Proposta de unificação de impostos na reforma tributária vira pesadelo de municípios

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Secretários reclamam que reforma tributária, tal qual apresentada, tira autonomia sobre tributos municipais recolhidos

Reformas substanciais no Brasil costumam demorar a acontecer. E quando acontecem, são cercadas de debates acalorados, polêmicas e discordâncias de todas as partes. Com a reforma tributária, uma reformulação na maneira como os impostos são recolhidos no país, não seria diferente. A reestruturação dos tributos é debatida há décadas e agora, em pleno ano de pandemia, parece ter ganhado um certo fôlego para seguir adiante. Entretanto, a variedade de propostas apresentadas até agora e que ganham força no Congresso parecem convergir para um ponto que se tornou alvo de preocupação e insatisfação por parte dos municípios: a unificação de impostos.

Até o momento, três principais propostas de reforma são debatidas no Congresso. Duas do Legislativo e uma do Executivo. São elas: A PEC 45, cujo conteúdo foi elaborado pelo economista Bernard Appy e é amplamente defendida por Rodrigo Maia na Câmara; a PEC 110, discutida pelo Senado e relatada pelo senador Roberto Rocha e a proposta do ministro da Economia, Paulo Guedes, que parece ser entregue “por camadas” ao Congresso.

Ao que parece, a proposta do Executivo, na figura de Guedes, é a que tem levantado mais polêmicas até agora. O ministro quer recriar a impopular Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira, a CPMF, e defende o novo tributo para compensar o fim da contribuição previdenciária patronal de 20% sobre a folha de salários. O titular do Ministério da Economia alega que essa seria a solução para criar empregos, reduzir a informalidade e que o novo imposto “seria moderno, de caráter digital e difícil de ser sonegado”.

O presidente da República, Jair Bolsonaro, que antes era reticente quanto à ideia da reedição da CPMF, agora sinaliza ter cedido. Em uma conversa recente relatada à Folha de São Paulo, o presidente teria dito que o ministro Guedes pode voltar a testar o apoio ao tributo nas eventuais tratativas com os parlamentares. Entretanto, nos bastidores comenta-se que o presidente reconhece que dificilmente o novo imposto terá endosso do Legislativo.

Conforme Guilherme Afif Domingos, assessor especial do Ministério da Economia, ainda no “bolo” de propostas para reformar a tributação que será apresentado pelo ministro, estão o aumento do limite de isenção do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF); a redução das deduções; uma alíquota maior para os mais ricos; e também a taxação de transações financeiras a fim de desonerar as folhas de pagamento.


Entre as mudanças estão o aumento da faixa de isenção (dos atuais R$ 1.903,99 por mês para cerca de R$ 3 mil); redução nas deduções (atualmente há deduções por despesas médicas, por dependentes e por despesas educacionais); diminuição da alíquota de 27,5% (atualmente, a mais alta); criação de uma alíquota maior para os mais ricos; e retomada da cobrança de imposto sobre a distribuição de lucros e dividendos para as pessoas físicas, que existia até 1996.

Porém, mesmo com pontos que se distinguem das propostas do Legislativo, o projeto de reforma de Guedes traz um tópico em comum com elas: a unificação de tributos para a criação de outro. Enquanto a ideia do ministro é a de unificar o PIS e Cofins na chamada Contribuição de Bens e Serviços (CBS), a PEC 45 pende para a unificação em um só imposto de três tributos federais (PIS, Cofins e IPI), um estadual (ICMS) e um municipal (ISS), com a ideia de criar um único imposto sobre bens e serviços. Já a PEC 110 prega a criação de um tributo que substitui nove. A proposta que está no Senado atinge IPI, IOF, PIS/Pasep, Cofins, CSLL Salário-Educação, Cide-Combustíveis. Da alçada estadual, surge o ICMS na PEC 110. E da parte dos municípios vem o ISS.

É justamente essa fusão de impostos apresentada comumente nas três propostas analisadas pelo Congresso que não convenceu os secretários da Fazenda dos Municípios. Para eles, muita coisa precisará ser mudada.

“Nossa visão realmente não é favorável”, diz Danillo Garcia sobre reforma
O secretário de Finanças do município de Senador Canedo, Danillo Garcia Camargo, é um dos que vê as propostas em debate no parlamento com insegurança. Segundo Camargo, a maneira como as mudanças foram expostas aos municípios passa a ideia de retirada de autonomia dos municípios.

“Nós temos receio pela forma como foi apresentada. O município fica com um certo grau de dificuldade naquilo que ele faz. Temos uma dependência dos recursos estaduais e federais e, agora, nesse momento, começar a depender de tudo da União é algo que deixa a gente não só de mãos atadas, mas de mãos, pé e olhos atados”, desabafa.

O secretário avalia que a questão tributária tem pontos característicos e singulares de cada município. Para ele, cada região “conhece a realidade de cada setor e cada empresa”. Camargo acredita que as propostas de reforma tributária, tais quais apresentadas, delimitam o que “os municípios tomam conta”, uma vez que envolve a fusão de impostos municipais, e é categórico ao afirmar que deseja que a reformulação tributária não seja concebida do jeito que está sendo ponderada.

“Nossa visão realmente não é favorável. Nosso desejo é que não saia [a reforma]. Ir em Brasília captar recursos tem uma certa dificuldade. Agora, naquilo que nós delimitamos, que tem uma receita, uma variável muito boa, que são os tributos municipais, ser tirado da gente é complicado… Nós temos uma secretaria que fica só por conta disso”, conclui.

O titular das Finanças de Senador Canedo não é o único que está reticente quanto às mudanças apresentadas até agora pelo Congresso e Executivo. O secretário de Aparecida de Goiânia, André Luis Rosa, é outro que considera que os municípios sofrerão grandes prejuízos com o que foi proposto até agora.

De acordo com André, as preocupações de Aparecida se voltam para o setor de serviços que será um dos grandes afetados. O secretário explica que esse setor é o que tem a menor alíquota, que varia entre um mínimo de 2% e um máximo de 5 a 6% em alguns municípios. Na proposta de Guedes, a alíquota passaria para 12%.

“No caso de Aparecida, onde você tem ISS variando entre 3%, automaticamente uma empresa teria um aumento de mais de 500% de seu imposto sobre serviço. O setor de serviços não tem cumulatividade. O prestador de serviços, como a rede hoteleira, o restaurante, o professor, a manicure, não tem uma cadeia de prestação de serviço. O imposto dele é no topo. Não tem o que descontar para trás. O impacto na rede de serviços vai ser muito grande”, expõe.

André adianta que, em Aparecida de Goiânia, dois tipos de serviços seriam amplamente atingidos pela reforma: os planos de saúde e o educacional. Os usuários podem, segundo o secretário, migrar para os planos públicos devido ao aumento da alíquota repassada à ponta, o que geraria uma sobrecarga. “Nós teríamos uma massa de pessoas que hoje estão nas escolas particulares ou nos planos de saúde que deixariam esse serviço e migrariam para o poder público. Prioritariamente para o município”, arremata.

Para secretária, reforma não seria “um bom negócio” para Goiânia
Em Goiás, não são apenas os municípios da Região Metropolitana que estão insatisfeitos com o que foi proposto até agora pelos poderes Executivo e Legislativo. A secretária de Finanças de Goiânia, Zilma Peixoto, também rejeita a tese que a reforma tributária como está poderá trazer benefícios.

Zilma parte do princípio de que os tributos que serão unificados nas propostas pesam muito para os municípios, principalmente o ISS. De acordo com a secretária, o ICMS representava uma boa parte da tributação recolhida por Goiânia, mas o crescimento dos serviços na capital fez com que o ISS se tornasse o que ela chama de “imposto do futuro”. Com a fusão dos tributos, a secretária questiona: como será feita a divisão?

“É claro que a gente ainda tem que olhar isso com mais profundidade. O governo fala que vai unificar esses tributos, depois vai fazer um repasse do percentual do todo. Mas a gente não sabe, não fez uma conta ainda do quanto será esse todo e se esse percentual vai cobrir o que o município arrecada hoje em termos de ISS. Porque o ISS arrecadado hoje é todo do município”, relata.


A titular de Finanças da capital de Goiás critica uma suposta retirada de autonomia do município na lida com os impostos recolhidos. Para ela, os moldes propostos na reforma até agora seriam adequados apenas para os pequenos municípios, não para uma cidade como Goiânia. “Para Goiânia não seria um bom negócio. Uma coisa é viver de repasse [da União], outra é ter um imposto que é seu e que você tem autonomia. Para um Município menor, que tem dificuldade de ter uma estrutura de arrecadação, pode até ser bom. Mas para Goiânia, que tem competência para arrecadar, que tem estrutura para isso, não é o melhor”, diz.

Zilma apontou para falhas na reforma alvo dos debates e afirmou que a solução para um recolhimento justo e eficaz de impostos vai em outra direção. A secretária de Goiânia defende a implantação ampla de impostos progressivos, o que, segundo ela, traria “justiça fiscal” para a população.

“O Executivo e o Legislativo precisam entender que hoje a gente coloca 80% da carga tributária em impostos regressivos. Eu pago mais imposto com relação à minha renda, e o outro que tem muito mais renda paga igual. E a gente sabe que precisa trabalhar nisso, na questão dos impostos progressivos. Eu preciso dar mais imposto àquele que tem mais renda. Isso é o que pode mudar a situação tributária no País. É uma justiça fiscal. Agora, mexer, unificar, tirar autonomia de Município, a princípio a gente não vê com bons olhos para Goiânia, que tem uma capacidade de fazer uma gestão tributária”, reitera.

Proposta de Guedes é tímida mas soluciona imbróglios judiciais, aponta tributarista
Em entrevista ao Jornal Opção, o advogado tributarista Simon Riemann explicou pontos alvos de polêmicas nas propostas de reforma tributária apresentadas até agora, sobretudo nos projetos do Poder Executivo. Riemann se referiu à proposta de Guedes como uma “minirreforma tímida”, mas que pode ser efetiva em certos pontos.

O advogado também esclarece a questão da mudança de tributação sobre o setor de serviços e menciona o aumento da alíquota para 12%, mas deixa exposto que a proposta de Guedes pode ser benéfica em alguns pontos, como a diminuição de disputas judiciais em razão de uma legislação tributária mais clara e elucidativa

Confira:

Como é o projeto do Paulo Guedes? Podemos chamar de reforma? O que vem a ser ele?
É uma minirreforma, digamos assim. Não é uma mudança ampla, mas é uma mudança pontual em uma área muito sensível. Eu acho que o critério foi dois tributos que são o PIS/Cofins, que são extremamente complexos e que geram um litígio muito alto. Eu acho que eles estão fazendo uma reforma possível. Porque uma reforma mais ampla demanda do engajamento dos Estados, e eu tenho dúvidas que eles tenham nesse momento.

O que foi apresentado pelo Paulo Guedes no Congresso, que é essa junção que eles estão chamando de CBS, Contribuição sobre Bens e Serviços, juntando PIS/Cofins, só esses principais tributos federais, já são questões que estão abarcadas em reformas mais amplas, que são a pec 45/19 na Câmara, e a PEC 110/19 no Senado. Por que apresentar uma nova proposta se já se tem discussões mais amplas no congresso, que já discutem, inclusive essa parte?
Eu acredito que eles não devem ter sentido uma adesão no Congresso para uma reforma mais ampla. Uma das propostas cria o chamado imposto sobre valor agregado e que alcança tributação sobre o consumo inclusive estadual e municipal.

Mas essa não é a do governo, mas sim a que já está em discussão no Congresso.
Isso, essa já está em discussão no Congresso. Eu acredito que deve ser uma leitura política deles que deveria fatiar a reforma para tentar passar por etapas. Então eu imagino que eles não devem ter sentido uma adesão em relação às outras propostas que são mais amplas. Imagino que seja isso, especificamente. Acho que eles estão pegando de forma pontual, ir enfrentando, para depois tentar acoplar os outros tributos.

Teve uma outra questão desse texto pequeno que o Ministério da Economia apresentou, que gerou muita polêmica, que é o aumento da alíquota justamente incidente sobre a questão dos serviços. Como o setor está vendo isso? Que repercussão tem o aumento da alíquota?
O PIS/ Cofins hoje tem duas hipóteses de regime: uma é o cumulativo, que você simplesmente tributa a sua venda, 3,65%, e o outro regime é o chamado não cumulativo, em que você tem crédito em relação ao que você compra. Exemplificando: se eu sou um supermercado, eu compro determinando item para revenda e gasto mil reais para a compra de um item. O que tributou na operação de compra eu vou abater na tributação de venda. Esse é o regime não cumulativo.

Qual é a grande questão dos serviços? Eles têm pouco crédito. Então imagine um escritório de advocacia, a margem de lucro é mais alta porque eu gasto com o pessoal que trabalha no escritório, mas não tem gastos com insumos, com nada. Então se eu passo por um regime não cumulativo, aumentando a alíquota no meu faturamento e gerando um direito a crédito, eu pago muito porque eu vou ter pouco crédito. Quase não tem o que gerar crédito pra mim.

Já uma indústria é o contrário. Pense num laticínio que fatura milhões, a margem de lucro dele é muito pequena, 4%, 3%. Ele tem muita tributação na venda, mas tem muito crédito porque ele compra coisa demais. Então historicamente, os serviços no regime atual não vão para o PIS/Confins não cumulativo. O não cumulativo hoje, a alíquota é de 9,25% contra 3,65% do cumulativo. Vai tudo pra 12%, com crédito e tudo. Obrigou tudo mundo a ir para um regime não cumulativo e com direito a crédito.

Um dos pontos que está sendo elogiado desse novo texto apresentado pelo Paulo Guedes ao Congresso é a questão de que a base de cálculo, mesmo subindo para 12% da alíquota desses dois impostos federais unificados na CBS, está bem explicada no texto, o que deixa a coisa mais clara. É isso mesmo que está acontecendo? Como isso fica mais claro?
Fica mais claro na medida em que coloca a base de incidência, que foi colocado bem claramente sobre o que vai incidir e colocou bem claramente o que vai dar crédito. Então todas as requisições geram crédito, inclusive compras de empresas do Simples Nacional. Então esse direito amplo de crédito facilita muito.

O PIS/Cofins hoje tem um regime muito estranho pelo seguinte: um regime é o imposto da pessoa jurídica, então a pessoa faturou e pode descontar tudo o que ela gasta até encontrar o lucro dela. Isso é um regime. Um outro regime é o do IPI, em que você paga imposto sobre o que você industrializa e gera crédito sobre o que vai na industrialização. O PIS/Cofins incide sobre todo o seu faturamento, mas a interpretação é que nem tudo o que você usa para faturar te dá crédito. Você fica numa situação esdrúxula. Tem decisões inclusive do STJ invalidando as interpretações da Receita Federal.

As notas fiscais vão trazer obrigatoriamente o valor da contribuição que incidiu e você se apropria disso. Então é preto no branco.

Isso diminui disputa judicial?
Diminui. Porque hoje os documentos não destacam o valor do PIS/Cofins. Você calcula em cima da sua compra, não do que foi pago, por quem vendeu. É um regime um pouco diferente. Tem o lucro presumido e o lucro real. Cumulativo e não cumulativo. Vamos supor que tem uma empresa que está no regime que gera direito a crédito e compra de alguém que não está no regime de direito a crédito. Aquele que vendeu, um prestador de serviço, um escritório que prestou serviço pra uma grande indústria, ele paga 3,65%. Mas a indústria vai tomar crédito em cima de 9,25%, que é o valor dela. E tem situações que você não sabe se gera ou crédito ou não e isso gera muita discussão.

Fonte: Jornal Opção