Lei Eleitoral pode enfraquecer movimento dos auditores fiscais a partir de abril

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Lei proíbe a ‘revisão geral da remuneração dos servidores públicos’ que exceda recomposição da inflação

A Lei Eleitoral pode enfraquecer, a partir de abril, o movimento dos auditores fiscais pela regulamentação do bônus por eficiência, gerando o fim da mobilização até abril. A visão é de alguns auditores fiscais e procuradores da Fazenda Nacional, que apontam que a proibição de revisão salarial dos servidores públicos em ano eleitoral pode motivar o presidente Jair Bolsonaro (PL/RJ) a não atender aos pleitos da categoria.

A restrição consta no artigo 73, inciso VIII, da Lei 9.504/1997, que proíbe a “revisão geral da remuneração dos servidores públicos” que exceda a recomposição da inflação a partir de 8 de abril. O argumento principal das fontes é que o dispositivo tem força de impedir Bolsonaro de conceder o bônus, uma vez que ele não se arriscaria a responder por descumprimento da lei – o que o impediria de se candidatar para as eleições deste ano.

Especialistas consultados pelo JOTA se dividem sobre o tema: alguns entendem que a regulamentação do bônus pode ser interpretada como um aumento de vencimentos, o que afetaria o movimento. Outros acreditam que a lei não proíbe uma correção por categoria.

Procurado, o Sindifisco, que representa os auditores fiscais, afirmou que a discussão sobre a possibilidade do fim do movimento em abril não está presente entre a categoria. Os auditores, de acordo com o sindicato, interpretam a Lei Eleitoral de outra forma: entendem que a regulamentação do bônus por eficiência não é aumento de vencimento, já que apenas cumpriria de forma integral o acordo salarial firmado em 2016.

Seja como for, a decisão em torno do bônus está vinculada ao que se fará para as demais categorias de servidores públicos. O governo tem uma reserva orçamentária de R$ 1,7 bilhão para lidar com todas as demandas e pressões salariais do funcionalismo. O presidente Jair Bolsonaro vinha sinalizando fazer reajustes apenas para categorias de policiais, mas diante da onda de movimentos de servidores o governo avalia um reajuste linear de R$ 300 a R$ 400 para todos servidores, que pode ser direta no contra-cheque ou no vale refeição dos servidores ativos.

Lei Eleitoral
Diante do palpite das fontes anônimas, o JOTA consultou especialistas a respeito das possíveis interpretações da Lei Eleitoral e se há a possibilidade de a norma afetar o movimento. Alguns dos especialistas defendem que a regulamentação pode ser considerada um aumento de vencimentos na prática, o que pode inviabilizar o movimento. Outros acreditam que a pauta do movimento não se enquadraria no dispositivo da lei.

Para Cássio Casagrande, procurador do Ministério Público do Trabalho no Rio de Janeiro e professor de Direito Constitucional na UFF, a Lei Eleitoral fala em “remuneração”, em sentido bem abrangente, significando todo tipo de contraprestação pelo trabalho.

Ele explica que “em princípio, ainda que se trate de ‘regulamentação’, parece-me que há um impacto no orçamento, e o objetivo da lei eleitoral, me parece, é evitar que o Executivo e o Legislativo façam demagogia às vésperas da eleição recorrendo ao orçamento para agraciar servidores com aumentos”. Para ele, a regulamentação pode ser interpretada como um aumento de vencimentos na prática. Conselheiros do Carf ouvidos pela reportagem também reforçam o ponto de que a norma pode ser interpretada dessa forma.

Por outro lado, na interpretação do especialista em orçamento e analista do Senado Leonardo Ribeiro, o texto da Lei Eleitoral deixa espaço para a regulamentação do bônus por eficiência aos auditores, já que o dispositivo veda uma revisão geral, o que poderia ser interpretado como uma permissão para uma revisão a uma categoria específica.

O posicionamento de Ribeiro encontra-se respaldado pela atual jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que entende que a Lei Eleitoral proibiria apenas uma revisão geral de remuneração dos servidores, permitindo uma correção por categoria. Algumas decisões foram proferidas no âmbito do Recurso Ordinário nº 763425 e Recurso Especial nº 39272.

A visão é similar à de uma fonte da área econômica consultada pelo JOTA, que acredita que a restrição se aplicaria só a partir de julho, quando a LRF veda qualquer medida que implicar aumento de despesas de pessoal. A partir de abril, explica, há vedação para concessão de reajuste linear a todo o funcionalismo.

Já o advogado trabalhista Eduardo Alcântara também entende que a regulamentação do bônus pode ser interpretada na prática como aumento de vencimentos. “Porém, entendo que a discussão vai ser decidida na política, corpo a corpo com o governo e suas pastas e não no Judiciário, ao menos nesse primeiro momento”, diz.

Para além, a economista sênior da Tendências Consultoria e pesquisadora associada do IBRE/FGV, Juliana Damasceno, entende que tudo depende de como vai ser feita a regulamentação do bônus, com qual frequência será concedido e a estabilidade do valor. Por exemplo, se não houver um sistema de avaliação adequado e todos os servidores receberem o mesmo valor, deve ser considerado um aumento de vencimentos. Caso contrário, seria apenas uma gratificação.

Em compensação, o artigo 457, §1º da CLT dispõe que os bônus são de natureza salarial, e a própria Receita Federal entende que os bônus por desempenho têm natureza remuneratória, incidindo as contribuições previdenciárias. O Carf tem entendimentos neste sentido, como nos acórdãos 2301-006.049 e 9202­007.725.

“As diferentes interpretações do alcance da Lei Eleitoral são suficientes para afetar o movimento dos auditores. Mesmo porque o pleito do bônus por merecimento não está contemplado no orçamento do governo federal. Então, por conveniência, eles podem usar as interpretações da lei eleitoral para tentar barrar o movimento grevista dos auditores”, disse Felipe Ribeiro, advogado especialista em Direito Eleitoral do Perdiz de Jesus Advogados.

Lei de Responsabilidade Fiscal
A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), em seu artigo 21, inciso II, estabelece que é proibido “o ato de que resulte aumento da despesa com pessoal nos 180 dias [seis meses] anteriores ao final do mandato do titular de Poder”. Ao JOTA, o Sindifisco afirmou que este dispositivo pode afetar o movimento, porém, só estaria vigente a partir de julho.

Os especialistas consultados entendem que a LRF é mais objetiva e deixa menos espaço para interpretações, o que pode significar um risco maior para o movimento dos auditores, uma vez que o bônus por eficiência seria um ato que gera aumento de despesa com pessoal, vedado pela Lei.

Além disso, em uma nota publicada no site do Sindifisco em janeiro de 2021, o sindicato afirma que “no último ano de governo (2022), não poderá ser dado reajuste para o período do governo seguinte. Ou seja: a última janela de oportunidade será o ano de 2021, para efeito em 2022. Depois disso, somente em 2023, com efeito para 2024”.

Retorno do Carf
Além de afetar os serviços da Receita Federal, a mobilização vem impactando o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). A adesão de conselheiros fazendários do Carf à mobilização dos auditores inviabilizou parte dos julgamentos do tribunal administrativo. As turmas baixas e a 2ª Turma da Câmara Superior não realizaram sessões em fevereiro devido à falta de quórum.

O fim do movimento dos auditores fiscais permitiria o retorno das turmas do Carf cujas atividades estão suspensas. No entanto, conselheiros do tribunal afirmam que as incertezas da pandemia ainda não permitem afirmar se a retomada será virtual – modelo em que estão funcionando as turmas que não pararam – ou presencial.

Após tentar, sem sucesso, um retorno presencial em janeiro, o Carf definiu em portaria que os meses de fevereiro e março teriam sessões remotas, com teto de R$36 milhões para o valor das causas. Um conselheiro confirmou ao JOTA que, diante da incerteza sanitária, a presidente do órgão, Adriana Gomes Rêgo, estuda retirar o limite de valor para as sessões virtuais, pelo menos em caráter temporário. A alteração, contudo, dependeria de portaria do ministro da Economia, Paulo Guedes.

“Por ora, não tem previsão para retorno das sessões presenciais. São várias razões. Não se sabe se o movimento [dos auditores] continuará, a pandemia e até mesmo a restrição de recursos para deslocamento dos conselheiros. Cortaram verba da Receita e do Carf também. Os recursos serão muito aquém do necessário para se fazer o mínimo”, disse um julgador.

Uma conselheira observou que o Carf chegou a efetuar gastos com passagens aéreas para as sessões de janeiro, que tiveram de ser canceladas. Assim, a presidente estaria cautelosa e aguardando uma situação mais definida. Conselheiros disseram ainda acreditar em uma retomada presencial somente a partir de maio.


Fonte: Jota