OPINIÃO: Diversos pontos de insegurança jurídica do ICMS nas transferências interestaduais

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O tema da ADC 49 continua a assombrar as empresas e os estados, por conta de uma imensa gama de inseguranças jurídicas que abalaram a estrutura conceitual do ICMS.

 O tema da ADC 49 continua a assombrar as empresas e os estados, por conta de uma imensa gama de inseguranças jurídicas que abalaram a estrutura conceitual do ICMS. Mesmo após o julgamento dos embargos de declaração pelo Supremo Tribunal Federal, e com a tramitação do PLS nº 332/18 do Senado, há pontos jurídicos controversos e essenciais a serem discutidos e legislados, para que se tenha a mínima operacionalização da interpretação do STF.

O Supremo em abril de 2021 julgou a "famosa" Ação Declaratória de Constitucionalidade de nº 49, confirmando a Súmula 166 do STJ (anterior a lei Kandir), ao interpretar pela não incidência do ICMS nas transferências entre estabelecimentos da mesma pessoa jurídica, ainda que estejam localizados em diferentes Unidades Federativas, ao julgar inconstitucional os artigos 11, §3º inciso II, 12 inciso I e 13 §4º da Lei Complementar (LC) nº 87 de 13 de setembro de 1996 (Lei Kandir).

Dada a relevância deste julgamento, foram propostos embargos de declaração para modular os efeitos da decisão e com isso, diversas entidades representativas de setores econômicos afetados requereram o ingresso na ação como amicus curiae.

 

O STF no plenário de 12/04/2023 decidiu, por maioria, com base no voto do relator ministro Edson Fachin, que a cobrança de ICMS na transferência de mercadorias de um Estado para o outro, entre estabelecimentos de um mesmo contribuinte, ficaria proibida somente a partir do exercício financeiro de 2024, ressalvados os processos administrativos e judiciais pendentes de conclusão até a data de publicação da ata de julgamento da decisão de mérito.

O Supremo também se posicionou que os estados têm até o final do ano para disciplinar a transferência de créditos de ICMS entre estabelecimentos do mesmo titular e caso não haja regulamentação, será reconhecido o direito dos contribuintes de transferir os créditos.

Nesse sentido visando esta regulamentação, no dia 9 de maio de 2023, o Plenário do Senado Federal aprovou o Projeto de Lei Complementar (PLS) nº 332/18 para, em linha com a decisão do STF, assegurar expressamente o aproveitamento dos créditos das operações anteriores. E esta legislação (em tramitação) inovou ao permitir que o contribuinte continue realizando o débito de ICMS nesta operação, desde que observada as alíquotas estabelecidas nas operações internas e interestaduais, estas últimas previstas em Resolução do Senado.

Numa análise preliminar, o Senado propôs uma solução visando a atender vários grupos econômicos, que poderiam continuar operando de forma similar àquela de hoje, realizando o débito do imposto em um Estado e realizando o crédito no estado de destino.

No entanto, existe uma gama enorme de celeumas tributárias ainda não tratadas neste projeto de lei, nem regulamentada pelos estados, ou pelo Confaz:

1) Risco de judicialização por alguns Estados: na visão de parte das Unidades Federativas, a proposta do PLS nº 332/18 iria contra decisão do STF que concedeu aos estados a prerrogativa de regulamentar a transferência de créditos nessa situação. Alguns estados podem alegar que não participaram deste processo legislativo.

2) Risco de determinados contribuintes perderem créditos fiscais de aquisições e também oriundos de determinados benefícios fiscais (convalidados pela Lei Complementar 160/2017): alguns estados podem vir a questionar a inclusão do parágrafo 5º do PLS, que permite ao contribuinte optar pela tributação do ICMS nas operações de transferências interestaduais. Na visão destes estados, isso implicaria na interferência ao princípio federativo e na alteração dos orçamentos públicos estaduais, modificando a repartição de receitas entre os entes federativos de origem e de destino. Além disso, alguns benefícios fiscais são calculados sobre o valor de débitos de ICMS, e a não-incidência diminuiria o potencial destes benefícios fiscais.

3) Necessidade de obrigação acessória para transferência de saldos credores do estado de origem para o estado de destino: diante da não ocorrência do fato gerador nas transferências interestaduais sem o débito do imposto; como serão transferidos os créditos tributários da origem ao destino? Neste ponto, entendemos que é necessário estabelecer uma obrigação acessória definida por todos os Estados no âmbito do Confaz e Cotepe, já que obrigações acessórias diferentes (para cada estado) importariam em insegurança jurídica para as empresas.

4) Como calcular o montante do crédito de ICMS a ser transferido do estado de origem ao de destino? Deve ser considerada a base de cálculo anteriormente prevista para as transferências pela Lei Kandir (valor de entrada mais recente na revenda e o custo da mercadoria produzida na indústria), ou é necessário identificar os créditos tributários de todas as entradas (mercadorias e insumos)? Esta discussão de metodologia de cálculo é essencial para operacionalizar, com segurança jurídica para os Estados e empresas, as transferências dos créditos de ICMS. Não se trata apenas de uma discussão no âmbito de contadores tributários, mas a operacionalização tem que se pautar em critérios jurídicos seguros.

5) A transferências dos créditos tributários do estado de origem ao destino é obrigatória? Nos embargos de declaração da ADC-49, decidiu-se que "os estados disciplinem a transferência de créditos de ICMS entre estabelecimentos de mesmo titular" e, caso não seja regulamentada até 2024 "fica reconhecido o direito dos sujeitos passivos de transferirem tais créditos". Um ponto importante a ser esclarecido é se o Estado de origem deve respeitar a manutenção dos créditos tributários da aquisição ou se esses créditos devem ser necessariamente transferidos ao Estado de destino.

Essa dúvida pode surgir principalmente na situação em que o estabelecimento de origem da mercadoria possui saldo credor, e existe o risco de o Estado de origem interpretar de que parte deste crédito deve ser transferido ao Estado de destino, que recebeu mercadorias em transferências.

6) Como serão calculado o ICMS-ST para os produtos sujeitos à substituição tributária, por exemplo, no caso de uma transferência de um centro de distribuição com destino a um estabelecimento varejista? Ou seja, na impossibilidade da incidência do imposto próprio, o valor do recolhimento a título de substituição tributária será majorado para abranger a tributação integral daquele produto pelo Estado de destino, já que não existiria ICMS próprio a ser deduzido? Ou a transferência interestadual não seria mais uma operação de circulação apta a gerar a incidência do ICMS no regime de substituição tributária? Em nenhum momento este tema foi tratado pelo STF e pelo projeto de lei do Senado; e este tema causa um impacto gigantesco em diversos setores, como atacado, varejo e até para o setor industrial, que possuam produtos no regime de substituição tributária.

7) Se for implementada a opção ao contribuinte pelo débito de ICMS nas transferências interestaduais do PLS nº 332/18, esta opção será feita por operação, por período, por apuração mensal ou por ano calendário? Para garantir segurança jurídica às empresas e aos Estados, é necessário ter uma regulamentação que seja válida para todas as Unidades Federativas.

Em resumo, é urgente uma regulamentação completa para se definir efetivamente a carga tributária no Estado de origem e de destino após a ADC 49, bem como a possibilidade de os contribuintes optarem pelo débito do ICMS nas transferências interestaduais. É fundamental assegurar o princípio da não-cumulatividade do ICMS, permitindo o abatimento dos créditos tributários das aquisições realizadas pelos contribuintes, já que a não-incidência tributária nas transferências subsequentes (conforme a ADC 49) não poderia criar nenhum ônus fiscal adicional aos contribuintes.

Fonte: Revista Consultor Jurídico, 13 de junho de 2023, 11h23, por Roberto Biava Júnior