OPINIÃO: Uma alternativa à inadequada reforma tributária aprovada

Últimas Notícias
Em 7/7/2023, a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Emenda Constitucional (PEC) n° 45/2019

 Em 7/7/2023, a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Emenda Constitucional (PEC) n° 45/2019, alterando profundamente o sistema tributário brasileiro. A aprovação não foi precedida de qualquer debate concreto acerca das mudanças e impactos na economia. A maioria dos deputados nem ao menos teve acesso ao texto final votado (muito diferente do original de 2019), apenas ao relatório.

A lenta implementação das alterações propostas, até 2033, serviu como justificativa para a votação não embasada em planilhas e gráficos sobre a arrecadação de cada espécie tributária, atual e futura, como seria de se esperar diante de tão grande mudança.

Contudo, a EC atendeu a um sentimento coletivo quanto à necessidade de reformar o sistema tributário brasileiro, que é avaliado pelo Banco Mundial e outras entidades como o mais complexo do mundo [1].

 

Embora a carga tributária nacional esteja na média da OCDE [2], um terço do PIB, nosso sistema tributário tem quatro distorções que devem ser enfrentadas por qualquer reforma:

1) A principal, é o acúmulo de quatro tributos sobre a produção e a circulação de mercadorias (PIS, Cofins, IPI e ICMS [3]), que atrapalha a industrialização e o desenvolvimento em geral.

A reforma aprovada instituiu dois tributos principais, sendo uma contribuição federal sobre bens e serviços (CBS) e um imposto estadual sobre bens e serviços (IBS). Porém, a complexidade se manteve por meio da criação de uma infindável variação de regimes e alíquotas para ambos. Em complemento, a reforma ainda criou mais duas espécies tributárias: Um imposto federal seletivo (IS) [4] sobre mercadorias potencialmente perniciosas e um tributo estadual sobre matérias primas e produtos primários.

Ou seja, manteve os quatro tributos, mudou nomes, complicou o sistema e ainda aumentou a carga em razão das altas alíquotas do IBS/CBS.

Além disso, representa um retrocesso em matéria de eficiência ao esvaziar a substituição tributária sobre a venda interna da maioria das matérias primas e produtos primários. Hoje, o ICMS e o IPI incidentes sobre tais operações são frequentemente substituídos pela tributação concentrada na etapa industrial, o que facilita a fiscalização e a tarefa contábil dos pequenos empresários, sejam fornecedores ou clientes das indústrias.

2) Outro problema do nosso sistema é a grande carga tributária sobre a folha salarial, desestimulando a geração de empregos e, em consequência, o crescimento da economia. Os encargos salariais, associados à habitual hostilidade da Justiça Trabalhista às empresas, constituem parcela significativa do chamado risco brasil [5]. A reforma não toca nesse aspecto fundamental.

3) A legislação tributária privilegia os altos ganhos por meio da isenção de Imposto de Renda (IR) sobre dividendos, sendo o Brasil o único país com economia significativa que os isenta [6]. Por outro lado, pune os mais pobres com uma faixa de isenção de IR muito baixa, que hoje equivale a dois salários mínimos (SMs), menos da metade da faixa de isenção de cinco SMs vigente no começo de 2003.

A reforma aprovada posterga o fim da isenção do IR sobre dividendos (sem prazo definido) e não toca na progressividade do IR para pessoas físicas, o que evidencia não estar voltada a distribuir a renda. Mais uma vez, foi escolhido o caminho simples e injusto, que é aumentar a tributação sobre a produção e consumo, que afeta toda a população e gera desemprego.

4) A reforma manteve a longa lista constitucional de privilégios, o exaustivo detalhamento textual e até a inclusão de alíquotas, o que faz da nossa Carta Magna a mais extensa e confusa do mundo na matéria [7].

A inclusão na nossa Constituição de regras que nos demais países estão nas leis complica o sistema e faz com que a maioria das questões tributárias sejam, simultaneamente, legais e constitucionais. Em consequência, sofremos com constantes mudanças de entendimento jurisprudencial tanto no Superior Tribunal de Justiça (STJ) quanto no Supremo Tribunal Federal (STF), o que gera insegurança jurídica e desestímulo aos investimentos.

A lista de privilégios constitucionais diferencia o Brasil de todos os demais países [8] e desmoraliza a construção principiológica do Direito Tributário, pois se a sociedade confiasse na capacidade indutiva dos princípios tributários, como a capacidade contributiva, não precisaria excluir incidências e estabelecer privilégios na Constituição [9].

As altas alíquotas da CBS e do IBS (este em torno de 25%) produzirão um grande aumento da carga tributária [10] especialmente sobre os serviços, que é o setor que mais gera empregos proporcionalmente às receitas obtidas. Além do aumento, o convívio do novo sistema com o atual entre 2026 e 2033 produzirá um caos contábil nas empresas.

Acresça-se que a sempre complexa não-cumulatividade trará transtornos aos prestadores de serviços, acostumados a pagar Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) de 2 a 5% sobre a receita bruta, sem abatimentos. Em sua maioria, estão despreparados para o acréscimo burocrático e o aumento de carga que surgirá e quase nada poderão abater em relação aos seus insumos. O efeito será o aumento dos preços, o fechamento de milhares de empresas de prestação de serviços e a concentração econômica nas respectivas áreas (que gerará mais aumento de preços).

A reforma tributária aprovada também peca por desrespeitar o federalismo ao absorver uma parcela da competência normativa e fiscalizatória dos estados em relação à circulação de mercadorias. Em sentido oposto, a Constituição estabelece como cláusula pétrea o respeito ao Federalismo [11], que tem como um dos seus pilares a autonomia dos estados e municípios para regularem seus tributos.

Essa competência local é o padrão em países federais bem-sucedidos, como Estados Unidos, Alemanha e Áustria. Neles, não há interferência do governo federal e cada estado regula os tributos sobre a circulação de acordo com a sua característica, o que permite a multiplicação e o compartilhamento de experiências.

A solução paliativa proposta pela emenda é a criação de um Conselho Federativo, que absorverá competências locais e esvaziará ao Senado. O oposto do federalismo.

Habilmente, a proposta de reforma aprovada ratificou soluções que já existem como se fossem novidades, para encorpar o projeto. Algumas se resumem a contornar a jurisprudência restritiva do STF, como o retorno do IPVA para aeronaves e embarcações [12] e a cobrança do ISS no local da prestação dos serviços [13], o que pode ser resolvido por negociação e correção da legislação.

Entre as falsas novidades estão: a destinação gradual do ICMS ao estado onde está localizado o consumidor (já regulada na EC n° 87/2015, e Lei Complementar n° 190/2022); a isenção de tributos sobre as mercadorias componentes da cesta básica (que existe há décadas); a progressividade no IPTU e no ITCMD [14]; e a variação de alíquotas do IPVA em razão da poluição produzida pelo veículo, já praticada por vários estados.

Os maiores problemas do sistema tributário brasileiro não decorrem dos tributos estaduais e municipais, mas das duplicidades federais. A Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSL) duplica e complica o IR das pessoas jurídicas, além de importar em fraude à determinação constitucional de partilha da receita do IR com estados e municípios; o IPI invade grande parte da competência estadual para tributar a circulação de mercadorias; o PIS e a Cofins incidem sobre a mesma receita bruta.

É muito mais simples resolver esses problemas por LC do que estabelecer uma série de complicadíssimas novidades por meio de EC, que demandará uma nova LC para ser aplicada.

Em resumo, a reforma tributária aprovada pela Câmara aumenta muito a carga tributária, inviabiliza o setor de serviços, mantém a complexidade do sistema tributário e desrespeita o federalismo.

Além disso, não diminui a litigiosidade porque mantém os fatores complicadores, como a não cumulatividade, o detalhamento extremo do sistema tributário constitucional e a grande variação de incidências em razão do tipo de mercadoria ou serviço. E ainda transfere uma parte da fiscalização da indústria para os pequenos contribuintes, o que multiplicará a sonegação e os consequentes litígios.

Proposta de reforma tributária por LC
Uma reforma tributária viável, simples e eficiente pode ser feita por lei complementar e não precisa desrespeitar o federalismo nem ampliar a carga tributária. A proposta que segue considerou as informações disponíveis no site da receita federal em julho de 2023 [15].

1) O primeiro passo deve ser a unificação da Cofins e do PIS, por meio da extinção do PIS/Pasep e elevação compensatória das alíquotas da Cofins para 5% (cumulativa) e 10% (não-cumulativa).

Essas alterações simplificariam a tarefa dos contribuintes e ainda trariam um ganho anual de cerca de R$ 40 bilhões (levando em conta a receita de R$ 406 bilhões de PIS/ Pasep/Cofins em 2022) [16].

2) Paralelamente à elevação da alíquota da Cofins (subordinada à anterioridade nonagesimal [17]), viria a extinção da isenção de IR sobre dividendos (anterioridade anual [18]), que traria um ganho anual médio de até R$ 30 bilhões por ano [19].

3) A partir do fim da isenção do IR sobre dividendos, seria reduzida a alíquota da contribuição previdenciária patronal de 20 para 15%. Esta fundamental redução impulsionaria a geração de empregos. A perda de arrecadação anual seria de cerca de R$ 90 bilhões, levando em conta o valor obtido com as contribuições previdenciárias em 2022 [20].

O ganho decorrente da elevação da Cofins, somado ao do IR sobre dividendos, compensaria setenta desses noventa bilhões. A compensação restante (20 bilhões) poderia vir da elevação da alíquota de contribuição dos empregados para 15% (hoje está entre 8 e 11%), com simultâneo aumento salarial para compensar esse acréscimo.

O aumento de arrecadação seria de cerca de R$ 70 bilhões, restando pelo menos R$ 50 bilhões para destinar a isenções sobre a contribuição patronal capazes de gerar muitos empregos. Entre elas, as pagas por pessoas físicas, condomínios, microempresas, clubes sociais e entidades associativas em geral.

A título de comparação, a alíquota de contribuição previdenciária aplicada à remuneração dos servidores públicos chega a 22%, dependendo da faixa salarial, e não é suficiente para equilibrar a previdência pública.

Uma alternativa seria elevar um pouco mais a alíquota de contribuição dos empregados e reduzir a alíquota da contribuição patronal para dez por cento.

Seria produtivo que a LC transferisse aos bancos depositários a obrigação de reter as duas contribuições previdenciárias no momento do pagamento dos salários e repassá-las ao INSS, o que simplificaria a cobrança e reduziria os riscos contábil e fiscalizatório dos empregadores, além de diminuir em muito a sonegação.

Os encargos trabalhistas provocam uma grande distorção na economia na medida em que geram um custo desproporcionalmente alto às empresas em relação ao rendimento dos seus consumidores, que só possuem disponíveis para gastar os salários, sem os encargos.

4) Outra medida simplificadora seria a extinção da CSL, cuja arrecadação é exclusiva da União, com simultâneo aumento do IR sobre pessoas jurídicas para 35% (hoje, a soma dos dois é de até 34%). O ganho total de arrecadação seria de cerca de R$ 4 bilhões, levando em conta o valor obtido em 2022 [21].

O repasse integral da metade da arrecadação acrescida aos estados e municípios poderia ser implementado gradualmente, ao longo de dez anos, para evitar desequilíbrio no orçamento da União decorrente da extinção da CSL.

Tal consolidação no IR facilitaria a gestão das empresas, reduziria a litigiosidade e compensaria os estados e municípios pela perda de receita decorrente da partilha da arrecadação do IPI, a seguir proposta.

5) O IPI é uma grande distorção do nosso sistema tributário e constitui um dos maiores estorvos ao desenvolvimento da indústria. Além de encarecer a produção industrial pela duplicidade de incidência em relação ao ICMS [22], suas alíquotas variam muito em razão de detalhes de cada produto, o que gera uma infinidade de litígios decorrentes desse enquadramento. O imposto seletivo previsto na reforma aprovada mantém o problema.

Além disso, é um tributo não cumulativo com regras de creditamento que nem sempre coincidem com as do PIS, Cofins e ICMS, o que multiplica a burocracia contábil e, consequentemente, as lides tributárias.

O fim do IPI produzirá uma imediata redução no preço da maioria dos produtos, mesmo que haja um razoável ajuste compensatório do ICMS. Esse efeito anti-inflacionário permitirá a redução dos juros e o crescimento econômico que o país precisa.

O primeiro passo para a extinção gradual do IPI seria estabelecer alíquota zero para todos os produtos com eficácia a partir do ano seguinte. Assim, os estados teriam tempo para ajustar as alíquotas e benefícios do ICMS de forma a compensar a perda decorrente do repasse da metade da arrecadação do IPI [23].

Contudo, essa solução deve excluir o IPI relativo aos bens produzidos na Zona Franca de Manaus (ZFM), que é um distrito industrial com grandes privilégios tributários instituído em 1967 e ratificado no artigo 40, do ADCT, da Constituição de 1988. O STF entendeu haver essa restrição implícita à redução ou isenção do IPI, em relação à produção semelhante do resto do país, ao iniciar o julgamento da ADI n° 7.153 [24]. O fundamento (não demonstrado contabilmente) foi a viabilização da ZFM.

O debate sobre a reforma pode ser uma ótima oportunidade para realmente discutir os efeitos desse enorme delírio desenvolvimentista criado há mais de cinquenta anos e que gera um brutal custo financeiro anual. Outro efeito pernicioso da ZFM é proporcionar sonegação fiscal em todo o país em razão da dificuldade de fiscalizar a circulação de bens a ela destinados e dela provindos, que gozam de diversos benefícios.

O local arbitrariamente escolhido para instalar a ZFM encontra-se a milhares de quilômetros das fontes de matéria prima e do mercado consumidor, além de não possuir estrutura de transportes adequada, o que é um problema de difícil solução por estar no meio da floresta amazônica (cuja destruição é estimulada pela ZFM).

Obviamente, jamais alcançará o ponto de viabilidade e sempre dependerá de pesados subsídios, além de causar grande transtorno ao desenvolvimento do resto do país, incluindo a própria região Norte. Também prejudicará, a médio e longo prazo, acordos comerciais mais abrangentes com países e regiões que exijam ampla igualdade de tributação.

O estímulo ao desenvolvimento deve respeitar as características locais e, por isso, seria muito mais racional transferir o distrito industrial para uma cidade portuária, na mesma região. Belém, por exemplo, é a grande cidade brasileira mais próxima de grandes mercados consumidores como Estados Unidos e Europa, estando a menor distância das fontes de recursos minerais e do mercado consumidor nacional, além de já estar ligada ao resto do país por estradas.

6) Também seria útil simplificar a complicada e litigiosa Lei do Simples, LC nº 123/2006 (Estatuto das micro e pequenas empresas). Um caminho pode ser uniformizar a tributação em 10%, retidos diretamente pelo sistema bancário sobre a receita. A partilha e repasse a União, estados e municípios poderiam ser imediatos, mediante critérios estabelecidos na LC (por exemplo, 5% de Cofins, 3% de IR e 2% para o respectivo tributo local).

A incidência seria automática e uniforme para todas as empresas que optassem, independente de cadastramentos, classificações e homologações.

7) Por fim, a LC poderia finalmente regulamentar a incidência do Imposto de Transmissão causa mortis e doação (ITCMD) sobre a transmissão de bens localizados no exterior, prevista no artigo 155, § 1°, inciso III, da CF (esboçada na reforma aprovada) [25].

A perda anual para os estados em razão dessa omissão legislativa é bilionária, uma vez que o conceito de bens inclui imóveis, participações em empresas, créditos, valores depositados e aplicados.