Restrição à isenção de IRRF sobre danos emergentes pode dificultar acordos

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Exigência de que valor definido em arbitragem seja comprovado pode desestimular negociação extrajudicial, dizem advogados

O entendimento da Receita Federal sobre a necessidade de se comprovar os valores pagos a título de danos emergentes para que eles não sejam retidos no Imposto de Renda (IRRF) pode dificultar acordos extrajudiciais, afirmam advogados ouvidos pelo JOTA. A necessidade de comprovar os valores ocorre em casos de indenizações por rescisão contratual definidas por meio de sentença arbitral.

O entendimento consta na Solução de Consulta nº 3.003, publicada na última quarta-feira (27/4). De acordo com o documento, “o mero acordo entre as partes, mesmo que homologado por sentença arbitral, não supre a ausência da comprovação”.

As indenizações por danos emergentes são uma forma de recomposição de patrimônio por prejuízos causados de uma empresa para com a outra. No caso da solução de consulta, discute-se o prejuízo causado pelo rompimento do contrato. Os lucros cessantes, por sua vez, buscam indenizar o que a parte deixará de ganhar.

Na prática, se uma empresa retém o IR na fonte ao pagar a indenização, a outra parte receberá um valor menor a título de danos emergentes.

Para Matheus Bueno, sócio do Bueno Tax Lawyers, a solução de consulta cria uma camada adicional de cuidados e preocupações que as empresas devem ter para comprovar a natureza dos valores, o que pode dificultar o acordo.

A solução de consulta envolve uma empresa que atua com transmissões de competições esportivas por meio de seus canais de TV fechada. Para a Receita Federal, a dispensa de retenção do IRRF só é possível quando for comprovado que a indenização é destinada a reparar danos emergentes.

No entanto, a solução de consulta não especifica qual seria o tipo de comprovação necessária. Portanto, os advogados consultados avaliam que qualquer documento que seja suficiente para evidenciar o prejuízo ocorrido pode ser apresentado.

A solução de consulta envolve a interpretação do artigo 740 do RIR/2018, que estabelece, em seu parágrafo 5º, que não incide IRRF nas indenizações destinadas a reparar danos patrimoniais. A SC está vinculada à Solução de Consulta Cosit nº 184, de dezembro de 2021.

Por meio de soluções de consulta, os contribuintes podem fazer questionamentos à Receita sobre situações concretas. As respostas vinculam apenas as empresas que fizeram a consulta, mas devem ser observadas pelos fiscais. Além disso, mesmo que não seja vinculante a todos os contribuintes, o posicionamento da Receita Federal a respeito do tema fica acessível, o que pode auxiliar advogados, consultores e tomadores de decisões em situações parecidas.

“Se o dano é ao mesmo tempo premissa e motivo da arbitragem, sendo as partes opostas no procedimento, um acordo meramente ratifica que dano houve para haver a reparação. Exigir a comprovação nesse estágio é preciosismo e aparenta mero desejo de arrecadar”, diz Matheus Bueno.

No mesmo sentido, Luciana Aguiar, tributarista do Bocater Advogados, entende que “danos emergentes nunca poderiam ser tributados porque não representam um acréscimo patrimonial”. “Eles só servem para repor o patrimônio. Ou seja, se trata de mera reparação”, afirma Luciana.

O Supremo Tribunal Federal (STF) tem entendimento pacificado no sentido de não tributar danos emergentes, uma vez que eles não representam acréscimo patrimonial. No julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 855091, com repercussão geral, em setembro de 2021, esse foi um dos argumentos apresentados pelos ministros na decisão que excluiu da base de cálculo do IRPJ e da CSLL valores recebidos a título de taxa Selic em razão da repetição de indébito tributário, ou seja, da devolução de um valor pago indevidamente pelo contribuinte.

Indenização por lucros cessantes decorrentes de arbitragem não tem desconto, diz Receita

Por meio da mesma solução de consulta, a Receita defendeu também que o imposto sobre indenizações por lucros cessantes decorrentes de sentença arbitral não está sujeito à alíquota reduzida de 5%, incidindo a alíquota de 15%. Para advogados, entendimento pode ser um desincentivo à utilização da arbitragem em alguns casos.

Os lucros cessantes são os valores que a parte lesada deixou de lucrar como consequência do evento danoso. A Receita Federal entende que indenizações por lucro cessantes decorrentes de um acordo arbitral não têm direito ao desconto da alíquota de 5%, e sim apenas aqueles oriundos de sentença judicial.

Essa é a interpretação do fisco no artigo 738 do RIR/2018. Segundo esse dispositivo, “ficam sujeitas ao desconto do imposto sobre a renda na fonte, à alíquota de cinco por cento, as importâncias pagas às pessoas jurídicas a título de juros e de indenizações por lucros cessantes, decorrentes de sentença judicial”.

Matheus Bueno acredita que o entendimento da Receita pode desincentivar a utilização da arbitragem no país, dependendo do caso, uma vez que a escolha pela câmara arbitral envolve outras questões como a agilidade e custos mais acessíveis.

Além disso, afirma que, “na essência, não deveria haver diferença se foi algo definido perante o judiciário ou uma câmara arbitral”. “Mas a solução de consulta acaba significando na prática que ou as partes colocam na conta essa diferença ao eleger arbitragem, ou teriam de disputar judicialmente a interpretação da Receita sobre o IRRF”, diz.

Para Luciana Aguiar, a questão que foi resolvida em câmara arbitral deveria ser suficiente para garantir a natureza de indenização e a não incidência do IRRF.


Fonte: Jota