma: “A única solução possível passa pela conscientização da população. As forças de segurança vão atuar cada vez mais pesado, usando mais tecnologia, mas se continuar havendo uma demanda tão grande, os falsificadores e contrabandistas também continuarão se modernizando. Temos de conscientizar a população que o maior prejudicado é ela mesma. Você põe em risco a sua saúde e aumenta dramaticamente o desemprego”.

Rodolpho Ramazzini comenta sobre a importância das indústrias se organizarem para coibirem a falsificação de seus produtos. “Nós damos o apoio legal, logístico, de infraestrutura, fazemos tudo para que a operação policial de apreensão de falsificados ‘saia redonda’. Esse é o papel da sociedade civil organizada. Chegamos nas autoridades responsáveis com informações processadas das empresas vítimas de falsificação, apuramos junto ao distribuidor, fazemos laudos científicos para comprovar a falsificação. A diferença entre indústrias que zelam por seus produtos e aquelas que não se importam com falsificação é sensível nas ruas.”

Fonte: Jornal Opção