A nova prática do direito tributário

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O fato do direito tributário sofrer constante renovação e evolução é premissa já sabida. O que destoa, contudo, é a profundidade das mudanças que a prática da área passou e tende a enfrentar no futuro

O fato do direito tributário sofrer constante renovação e evolução é premissa já sabida. O que destoa, contudo, é a profundidade das mudanças que a prática da área passou e tende a enfrentar no futuro, muito em função da velocidade das transformações sociais e profissionais por qual passou o mercado.

Há aproximadamente dez anos, a área já era considerada seara dinâmica que pressupunha, além do conhecimento técnico da mutante legislação e jurisprudência fiscal, fundamentos em outros segmentos do próprio direito, tais como direito societário, imobiliário e internacional, além de sólidas noções em contabilidade e idiomas estrangeiros.

Nessa década, que ficou para trás, a prática do direito tributário era principalmente materializada por extensos memorandos, defesas administrativas e judiciais, densidade essa que se justifica parte em virtude da complexidade da matéria e parte pela cultura jurídica arraigada nos profissionais do ramo.

A prática tributária de hoje, que corre o sério risco de já estar depreciada amanhã, passa por uma desconstrução que começa pela forma. A maioria das demandas que no passado tinham espaço para intermináveis pareceres, atualmente se resumem a ágeis, sintéticas, mas, ao mesmo tempo, fundamentadas trocas de e-mail, algumas com prazos de poucas horas para serem respondidas e que a rigor envolvem diversas áreas da companhia, tanto no Brasil quanto no exterior. Esse fato faz com que automaticamente a linguagem dos profissionais tenha que ser a mais universal e homogênea possível.

Na parte contenciosa, a legislação tributária e os múltiplos princípios constitucionais precisam ser sintetizados em uma inteligível e enxuta peça, a qual de preferência deve conter fluxogramas que literalmente desenham a operação ao magistrado, sob pena do pedido do contribuinte ser analisado sem a profundidade que merece diante da enxurrada de novos processos recebida pelo Judiciário diariamente. Pode soar paradoxal, mas a boa prática contenciosa tributária demonstra que a extensão da escrita pode levar a uma análise superficial ou que no mínimo se distancia do cerne da questão que se pretende discutir.

Além das questões de materialização do tributário no dia a dia, diversas são as novas competências exigidas dos profissionais que lidam com o tema. A começar pela interação com todas as áreas da sociedade empresária, sejam elas negociais ou jurídicas.

Muitas vezes é impossível se estipular um plano de stock option de expatriado sem se pensar de forma conjunta nas consequências fiscais, previdenciárias e trabalhistas, tanto para a sociedade quanto para o expatriado, sem, entretanto, deixar de interagir com a área de recursos humanos para que se mantenha a finalidade (e atratividade) do plano que se pretende instituir. É igualmente impossível nesse exemplo não levar em consideração aspectos de consistência que devem ser informados ao Fisco em diversas declarações acessórias, no Brasil ou no exterior.

Outro ponto e que parece ser um dos mais sensíveis na relação dos advogados com as sociedades diz respeito a imergir no negócio do cliente em suas mais diversas perspectivas e peculiaridades. Essa prática pressupõe não só o profundo entendimento e conhecimento do negócio do cliente em si, mas também a assunção do pressuposto de que o advogado também faz parte direta na condução do negócio. A conduta condiz com a aplicação de princípios que já são ensinados em muitas faculdades de direito estrangeiras, como o cost benefit analysis.

Por meio de tais princípios, os advogados contratados pelas sociedades, na tomada de decisão, devem se amparar em aspectos que extrapolam o técnico e levar em consideração se do ponto de vista econômico determinada operação ou até mesmo proposta de honorários faz sentido. Não raro grandes multinacionais planejam a construção de plantas incentivadas sem levar em consideração que tais benefícios podem ser tributados, ou, ainda, sem levar em conta que contratar um terceiro independente pode flexibilizar a sua tributação e não comprometer o seu fluxo de caixa.

Não menos relevante, o aplicador do direito tributário deve ainda planejar todos os vieses políticos que determina qual a medida que irá tomar e ter a sensibilidade de mensurar os riscos de determinadas operações de acordo com o perfil do cliente e com o órgão fazendário envolvido. Não há mais margem para um planejamento que envolve a seara fiscal sem levar em consideração pelo menos uma dezena de elementos econômicos, jurídicos e até subjetivos.

Assim, a prática do novo direito tributário, assim como tendência observada em outros tantos ramos do direito, tende a ser cada vez mais multidisciplinar e exigir do profissional diversas novas competências e estilos de atuação. Um verdadeiro desafio para os profissionais recém-saídos do distante mundo acadêmico, e, ainda, para aqueles profissionais que apostaram na extrema segmentação e fragmentação das práticas jurídicas e tributárias como unidades autônomas e independentes.

 

 

 

FONTE: VALOR ECONÔMICO