OPINIÃO: "Contribuição" ao Fundeinfra pode ser declarada inconstitucional

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A cobrança se inicia já em janeiro de 2023 e algumas adquirentes já estão constando cláusulas nos contratos de compra-e-venda de produtos regrando eventual sub-rogação

 No fechar das cortinas do controvertido ano de 2022, o governador Ronaldo Caiado decretou as alíquotas da chamada "contribuição" ao Fundo Estadual de Infraestrutura (Fundeinfra). Dentre os produtos agropecuárias, vale destacar a imposição do percentual máximo de 1,65 % à soja. À cana-de-açúcar coube a alíquota de 1,2%, ao milho 1,1% e ao gado bovino 0,50 %. A cobrança se inicia já em janeiro de 2023 e algumas adquirentes já estão constando cláusulas nos contratos de compra-e-venda de produtos regrando eventual sub-rogação.

De acordo com a Secretaria de Comunicação do Governo de Goiás, a "contribuição" seria facultativa, já que "o produtor rural pode optar por não contribuir com o fundo, abdicando de vantagens que vem recebendo em regimes especiais de tributação". Essa imaginária voluntariedade, na verdade, não passa de uma chantagem fiscal utilizada para driblar garantias constitucionais do contribuinte, razão pela qual a esdrúxula contribuição merece ser reconhecida logo como inconstitucional.

O primeiro ponto que merece destaque é que não existem "vantagens". Na realidade, o que há, em respeito ao Texto Constitucional, é um tratamento tributário diferenciado ao Setor, por, no mínimo, três razões fundamentais: importância da produção para alimentação; compensação aos riscos agrobiológicos (clima, doenças, etc.) inatos a atividade; e, não menos importante, uma contraprestação aos produtores pela preservação privada de recursos naturais.

O segundo ponto diz respeito a falácia da facultatividade. Tributo é prestação compulsória, obrigatória, que não depende do desejo do contribuinte. Ou ele paga ou sofre consequências negativas no seu patrimônio, como, por exemplo, restrição ao crédito por perda da certidão negativa, negativação do nome, protesto e, por fim, execução fiscal, na qual se perseguirão bens para pagamento do valor principal, mais multa e juros.

Da mesma forma, caso não pague essa nova contribuição, terá ele consequências danosas patrimoniais. Isto, porque, o não-pagamento ocasiona, de imediato, a perda e/ou relativização de regras importantes de política fiscal como o diferimento, a isenção e, pior, a imunidade das exportações, com subsequentes danos patrimoniais e concorrenciais. Basta imaginar quão burocrática ficaria a organização do produtor se tiver que apurar, mensalmente, débitos e créditos de ICMS. Sem falar na absurda antecipação de ICMS, em caso de exportação, assegurada a restituição depois de comprovada, cuja prova, muitas vezes, depende de uma comercial exportadora ou de uma trading company. O tempo de restituição, certamente, asfixiaria o fluxo de caixa do produtor.

Para usar expressão consagrada nos últimos tempos, o estado age absolutamente fora das quatro linhas da Constituição, ao instituir estratégia ali nunca prevista. De acordo com o texto, existem contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse de categorias profissionais. Acontece que, pela autorização constitucional, somente a União tem competência para criação dessas figuras. Quer dizer, em regra, Estado não cria contribuição.

Apesar disso, mesmo que rotulada com esse nome, fácil é perceber que a imposição trazida é, na essência, uma espécie de adicional de ICMS disfarçado. Isto, porque, alcança, materialmente, as operações de circulação de mercadorias agropecuárias e minerais, recaindo sobre os remetentes, embora a responsabilidade tributária, no mais das vezes, seja atribuída aos adquirentes dessas mercadorias.

As inconstitucionalidades dessa figura são gritantes! O primeiro gravame é delegar ao Poder Executivo o poder de estabelecer alíquotas, esfacelando o princípio da legalidade. Além disso, se anula o princípio da não-cumulatividade, pois alguns insumos adquiridos pelo produtor, nos quais estão embutidos resquícios de ICMS, não gerarão crédito. Terceiro, a "contribuição" dribla a imunidade das exportações, onerando nosso produto no mercado internacional.

Se a prática não for freada, o que impedirá os demais entes de conferirem benefício ou regras de simplificação fiscal com uma mão e, com a outra, criarem "contribuições facultativas", a fim de se verem livres das limitações ao poder de tributar, ou, ainda, das regras de Direito Financeiro. Os ditos "fundos estaduais", como Fundersul, Fethab e, agora, o Fundeinfra, são nítida extorsão tributária e se não forem contidos logo, poderão se alastrar por todo o território nacional, como uma praga a contaminar o Sistema Tributária Nacional.

Diante da legislação sancionado e da recente instituição das alíquotas, via decreto, só resta ao Poder Judiciário a proteção serena, responsável e imparcial das garantias dos produtores rurais. Seja de forma coletiva ou individual, esta é uma luta que não pode ser abandonada. Afinal, está em jogo todo um regime de proteção aos contribuintes e, em última análise, do ponto de vista econômico, o preço dos alimentos e a competitividade internacional do país.

Fonte: CONJUR