Cada vez mais investidores brasileiros são atraídos por paraísos fiscais

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Empresas e investidores nacionais têm cada vez mais recursos aplicados em países que oferecem isenção de impostos. Somente nas Ilhas Cayman, são US$ 85,7 bilhões. Operações são legais, mas, muitas vezes, podem esconder atividades ilícitas

As Ilhas Cayman consolidaram-se como principal destino do capital de brasileiros no exterior desde 2014, com fluxo crescente ano a ano. Além das belas paisagens à beira de um mar da cor do céu, o imposto zerado sobre a renda é um dos maiores atrativos das três ilhas caribenhas para empresas e investidores brasileiros.

Conforme dados do Banco Central (BC), o arquipélago situado a 240 quilômetros ao sul de Cuba, com área equivalente a uma vez e meia a da cidade Washington, tem um estoque de US$ 85,7 bilhões de Investimento Direto Externo (IDE) de brasileiros. O valor equivale 17 vezes o Produto Interno Bruto (PIB) do país, estimado pelo mercado em US$ 5 bilhões neste ano. O último dado oficial que consta no CIA Factbook é de 2014, de US$ 2,5 bilhões.

O pesquisador independente Daniel Simões mapeou dados da Securities Exchange Comission (SEC), a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) dos Estados Unidos, e de governos de paraísos fiscais e encontrou centenas de empresas brasileiras dos mais diversos setores em Cayman no ano passado.

“As Ilhas Cayman são as preferidas pelos brasileiros como paraíso fiscal. Mas parece que os dados estão bloqueados agora. Antes, era mais fácil acessar as informações”, conta Simões. Ele printou o que achou nas páginas desses sites e colocou tudo no blog que leva o nome dele.

Uma das coisas que mais chamou a atenção do pesquisador foi o fato de um único banco ter mais de 200 registros em paraísos fiscais, dos quais cerca de 150 apenas em Cayman: o BTG Pactual. Entre as empresas listadas no paraíso caribenho está até a Petrobras, com um escritório simples, em um prédio comercial pequeno de três andares, por onde a estatal fez emissões de dívida.

Procurado, o BTG informou que possui uma agência nas Ilhas Cayman, e que ela é regulada por autoridades brasileiras e do país caribenho. “As demais sociedades são essencialmente fundos e veículos de investimento de clientes dessa agência”, emendou. A Petrobras disse que “não realiza emissões internacionais “através de subsidiária em Cayman desde 2012. “Todas as dívidas lá existentes foram transferidas e a empresa que realizava as emissões foi desativada em 2014. Atualmente, a Petrobras possui apenas uma subsidiária em Cayman, em fase de encerramento. Essa empresa não conduz atividades operacionais.”

Outra surpresa na lista da SEC com sede em Cayman, de acordo com Simões, foi o governo brasileiro, que emitiu bilhões de dólares em dívidas. Questionado, o Itamaraty, órgão responsável por representações governamentais no exterior, não comentou o assunto.

Investimento de brasileiros no exterior

Fluxo crescente
Dados do BC divulgados recentemente revelam que o estoque de investimentos de brasileiros em Cayman passou de US$ 67,4 bilhões para US$ 85,7 bilhões, entre 2018 e 2019, aumento de US$ 18,7 bilhões, ou 27,15%. No ano passado, o volume total de capital de brasileiros no exterior declarado à autoridade monetária somou US$ 529,2 bilhões, um recorde histórico, com alta de 7,3% em relação a 2018. No ano anterior, o montante havia encolhido 0,5%.

A Receita Federal considera paraíso fiscal todos os países onde os impostos são zerados ou possuem carga tributária abaixo de 20%. Ilhas Cayman, Barbados, Ilhas Virgens Britânicas, Luxemburgo, Emirados Árabes são alguns exemplos. A Áustria, um dos principais destinos, por ter um regime fiscal diferenciado, registrou redução de IDE, que passaram de US$ 38,6 bilhões para US$ 11,2 bilhões entre 2018 e 2019. Segundo o BC, “a maior parte da redução do estoque decorreu da mudança do país da sede de uma empresa holding”.

Os dados mostram que não é apenas o capital de brasileiros que tem deixado o país, apesar do boom de investidores na Bolsa de Valores de São Paulo (B3). Em 2019, a saída líquida de estrangeiros da B3 foi recorde, de R$ 44,6 bilhões e, neste ano, o volume da debandada já é o dobro até 26 de agosto: R$ 84,2 bilhões.

Para o coordenador da área de cooperação internacional do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Renato Baumann, o principal motivo para empresas e pessoas físicas migrarem investimentos para paraísos fiscais é “não pagar imposto”. “O resto é consequência”, afirma. Contudo, cita como exemplo o caso dos irmãos Germán e José Efromovich, donos da Avianca, que teve a falência decretada pela Justiça em julho passado. Eles tinham uma holding em uma ilhota no Oceano Pacífico, Niue, a 2,5 mil km da Nova Zelândia, como forma de proteger o patrimônio em um lugar de difícil repatriação dos bens para pagar os credores. “Outra razão para a migração de recursos para esses países é que, geralmente, esses ativos ficam protegidos no caso de falência”, explica.

 

Caixa dois
Paulo Dantas, economista e ex-presidente do Conselho Federal de Economia (Cofecon), ressalta que os paraísos fiscais, que têm renda per capita elevada abrem margem para práticas criminosas. “O paraíso fiscal é onde se abriga produto e resultado de caixa dois e de sonegação fiscal; apenas uma pequena parte da movimentação é direcionada dentro da formalidade”, afirma.

O economista Ricardo Rocha, professor de Finanças do Insper, reconhece que operações em paraísos fiscais acabaram ficando com uma mácula devido ao histórico de escândalos de corrupção envolvendo dinheiro de brasileiros. Contudo, na avaliação dele, uma operação “offshore” não é, necessariamente, ilegal. “Empresas acabam operando nesses locais também para reduzirem custos”, pontua.

Para abrir uma offshore em paraíso fiscal não é preciso ser milionário, segundo o advogado tributarista Mário Shingaki. Empresas exportadoras, por exemplo, acabam usando subsidiárias para realizar transações internacionais de forma mais ágil e barata. “É mais vantajoso do ponto de vista tributário”, explica.


Evasão
Baumann e Simões lembram que há estimativas de que o volume de evasão fiscal rumo aos mais de 100 paraísos fiscais espalhados pelo planeta gira entre US$ 600 bilhões e US$ 800 bilhões por ano. Um estudo publicado no ano passado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) mostrou que os investimentos fantasmas “somam US$ 15 trilhões, o equivalente ao PIB da China e da Alemanha combinados”. E 85% do fluxo de investimento estrangeiro direto fantasma circulam em 10 paraísos fiscais: Luxemburgo, Holanda, Hong Kong, Ilhas Virgens Britânicas, Bermudas, Cingapura, Ilhas Cayman, Suíça, Irlanda e Ilhas Maurício.

Paulo Dantas destaca que há discussões entre economistas renomados defendendo a criação de um imposto internacional para essas transações. Ele afirma que o mercado de bitcoins é um grande estimulador de evasão fiscal, porque a moeda digital não é rastreável, e, por isso, é muito usada na dark web. “Hoje, existe um volume crescente de transações com moedas digitais. Logo, elas são um importante componente especulativo que acaba justificando um grande volume de recursos enviados aos paraísos fiscais e que ainda não é possível mensurar”, alerta.

De acordo com Dantas, uma crise como a de 2009, quando bancos misturavam títulos podres com os bons, e ninguém percebia nos balanços, foi controlada porque os valores eram conhecidos. Hoje, como não se sabe exatamente o volume transacionado eletronicamente com as moedas digitais, no caso de uma crise sistêmica, os bancos centrais não terão a mesma capacidade para corrigir o problema.

Além da insegurança jurídica e da carga tributária elevada que afugentam os investidores, analistas criticam a falta de taxação sobre dividendos de ações no Brasil. Para eles, é uma contradição, porque afugenta, justamente, o capital relacionado ao desenvolvimento: o investimento produtivo, que é sobretaxado no país.

Fonte: Correio Braziliense