Acordo entre Brasil e EUA fere Constituição, afirmam advogados

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As trocas automáticas de informações financeiras entre os governos dos EUA e do Brasil por causa da promulgação do Fatca (Foreing Account Tax Compliance Act)...

Por Brenno Grillo

 

As trocas automáticas de informações financeiras entre os governos dos EUA e do Brasil por causa da promulgação do Fatca (Foreing Account Tax Compliance Act), no dia 24 de agosto, ferem garantias constitucionais, entre elas o direito ao sigilo, à intimidade e à não exposição. O entendimento é do advogado Hermano Barbosa, que ressalta o fato de os acordos internacionais serem feitos por entidades e especialistas estrangeiros e não levarem a legislação brasileira em consideração.

 

“Nas tomadas de decisão sobre suas regras, não apenas a legitimidade política dessas entidades é relativa, pelo pouco espaço reservado aos representantes de economias periféricas, por exemplo, a brasileira. Como sua legitimidade democrática é ainda mais questionável, pois neles a sociedade civil simplesmente não tem voz, nem sempre as soluções que são propostas nesses foros com aspirações de universalidade se compatibilizam com os limites estabelecidos pelos direitos nacionais”, afirma Barbosa.

 

O advogado diz também que não é sempre que as soluções internacionais propostas se adequam aos limites estabelecidos pelos direitos nacionais e que essas barreiras são superadas por meio de imposições à adesão por meio de “mecanismos de força: listas negras, boicotes e retenções na fonte, entre outras”.

 

Porém, segundo o advogado Eduardo Diamantino, pela Constituição, esse acordo tem supremacia sobre as leis ordinárias. “Isso é um absurdo em termos de segurança jurídica e sigilo de operações”, protesta. Ele diz também que o Brasil não teria como não assinar o acordo porque muitas outras nações assinaram. “No fundo, são os EUA legislando em termos de mundo e com base na moeda deles e acabando com todo e qualquer sigilo de parte relacionadas ao país”, critica, complementando que essa quebra de privacidade “acaba com a interpretação clássica do direito que temos”.

 

Política tributária internacional

O Fatca é resultado de uma política tributária internacional implementada pelos EUA nos últimos anos. O acordo está inserido na movimentação internacional, capitaneada pelo G20 e pela OCDE, que busca aumentar a transparência na tributação internacional e tem como base a troca automática de informações entre administrações tributárias.

 

Para o advogado Fernando Scaff, o tratado é muito importante para as relações entre o Brasil e os EUA, principalmente pelas normas relativas à transparência fiscal envolvida. “Recomenda-se muita atenção para as pessoas que possuem bens, valores ou relações comerciais com os Estados Unidos para suas normas, que modificarão enormemente a visibilidade nas transações”, afirma.

 

A iniciativa dos EUA já foi firmada com diversos países, alguns deles paraísos fiscais, como Bahamas, Barbados, Ilhas Cayman e Chipre. Em relação ao Brasil, o acordo, formalizado entre as duas nações em 2014, abrange brasileiros que detenham aplicações financeiras nos EUA e cidadãos americanos que, direta ou indiretamente, detenham aplicações financeiras no Brasil.

 

Segundo o advogado Nelson Lacerda, consta no pacto firmado que o Brasil deverá aderir automaticamente a outros acordos semelhantes que os Estados Unidos firmem com outros países. “É um regra dura que impõe às instituições financeiras a responsabilidade de buscar a origem do dinheiro e seus responsáveis — seja em empresas, trust, entidades, fundos e até procuradores. Responsabilizando, inclusive, gerentes de conta 'personalité' por omitir detalhes que tenha conhecimento”, explicou.

 

Um possível resultado desse acordo, segundo Hermano Barbosa, seria a busca pela regularização por parte dos brasileiros que têm valores não declarados no exterior. O envio de informações vai abranger investimentos mantidos ou registrados em instituições financeiras, seja em depósito ou custódia, entre eles: contas depósito, poupança e comercial; certificado de investimentos; títulos de dívida; participações em entidades de investimentos coletivos, quando não negociados em mercado regulado; participação em sociedades; instituidor ou beneficiário de trust, conta de custódia detida em benefício de terceiros; contrato de seguro com valor em dinheiro e todo contrato de anuidade, emitidos ou mantidos por instituições financeiras, entre outras modalidades financeiras.

 

Além do Fatca, o Brasil possui acordos para troca de informações com OCDE — que possui mais de 60 signatários —, Bermuda, Ilhas Cayman, Guernsey, Jersey, Reino Unido e Uruguai. Todos os pactos ainda não foram ratificados internamente. “É inegável que a celebração e promulgação do Acordo Fatca, assim como outras iniciativas brasileiras, como a possível adesão ao acordo multilateral da OCDE para troca automática de informações fiscais entre os países tende a servir de estímulo para brasileiros que possuem valores não declarados no exterior aderirem ao regime de anistia e repatriação, caso sua lei venha a ser aprovada”, diz Barbosa.

 

Retroatividade

 

Um ponto do acordo que pode causar dor de cabeça às pessoas é o início da vigência. Isso ocorre porque ele passou a valer no dia da promulgação (24/8), mas a legislação determina que sua validade se inicie em julho de 2014, ou seja, mais de um ano antes da ratificação.

 

Hermano Barbosa afirma que a retroatividade não é possível e que o Acordo deveria valer em relação a fatos posteriores a sua entrada em vigor. “Contudo, essa não é a visão das autoridades tributárias. O próprio acordo, apesar ter sido celebrado em setembro de 2014, prevê que será aplicável em relação a período iniciado em julho de 2014, ou seja, três meses antes a sua própria assinatura. Esse entendimento foi confirmado formalmente pela RFB ao editar a Instrução Normativa 1.571, de 2015”, explica.

 

Seguindo essa linha, Linneu de Albuquerque Mello também diz que “é preciso levar em consideração que no cenário atual, e em vista de tudo que está acontecendo tanto no Brasil como no mundo com respeito a corrupção e sonegação, existe pouca disposição de se decidir contra o fornecimento de informação”.

 

Penalidades

 

O Fatca é claro quanto à obrigação de enviar informações e impõe penalidades aos correntistas que se recusarem a fornecer seus dados, entre eles o encerramento da conta bancária. Sobre essas sanções, Hermano explica que há a Instrução Normativa 1.571, que regulamenta a aplicação do Acordo Fatca no Brasil. O dispositivo dispõe sobre a obrigatoriedade de prestação de informações relativas a operações e investimentos pelas instituições financeiras à Receita Federal brasileira.

 

Segundo o advogado Igor de Souza, os clientes que não autorizarem o envio das informações às autoridades americanas ou que não apresentarem os documentos solicitados pela instituição financeira serão considerados não cooperante ou recalcitrante. “Nesse caso, a instituição financeira deverá encerrar a conta financeira e/ou liquidar os contratos e investimentos detidos pelo cliente não cooperante, devendo de qualquer forma informar às autoridades americanas acerca do cliente não cooperante e também o valor global da sua conta e/ou investimentos”, afirma.

 

Ainda sobre as sanções, o advogado Linneu de Albuquerque Mello conta que esses procedimentos já começaram. “Inclusive, temos conhecimento de clientes que foram chamados para encerrar a conta.”

 

Fonte: Conjur