OPINIÃO: Temas 881 e 885 do STF: diferenças e consequências na modulação de efeitos

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A análise conjunta das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal ao apreciar os Temas 881 (RE 949.297) e 885 (RE 955.227) pode deixar escapar a grande inovação trazida pelo Tema 885

A análise conjunta das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal ao apreciar os Temas 881 (RE 949.297) e 885 (RE 955.227) pode deixar escapar a grande inovação trazida pelo Tema 885, ao equiparar, quanto aos efeitos, as decisões proferidas em controle difuso de constitucionalidade, na sistemática da repercussão geral, com as decisões exaradas no controle concentrado, em especial a ação direta de inconstitucionalidade (ADI), a ação declaratória de constitucionalidade (ADC) e a arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF).

Esse novo paradigma da jurisdição constitucional brasileira autoriza que a decisão proferida pelo STF, quanto à modulação dos efeitos, seja distinta para cada um dos Temas, como será adiante demonstrado.

Breve introdução aos Temas 881 e 885
As discussões dos Temas 881 e 885 têm como pano de fundo a exigência da contribuição social sobre o lucro líquido (CSLL), instituída pela Lei nº 7.689/88. Entretanto, a controvérsia dos temas centrou-se não apenas no caso concreto, mas na própria eficácia temporal da coisa julgada em todas as relações jurídico-tributárias de trato sucessivo quando, em momento posterior ao julgamento individual, surge decisão do STF em sentido contrário.

No caso da CSLL, logo após a publicação da Lei nº 7.689/88, determinados contribuintes ajuizaram ações e obtiveram o respectivo trânsito em julgado de decisões que reconheceram a inconstitucionalidade dessa contribuição. Ocorre que, posteriormente, o STF chancelou a constitucionalidade da exação em dois momentos. O primeiro, em 1992, ao analisar os Recursos Extraordinários 138.284 e 146.733 (anteriores à instituição da repercussão geral pela Emenda Constitucional nº 45 de 2004); o segundo, em 2007, ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 15/DF.

Enquanto o julgamento do Tema 881 deteve-se na discussão a respeito da cessação de eficácia das decisões individuais transitadas em julgado, quando sucedidas por posicionamento do STF em sentido contrário no âmbito do controle concentrado de constitucionalidade, o Tema 885 analisou a mesma cessação de efeitos nas decisões proferidas no controle difuso de constitucionalidade, tanto em recursos anteriores à instituição da repercussão geral, quanto em recursos nos quais a repercussão geral foi reconhecida.

A tese proposta pelo ministro Luís Roberto Barroso e seguida de forma unânime pelos demais ministros segue abaixo reproduzida:

1) As decisões do STF em controle incidental de constitucionalidade, anteriores à instituição do regime de repercussão geral, não impactam automaticamente a coisa julgada que se tenha formado, mesmo nas relações jurídicas tributárias de trato sucessivo;

2) Já as decisões proferidas em ação direta ou em sede de repercussão geral interrompem automaticamente os efeitos temporais das decisões transitadas em julgado nas referidas relações, respeitadas a irretroatividade, a anterioridade anual e a noventena ou a anterioridade nonagesimal, conforme a natureza do tributo.

Em uma análise inicial e conjunta dos dois temas, o STF, num primeiro momento, por maioria de votos (6 a 5), entendeu ser incabível a modulação de efeitos. A adequada compreensão do fenômeno sub judice, no entanto, exige que sejam consideradas as premissas ultrapassadas no julgamento de cada Tema e as respectivas consequências quanto à modulação de efeitos.

Tema 881: efeitos previstos expressamente na CF/8
A ADI está prevista no texto original da Constituição Federal de 1988, enquanto a ADC e a ADPF foram instituídas pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993.

Os efeitos vinculantes e erga omnes dessas decisões decorrem de previsão expressa tanto do artigo 102, §2º da CF, quanto do parágrafo único do artigo 28 da Lei nº 9.868/99. Se é certo que a decisão proferida no Tema 881 materializa, pela primeira vez, o reconhecimento jurisdicional da cessação dos efeitos da coisa julgada independentemente da propositura de ação rescisória, não é menos certo reconhecer que essa conclusão é corolário de processo interpretativo que levou em conta enunciados constitucionais e infraconstitucionais vigentes. Não há, nesse ponto, que se falar em mutação constitucional. O plano sintático normativo já estava todo desenhado.

Pelo motivo acima delineado, já sustentávamos que, nas relações tributárias de trato sucessivo, as supervenientes decisões do STF no controle concentrado e abstrato de constitucionalidade retirariam a eficácia da decisão judicial individual transitada em julgado em sentido contrário. A ação rescisória, nesses contextos, teria pouca ou nenhuma utilidade. Não poderia alterar o passado, exigindo retroativamente o tributo, e seria dispensável para o futuro, tendo em vista os efeitos erga omnes e vinculantes das decisões proferidas no controle concentrado [1]. O fato é que o grau de inovação trazido pelo Tema 881 não pode ser comparado ao paradigma inaugurado pelo Tema 885, a seguir analisado.

Tema 885: a mutação constitucional e o novo paradigma
A discussão quanto aos efeitos das decisões proferidas no controle difuso, em recursos dotados de repercussão geral, foi enfrentada pelo STF na Reclamação nº 4.335-5 
[2], de 2006. Se as decisões proferidas nesses processos teriam força vinculante, seria preciso reconhecer a superação do comando inserido no artigo 52, inciso X, da Constituição Federal de 1988. Esse enunciado prescritivo atribui ao Senado Federal a prerrogativa de suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do STF, proferida no âmbito do controle difuso.

Naquela reclamação, a posição sustentada pelo ministro relator Gilmar Mendes foi no sentido de que o sucessivo fortalecimento do papel de guarda da Constituição atribuído ao STF indicaria uma nova compreensão a respeito do alcance e da eficácia das decisões no âmbito do controle difuso de constitucionalidade, sobretudo após a Emenda Constitucional nº 45 de 2004. Segundo o relator, as evoluções normativa e jurisprudencial ocorridas não permitiriam mais diferenciar — quanto aos efeitos — as decisões proferidas no controle abstrato daquelas exaradas no controle incidental pelo STF.

A posição inicial adotada pelo ministro Gilmar Mendes, no entanto, cedeu espaço ao voto proferido pelo ministro Teori Zavascki, o qual reconheceu a força expansiva das decisões proferidas em repercussão geral. O efeito expansivo não poderia ser equiparado ao efeito vinculante e erga omnes, atribuído às decisões no controle concentrado de constitucionalidade e às súmulas vinculantes. Nos efeitos expansivos, o cabimento de reclamação, por exemplo, seria estendido apenas a quem tinha sido parte na relação, além dos sujeitos legitimados ao exercício do controle concentrado.

Assim estava assentada a jurisprudência do STF, até o julgamento do Tema 885: não havia mutação constitucional do artigo 52, inciso X da CF e as teses firmadas em repercussão geral não se confundiam, quanto aos efeitos, com as decisões proferidas no controle abstrato de constitucionalidade.

Entretanto, a mutação constitucional que atingiu o artigo 52, inciso X da CF, foi adotada como premissa pelo voto condutor proferido pelo ministro Luís Roberto Barroso ao apreciar o Tema 885. Asseverou o ministro Barroso que essa mudança teria sido ocasionada pelo advento do novo CPC de 2015, o qual não apenas teria regulamentado a repercussão geral como instituído a força obrigatória dos precedentes [3].

Contrariando, assim, o posicionamento adotado pelo STF no julgamento da Reclamação 4.335-5, a definição contida no Tema 885 implica um novo paradigma. As decisões proferidas pelo STF em repercussão geral deixam de ter efeitos expansivos e incorporam os mesmos efeitos das decisões proferidas com controle abstrato de constitucionalidade.

Além de modificar o próprio Texto Constitucional, esvaziando o conteúdo de um enunciado nele inscrito (CF, artigo 52, X), a decisão materializa, de maneira inequívoca, uma guinada no entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal (Reclamação 4.335), o que configura um clássico caso de prospective overruling entabulado pelo artigo 927, §3º do CPC [4].

A instabilidade — ínsita a toda mutação — deflagrada pelo julgamento do Tema 885, como se observa, é incomparavelmente maior que a habitualmente suscitada em relação ao Tema 881. O desfecho, quanto à modulação, também deverá observar essa diferenciação. Se há dúvidas a respeito da modulação do Tema 881, revela-se inquestionável a modulação de efeitos da decisão proferida pelo STF no Tema 885, que trouxe à tona um novo paradigma calcado numa mutação constitucional. 

Revista Consultor Jurídico, 27 de março de 2023