OPINIÃO: Quebra da coisa julgada e a segurança jurídica: o STF precisa de lições?

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Como se sabe, a coisa julgada é direito fundamental, não sujeito, nem mesmo, a ser objeto de emenda à Constituição, verdadeira cláusula pétrea que é, a teor do artigo 60, p. 4º, do Texto Constitucional.

 

Em outras palavras, queremos significar que aos princípios cabe a nobre missão de orientação, interpretação e aplicação das normas do ordenamento jurídico, vale dizer, da mens legis, já que se constituem em normas, justamente, de conteúdo axiológico (valorativo) maior diante das demais normas do sistema, tanto que a violação a um princípio se revela "muito mais grave que transgredir uma norma qualquer" (Bandeira de Mello) [3].

Reforça essa ideia de rigidez valorativa dos princípios jurídicos de nosso sistema, a própria necessidade incondicional de convergência de todos eles para que, dessa integração, e, somente assim, possa exsurgir o maior legado de nossa atual Constituição, consubstanciado no sobreprincípio da segurança jurídica, que apenas se realiza por meio do pleno respeito, antes de tudo, daqueles outros.

Basta o malferimento de um princípio jurídico, qualquer que seja, para que a segurança jurídica se esmoreça, em tudo, e, por tudo. Esse o ponto de nossas breves reflexões.

Quando focamos essa ideia, agora, para o recente julgamento do STF, que, inadvertidamente, trincou o "cristal" do instituto da coisa julgada, percebemos que, ao final, foi a própria segurança jurídica que se malferiu, já que a sua plena realização, como norte do sistema jurídico, se fez prejudicada ante a desconsideração individual de princípios outros, que, de forma precária, com toda a vênia, foram escanteados.  

De fato, andou mal o STF, suposto guardião da Constituição, ao legitimar o cancelamento de decisões finais, com trânsito em julgado, diante da alteração de seu entendimento, em questões tributárias, proferidas em sede de controle concentrado de constitucionalidade ou RE com repercussão geral, fazendo-o, o que é pior, sem qualquer modulação de efeitos.

Como se sabe, a coisa julgada é direito fundamental, não sujeito, nem mesmo, a ser objeto de emenda à Constituição, verdadeira cláusula pétrea que é, a teor do artigo 60, p. 4º, do Texto Constitucional.

Com sua quebra, cai-se, igualmente, a própria legalidade, porquanto a decisão vai de encontro com as normas processuais atinentes ao instituto, definidoras de seus legítimos limites e conformações.

Violentou-se, ainda, o não menos importante princípio da própria isonomia entre aqueles que estavam acobertados pelo manto da coisa julgada e os contribuintes que ficaram alheios à judicialização, em tempos passados, de suas questões tributárias, já que, em âmbito de isonomia, na trilha de Celso Antônio Bandeira de Mello, esta se performaria por tratar desigualmente, os desiguais, tomando-se, para tanto, um coerente fator de discrímen, sendo certo que melhor fator não há, entre os contribuintes, senão, justamente, em nosso caso, a própria existência da coisa julgada conquistada por cada um deles como litigantes. Desigualdades advindas, justamente, do exercício, ou, não, do direito (no passado) de ação.

Pensamos, ainda, que os princípios da estabilidade e da previsibilidade das decisões, tão defendidos no CPC/2015, também caem por terra na hipótese presente, já que, em sendo as decisões judiciais verdadeiras fontes do direito, irromper com sua temporalidade, diante de fatos e situações já passadas, findadas, significaria verdadeiro caos no ordenamento jurídico, verdadeira deturpação da desejada unicidade de julgados, com morte inarredável de nosso patrimônio jurisprudencial.

Finalmente, a decisão do STF esbarra nos primados veiculadores da proteção do direito adquirido e do ato jurídico perfeito, o que poderia ter sido melhor equacionado tivesse havido modulação dos efeitos da decisão proferida para atos apenas futuros, posteriores ao julgado.

Como se viu, então, a integridade das relações jurídico-tributárias foi, literalmente, sacudida e, princípios, tais como os citados, da legalidade, da isonomia, da previsibilidade e da estabilidade das decisões, do direito adquirido e do ato jurídico perfeito, foram simplesmente renegados ao status de meros coadjuvantes do sistema jurídico atual.

Como consequência, sem coesão de tais princípios, perde-se a segurança jurídica, que, então, não se realiza, tornando esse sobreprincípio verdadeiro ócio dos contribuintes na situação em questão, bem na linha das lições de Paulo de Barros Carvalho, para quem "há princípios e sobreprincípios, isto é, normas jurídicas que portam valores importantes e outras que aparecem pela conjunção das primeiras" [4], não restando outra possibilidade de arremate senão o de que a decisão do STF, ora em comento, feriu o próprio Estado democrático de Direito, do qual a segurança jurídica é corolário.

Rui Barbosa, portanto, ao afirmar que o STF "não precisa de lições", certamente, não previa, em tão alto grau, o que comumente vem sendo chamado de crises da modernidade. 

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FONTE: CONJUR