OPINIÃO: Tributação das subvenções de ICMS e o Tema Repetitivo 1.182 do STJ

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No julgamento dos Recursos Especiais 1.945.110/RS e 1.987.158/SC, julgado sob a sistemática repetitiva (Tema Repetitivo nº 1.182), anunciou relevantes novidades sobre a tributação dos ganhos decorrentes

Em 26 de abril, o STJ (Superior Tribunal de Justiça), no julgamento dos Recursos Especiais 1.945.110/RS e 1.987.158/SC, julgado sob a sistemática repetitiva (Tema Repetitivo nº 1.182), anunciou relevantes novidades sobre a tributação dos ganhos decorrentes de subvenções governamentais concedidos sob a forma de benefícios fiscais de ICMS.

Os bastidores da decisão envolvem contribuintes que eram incentivados por desonerações de ICMS, na forma de reduções de base de cálculo, isenções, redução de alíquota, entre outros, e que ingressaram com medidas judiciais para não sujeitar tais benefícios fiscais à tributação de IRPJ e de CSLL. O STJ decidiu afetar o tema à sistemática de julgamentos repetitivos em razão de dúvida razoável sobre o controvertido alcance da tese firmada no julgamento do Embargos de Divergência em Recurso Especial nº 1.517.492, que, sob a relatoria da ministra Regina Helena Costa, havia definido que créditos presumidos de ICMS não seriam tributados pelo IRPJ e pela CSLL, sob a pena de violar o próprio pacto federativo.

Em posição contrária, o ministro Mauro Campbell Marques, ao tornar-se relator do Recurso Especial nº 1.968.755/PR, que versava sobre benefícios fiscais de ICMS no estado do Paraná, consubstanciados em isenções e em reduções de base de cálculo, entendeu que o caso concreto seria distinto do caso analisado no EREsp nº 1.517.492/PR (que versava de crédito presumido), portanto incompatível com suas razões de decidir.

Logo, dado que existiria uma dúvida relativa ao alcance da tributação federal (IRPJ e CSLL) sobre os ganhos provenientes de benefícios fiscais de ICMS a partir da modalidade de sua concessão (as "grandezas positivas", no caso do crédito presumido, e as "grandezas negativas", no caso de reduções de base de cálculo, isenções, entre outros), o STJ decidiu julgar especificamente como esses benefícios impactariam ou não a tributação pelo IRPJ e pela CSLL.

Considerando que o tema foi afetado na sistemática de julgamento repetitivos (20 de março de 2023) e incluído em pauta de julgamento (26 de abril de 2023) com um curto intervalo de tempo, havia uma expectativa inicial de que os recursos fossem retirados da pauta de julgamento para maior aprofundamento e amadurecimento do tema.

Contudo, com notícias de grande envolvimento do governo federal no julgamento e da reunião do ministro Haddad com os ministros do STJ [1], a redução de expectativas na retirada do caso da pauta de julgamentos motivou um dos amicus curiae a pleitear a concessão de medida cautelar perante o STF nos autos do Recurso Extraordinário nº 835.818/PR (Tema nº 843 da Repercussão Geral), que, em um primeiro momento, foi deferida pelo ministro André Mendonça, apesar do leading case em questão tratar da incidência de PIS e Cofins sobre créditos presumidos de ICMS.

Mesmo com a medida cautelar deferida pelo ministro André Mendonça, o STJ decidiu por dar prosseguimento ao julgamento, com a ressalva de que a eficácia deste estaria suspensa até a apreciação da medida cautelar pelo Plenário do STF. Ao final do julgamento, foi proclamado o seguinte resultado:

"(...) 1. Impossível excluir os benefícios fiscais relacionados ao ICMS, - tais como redução de base de cálculo, redução de alíquota, isenção, diferimento, entre outros - da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, salvo quando atendidos os requisitos previstos em lei (art. 10, da Lei Complementar n. 160/2017 e art. 30, da Lei n. 12.973/2014), não se lhes aplicando o entendimento firmado no ERESP 1.517.492/PR que excluiu o crédito presumido de ICMS das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL.

2. Para a exclusão dos benefícios fiscais relacionados ao ICMS, - tais como redução de base de cálculo, redução de alíquota, isenção, diferimento, entre outros - da base de cálculo do IRPJ e da CSLL não deve ser exigida a demonstração de concessão como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos.

3. Considerando que a Lei Complementar 160/2017 incluiu os §§ 4º e 5º ao art. 30 da Lei 12.973/2014 sem, entretanto, revogar o disposto no seu § 2º, a dispensa de comprovação prévia, pela empresa, de que a subvenção fiscal foi concedida como medida de estímulo à implantação ou expansão do empreendimento econômico não obsta a Receita Federal de proceder ao lançamento do IRPJ e da CSLL se, em procedimento fiscalizatório, for verificado que os valores oriundos do benefício fiscal foram utilizados para finalidade estranha à garantia da viabilidade do empreendimento econômico. (...)"

Nesse momento, importa não apenas perquirir as razões relacionadas ao mérito da controvérsia julgada, como também avaliar quais as consequências e repercussões da tese proclamada a partir do Tema Repetitivo nº 1.182 do STJ, bem como quais os seus efeitos práticos sobre as partes envolvidas na celeuma — isto é, o União, os Estados e os contribuintes, assim como para os tribunais superiores, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça.

Em relação aos tribunais superiores, vale notar que a concessão inicial da medida cautelar nos autos do Recurso Extraordinário nº 835.818/PR (Tema nº 843 da Repercussão Geral), pelo ministro André Mendonça, além de acirrar as relações entre o STJ e o STF, gerou algumas repercussões relevantes na competência jurisdicional para o julgamento do tema da tributação das subvenções fiscais.

Isso porque, após a conclusão do julgamento pelo STJ, o ministro André Mendonça reconsiderou, no Recurso Extraordinário nº 835.818, sua decisão que determinava a suspensão do julgamento do Tema Repetitivo nº 1.182 dos recursos repetitivos pelo STJ. A decisão foi fundamentada na verificação da existência de perigo da demora inverso — isto é, a constatação do perigo de manutenção da medida cautelar em desfavor da União –, que não havia sido analisado na decisão inicial.

Apesar da reconsideração da medida cautelar inicialmente decidida, a nova decisão do ministro André Mendonça deixou bastante claro que o entendimento firmado no EREsp nº 1.517.492/PR oferece intersecções entre a competência jurisdicional do STJ e do STF, razão pela qual seria recomendável aguardar o desfecho do Tema nº 843 da Repercussão Geral para dar continuidade ao julgamento no âmbito do STJ.

Além disso, o ministro manifestou que, dada a natureza constitucional da tese firmada no EREsp nº 1.517.492/PR (violação do pacto federativo, que é, inclusive, cláusula pétrea constitucional, prevista no artigo 60, § 4º, inciso I, da Constituição), seria possível identificar, em cognição sumária, a superação (overruling) do Tema nº 957 da Repercussão Geral, que entendeu que o tema da tributação do crédito presumido do ICMS pelo IRPJ e pela CSLL seria infraconstitucional e ofereceria repercussão meramente reflexa à Constituição, não havendo, portanto, repercussão geral.

Dessa forma, a partir da perspectiva dos tribunais superiores, é razoável concluir que o tema da tributação federal (IRPJ, CSLL, PIS e Cofins) dos acréscimos patrimoniais e das receitas provenientes de subvenções, decorrentes de benefícios fiscais de ICMS, concedidos sob qualquer modalidade, poderá ser enfrentado pelo Supremo Tribunal Federal, sob a perspectiva do federalismo.

Em relação aos contribuintes, a decisão do STJ suscitou uma série de dúvidas e alguns esclarecimentos. Em uma primeira leitura, o tribunal parece ter concluído que, em relação aos créditos de presumidos de ICMS ("grandezas positivas"), aplica-se a tese fixada no EREsp nº 1.517.492/PR, não devendo tais ganhos serem tributados, sob a pena de violação ao federalismo; por outro lado, em relação aos demais benefícios fiscais de ICMS, como redução de base de cálculo, redução de alíquota e isenções, o tribunal entendeu que eles não devem sofrer a tributação pelo IRPJ e pela CSLL, desde que respeitado o regime do artigo 30 da Lei nº 12.973/2014 e a possibilidade de constituição e destinação de tais valores à conta patrimonial de reserva de lucros.

Contudo, a proclamação final do resultado do julgamento ensejou dúvidas: segundo os contribuintes, os itens 2 e 3 da tese fixada no Tema Repetitivo nº 1.182 seriam contraditórias, pois, de um lado, um dos itens parece indicar que as autoridades administrativas não devem exigir a demonstração de concessão do benefício fiscal de ICMS como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos — o que parece corroborar que o artigo 30 da Lei nº 12.973/2014 teria superado a necessidade de distinção das subvenções de custeio e de investimento com base nos requisitos do antigo Parecer Normativo CST nº 112/1978.

No entanto, de outro lado, o tribunal afirmou que isto não obstaria a Receita Federal do Brasil de "proceder ao lançamento do IRPJ e da CSLL se, em procedimento fiscalizatório, for verificado que os valores oriundos do benefício fiscal foram utilizados para finalidade estranha à garantia da viabilidade do empreendimento econômico". Isso parece, de algum modo, ter amparado a opinião da RFB, consubstanciado na Solução de Consulta Cosit nº 145/2020, de que a redação do caput do artigo 30 da Lei nº 12.973/2014 evidencia que o regime se aplica apenas às chamadas subvenções de investimento, de modo que a comprovação da natureza da subvenção fiscal ainda seria imprescindível após a edição da Lei nº 12.973/2014.

Dada essa aparente contradição, é recomendável que o próprio Superior Tribunal de Justiça esclareça a compatibilidade das teses firmadas no Tema nº 1.182, a fim de evitar insegurança jurídica fiscal a partir do alcance das razões de decidir do julgamento.

Em relação à União, o resultado do julgamento foi anunciado como sendo "exemplar" pelo governo federal [2]. O entusiasmo parece ser contraditório com a visão dos contribuintes sobre o julgamento. Contudo, o foco da União pode estar no fato de que, em relação aos benefícios fiscais de ICMS que consubstanciam "grandeza negativa", a não tributação pelo IRPJ e pela CSLL dependeria tão somente da correta aplicação do artigo 30 da Lei nº 12.973/2014.

A princípio, considerando que o STF já se manifestou no sentido de que o tema da tributação de créditos presumidos de ICMS pelo IRPJ/CSLL seria infraconstitucional (Tema nº 843 da Repercussão Geral), o governo federal poderia alterar, via medida provisória, a Lei nº 12.973/2014, para retirar a possibilidade de não tributação federal de subvenções fiscais.

Considerando o contexto de produção do arcabouço fiscal e a expectativa do governo federal de arrecadar R$ 90 bilhões de reais com a tributação de subvenções fiscais, não seria surpreendente que a União adotasse iniciativas legislativas de alteração da Lei nº 12.973/2014.

Em relação aos Estados, a decisão do STJ poderá produzir um efeito de incentivar a disputa entre os entes subnacionais pela atração de investimentos, mas não pelo efeito da concessão dos benefícios fiscais de ICMS em si, e sim pelo seu reflexo na tributação do IRPJ e da CSLL. Partindo do pressuposto de que os créditos presumidos ("grandezas positivas") não serão tributados pelo IRPJ e pela CSLL, mas os demais incentivos fiscais do imposto (como reduções de base de cálculo, isenções, entre outros) poderão ser tributados, quando não cumpridos os requisitos do artigo 30 da Lei nº 12.973/2014, a diferença de tratamento fiscal poderá estimular Estados a converter os demais benefícios fiscais em créditos presumidos de ICMS.

Diante de tantas possíveis repercussões decorrentes do julgamento do Tema Repetitivo nº 1.182, cumpre aos contribuintes acompanharem os próximos capítulos do tema da tributação federal das subvenções fiscais de ICMS, com a expectativa de que todos os personagens envolvidos na controvérsia atuem em prol da segurança jurídica e da pacificação de conflitos, e não em direção à macrolitigância fiscal.

 

[1] Conferir em: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2023/04/haddad-diz-que-nenhum-pais-criminaliza-descumprimento-de-meta-fiscal.shtml

[2] Conferir em: https://www.correiobraziliense.com.br/economia/2023/04/5090284-haddad-classifica-decisao-do-stj-favoravel-ao-governo-de-exemplar.html

 

Revista Consultor Jurídico, Por Arthur Pitman e Rômulo Coutinho 24 de maio de 2023, 15h09

 
Fonte: https://www.conjur.com.br/2023-mai-24/pitman-coutinho-tributacao-subvencoes-icms