OPINIÃO: Tema 633 do STF: a não cumulatividade do ICMS segue critério do 'crédito físico'

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Em 7 de novembro, o STF concluiu o julgamento do RE 704.815/SC

Em 7 de novembro, o STF concluiu o julgamento do RE 704.815/SC, em repercussão geral (Tema 633), no qual se discutiu a possibilidade de creditamento de ICMS na aquisição de “insumos (bens de uso e de consumo)” [1] empregados na produção destinada à exportação.

No caso que deu origem ao recurso, o contribuinte impetrou mandado de segurança para ver reconhecido, a partir da EC 42/03, e na proporção de suas operações de exportação, o direito de aproveitar créditos de ICMS relativos às mercadorias destinadas ao uso e consumo de seu estabelecimento, ainda que não se incorporassem fisicamente ao produto exportado (lubrificantes, peças de reposição de máquinas etc).

A decisão do STF teve dois capítulos: no primeiro, por unanimidade, foi reafirmada a regra geral de que a não-cumulatividade do ICMS segue o regime do crédito físico, pelo qual somente os bens que integram fisicamente o produto final dão ensejo ao creditamento, e não o do crédito financeiro, segundo o qual qualquer insumo utilizado na produção poderia ser imediatamente creditado. No segundo capítulo, por maioria, o tribunal decidiu que nem mesmo na cadeia de exportação cabe aproveitamento de créditos de mercadorias que não se incorporam ao produto final.

Esta divisão de capítulos, verificada em todos os votos, tem razão de ser: para julgar o caso concreto relacionado à exportação, era indispensável enfrentar questão prejudicial acerca da regra geral do creditamento de bens não incorporados ao produto final — até porque, caso o direito ao “crédito financeiro” já existisse na Lei Kandir desde 1996, nenhum sentido haveria em tentar extraí-lo diretamente da Constituição a partir da Emenda 42/03.

Do voto do ministro Dias Toffoli, relator do caso e vencido apenas quanto às exportações, extrai-se que “a não cumulatividade está relacionada com o regime do crédito físico”. O crédito financeiro seria, em verdade, um benefício fiscal, defluindo daí a reserva legal e a liberdade de conformação do legislador complementar.

O ministro Gilmar Mendes, abrindo divergência apenas quanto às exportações, consignou haver “confortável consenso doutrinário e jurisprudencial (…) no sentido de que a CF/88 adotou a técnica do crédito físico, e não a do crédito financeiro”, bem como que essa sistemática não foi alterada, seja com a Lei Kandir, seja com a edição da EC 42/03. Ademais, apontou que a vedação à tomada de crédito sobre aquisições de bens não incorporados ao produto final não implica em violação ao princípio da não-cumulatividade, já que “se o bem é consumido no processo de produção da mercadoria, não haverá cumulatividade de incidências”, embora possa haver repercussão econômica.

Após pontuar a possibilidade de o legislador infraconstitucional estipular regime excepcional de aproveitamento de créditos financeiros, destacou o ministro Gilmar Mendes que essa escolha já se encontra nos artigos 19, 20 e 33 da lei. Ressalvou, contudo, que o legislador complementar, “sopesando princípios e metas socioeconômicas e políticas”, e em que pese a “compreensível impaciência” dos contribuintes, tem periodicamente revisitado a data de início da sistemática de aproveitamento de créditos financeiros, atualmente adiada para 2033. Esta regra não pode ser alterada por interpretação judicial, “cabe[ndo] ao Supremo atuar com cautela e com deferência à capacidade institucional dos demais Poderes quanto às soluções encontradas, tendo em vista a elaboração e implementação de políticas públicas de alta complexidade e elevadas consequências socioeconômicas”.

Por fim, o ministro Alexandre de Moraes também reafirmou a jurisprudência do STF, sedimentada no Tema 346 e nas ADIs 2.325, 2.383 e .2571, no sentido de que o modelo constitucional de compensação do ICMS e o seu regramento na Lei Kandir é o do crédito físico, mesmo para os “insumos (bens de uso e de consumo)”.

Com este julgamento, foi superado o entendimento do STJ consolidado no EAREsp 1.775.781/SP, julgado dias antes, em 11 de outubro de 2023.

Naquele caso, o Estado de São Paulo havia negado creditamento de ICMS sobre produtos intermediários como pneus, facas, martelos, correntes, rotores de bomba, válvulas, tela para filtragem, lâminas raspadoras, óleos, graxas e outros petrechos usados no corte da cana-de-açúcar ao fundamento de se tratarem bens usados no processo de industrialização, ou seja, que se desgastam pelo seu uso constante e não se incorporam aos bens produzidos pela empresa. Logo, ficariam sujeitos à limitação temporal do artigo 33, I da LC 87/96.

Ao STJ, o contribuinte defendeu que teria direito ao crédito imediato porque “tais produtos não são bens de uso ou consumo do estabelecimento, mas efetivamente usados e desgastados na atividade que representa o objeto social da empresa: produção de etanol, açúcar e energia elétrica”.

A 1ª Seção do STJ, solucionando dissídio entre as turmas, concluiu que “revela-se cabível o creditamento referente à aquisição de materiais (produtos intermediários) empregados no processo produtivo, inclusive os consumidos ou desgastados gradativamente, desde que comprovada a necessidade de sua utilização para a realização do objeto social da empresa – essencialidade em relação à atividade-fim”. Nos termos do voto da relatora, ministra Regina Helena Costa, “a esse creditamento, não incide a limitação temporal do artigo 33, inciso I da LC 87/1996. A regra diz respeito ao crédito de ICMS de mercadorias destinadas ao uso ou consumo do estabelecimento, cujo crédito só pode ser aproveitado a partir de 2033″.

Já o ministro Herman Benjamin consignou que “a Lei Complementar n. 87/1996, em relação à disciplina legal anterior, ampliou as hipóteses de creditamento de ICMS, permitindo a compensação concernente à aquisição de produtos intermediários empregados no processo produtivo, ainda que não ocorra: (i) o consumo imediato e integral do item; (ii) bem como a integração física ao produto”.

Bem analisado o cenário, a conclusão firmada pela 1ª Seção do STJ está em sentido diametralmente oposto à jurisprudência do STF, sobretudo às teses vinculantes fixadas nos Tema 633, 346 e ADIs 2325, 2383 e 2571.

A uma, porque todos os votos no Tema 633 reportaram-se direta e textualmente ao regramento da Lei Kandir, especialmente ao diferimento dos créditos financeiros pelo artigo 33, I. Eventual insistência na tese de que a Lei Kandir modificou o critério de creditamento esvaziaria o julgamento do Tema pelo STF.

Em segundo lugar, uma vez decidido pelo STF que as operações de exportação estão sujeitas ao crédito físico, a adoção do crédito financeiro para as operações internas criaria insustentável incongruência sistêmica, porque as operações internas teriam carga tributária menor do que as de exportação, criando injustificada distinção entre contribuintes e violando a própria cláusula de imunidade das exportações.

Finalmente, da análise dos votos do Tema 633 e demais precedentes do STF, conclui-se que:

– a não-cumulatividade de ICMS segue o regime de crédito físico, que exige a integração física do bem intermediário àquele objeto da saída;

– crédito financeiro é benefício fiscal, regime excepcional sujeito à reserva legal e interpretação estrita;

– não cabe ao Poder Judiciário ampliar o direito de crédito pela via da interpretação, a partir de qualificações não previstas pelo legislador;

– são válidas as limitações à compensação de créditos de ICMS relativos a bens adquiridos para uso e consumo no estabelecimento do contribuinte, independentemente de sua relevância, essencialidade ou pertinência com a atividade.

[1] As aspas são do voto do ministro Alexandre de Moraes. A correspondência entre as expressões “bens de uso e consumo” e “insumos” aparece também no voto do ministro Gilmar Mendes e na ementa do acórdão recorrido, afastando possível objeção de que o STF não teria tratado dos “insumos”. Esta expressão, aliás, não existe na LC 87, embora seja frequentemente empregada na tentativa de excluir determinadas mercadorias da categoria dos bens de uso e consumo do estabelecimento — esta sim prevista em lei.

Fonte:https://www.conjur.com.br/2023-dez-27/tema-633-do-stf-a-nao-cumulatividade-do-icms-segue-o-criterio-do-credito-fisico/ , Por Marcos Bueno Brandão da Penha; Vitor Paiva Fiorindo; Thiago Henriques Soares