Difal, base dupla e conceito de receita bruta (jurídica)

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Como se sabe, até o advento da Lei Complementar nº 190, o regime jurídico de ICMS para operações interestaduais a consumidores finais,

 Como se sabe, até o advento da Lei Complementar nº 190, o regime jurídico de ICMS para operações interestaduais a consumidores finais, na modalidade não presencial, era o seguinte:

(a) venda hipotética, a contribuinte do ICMS localizado na região Sul, a um preço antes do ICMS de R$ 82: base de cálculo do ICMS no valor de R$ 93,18 [1], com o recolhimento, pelo remetente, de R$ 11,18 [2] para o estado de origem, e de R$ 5,59 [3], pelo destinatário, em favor do estado de destino. A base de cálculo do PIS/Cofins (conceito jurídico de receita bruta) correspondia aos R$ 82 [4]; e

(b) venda hipotética, a não contribuinte do ICMS, a um preço antes do ICMS de R$ 82: base de cálculo do ICMS no valor de R$ 100 [5], com o recolhimento, pelo remetente, de R$ 18 [6] para o estado de origem, sem qualquer parcela devida ao estado de destino. A base de cálculo do PIS/Cofins correspondia aos R$ 82 [7].

Para fins de PIS e Cofins, portanto, não havia qualquer diferença em suas bases de cálculo, mas o recolhimento do ICMS era ligeiramente diferente nos dois cenários (recolhimento total de R$ 16,77 no primeiro caso e R$ 18 no segundo caso). Tal diferença se justificava, especialmente, pela ausência de gross-up [8] do Difal — o que atualmente se convencionou chamar de "base simples", em oposição à tal "base dupla".

Com a entrada em vigor do novo regime jurídico idealizado pela Emenda Constitucional nº 87 [9], o cenário "a" acima fica inalterado [10], mas passamos a ter algumas opções para a venda a consumidor final não contribuinte, quais sejam:

(I) venda hipotética, a não contribuinte do ICMS, a um preço antes do ICMS de R$ 82: base de cálculo do ICMS (incluindo Difal) no valor de R$ 93,18 [11], com o recolhimento, pelo remetente, tanto de R$ 11,18 [12] para o estado de origem quanto de R$ 5,59 [13] para o estado de destino. A base de cálculo do PIS/Cofins, nesta hipótese, corresponde aos R$ 82 [14];

Essa hipótese se assemelha muito ao do item "a" (operação com consumidor final contribuinte), diferindo apenas em relação à responsabilidade pelo recolhimento do Difal (destinatário, quando este é contribuinte, ou remetente, quando o destinatário não é contribuinte do imposto).

Como o remetente, neste caso, acabará recolhendo o Difal por fora do valor da operação, há risco de questionamento tanto do estado de origem quanto do de destino, em relação à base de cálculo do ICMS.

(II) venda hipotética, a não contribuinte do ICMS, a um preço antes do ICMS de R$ 82: bases de cálculo do ICMS (a) ao Estado de origem no valor de R$ 93,18 [15], com o recolhimento, pelo remetente, de R$ 11,18 [16]; e (b) ao estado de destino no valor de R$ 99,13 [17], com recolhimento, também pelo remetente, de R$ 5,95. A base de cálculo do PIS/Cofins, nesta hipótese, corresponde aos R$ 82 [18];

Aqui, o valor total recolhido a título de ICMS [19] se aproxima mais daquilo que era recolhido sob a égide da redação original da Constituição.

(III) cobrança do Difal por dentro do preço, sem novo reajustamento no destino: base de cálculo do ICMS no valor de R$ 100 para ambos os estados, de modo a ser recolhido R$ 12 para o Estado de origem e R$ 6 para o Estado de destino;

Nesta hipótese são dois os problemas possíveis: (a) inclusão do Difal na base de cálculo do PIS/Cofins [20] e (b) possível exigência de base dupla específica para o Difal, por parte do estado de destino, conforme será demonstrado no próximo cálculo.

(IV) Cobrança do Difal por dentro do preço, com base "dupla" no destino: base de cálculo do ICMS devido à origem no valor de R$ 100 e base de cálculo do Difal no valor de R$ 106,38 [21], de modo a ser recolhido R$ 12 para o estado de origem e R$ 6,38 para o estado de destino;

Tal cenário, mais conservador para fins de ICMS, gera a mesma discussão mencionada no tópico precedente em relação à base de cálculo do PIS/Cofins. Isso porque, partindo da premissa que o ICMS a ser excluído é aquele "destacado em documentos fiscais", a falta de destaque do Difal é entendida pelas autoridades fiscais federais como apta a inviabilizar sua exclusão.

Além disso, neste cenário, como o Difal é ligeiramente superior ao anterior, justamente pela tal base dupla, o valor líquido do ICMS acaba sendo inferior aos R$ 82 dos casos anteriores, o que justificaria um ajuste ainda maior no preço final da mercadoria.

Para facilitar a compreensão, segue tabela explicativa:

Ante o exposto, quer nos parecer que são três os cenários possíveis, a depender do que venha a ser decidido quanto à legalidade e constitucionalidade da chamada base dupla: em sendo validada a base dupla, o Difal precisará ser, necessariamente, calculado por fora do preço, como demonstrado no item "(II)" retro [22]; por outro lado, invalidada a base dupla, a dúvida recairia sobre as hipóteses "(I)" [23] e "(III)". Já o cálculo do item "(IV)" está fora de cogitação, pois não se pode admitir mais de um gross-up do Difal, com uma inclusão na base do ICMS devido à origem e uma nova inclusão no cálculo do imposto devido ao estado de destino).

Tal solução também gerará, conforme demonstrado anteriormente, impactos para o PIS/Cofins. Prevalecendo os cálculos dos itens "(I)" e "(II)", os contribuintes não precisarão ingressar com medidas judiciais para excluir o Difal de sua receita bruta (pois este não estará nela incluída, assim como já ocorre com o ICMS-ST, nas operações realizadas pelos substitutos tributários). Diferentemente, prevalecendo a sistemática do item "(III)", veremos mais um desdobramento judicial da chamada tese do século.


Notas:

[1] R$ 82,00 / (1-12%).

[2] R$ 93,18 x 12%.

[3] R$ 93,18 x 18% - R$ 11,18.

[4] R$ 93,18 - 11,18.

[5] R$ 82,00 / (1-18%).

[6] R$ 100,00 x 18%.

[7] R$ 100,00 – 18,00.

[8] Reajustamento da base de cálculo.

[9] Que, a depender do STF, poderá ser definido como 1/1/2022, 5/4/2022 ou 1/1/2023.

[10] Até há discussões sobre a necessidade de reajustamento da base de cálculo, mas este não é o espaço para tratar deste tema.

[11] R$ 82,00 / (1-12%).

[12] R$ 93,18 x 12%.

[13] R$ 93,18 x 18% - R$ 11,18

[14] R$ 100,00 – 18,00.

[15] R$ 82,00 / (1-12%).

[16] R$ 93,18 x 12%.

[17] R$ 93,18 / (1-6%).

[18] R$ 100,00 – 18,00.

[19] R$ 11,18 + R$ 5,59 = R$ 17,13.

[20] Que passaria a ser R$ 88,00 (100,00 - 12,00).

[21] R$ 100,00 / (1-6%).

[22] De maneira muito semelhante com o que ocorre com o Difal recolhido pelos consumidores finais contribuintes.

[23] Cálculo idêntico ao Difal a ser pago pelos destinatários contribuintes.

FONTE: CONJUR