Lucros e dividendos de brasileiros cresce na pandemia e atinge R$ 384 bi

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Dados do Imposto de Renda mostram que, de cada R$ 100 declarados, R$ 70 estavam nas mãos do 1% mais rico.

Em 2020, a renda declarada no Imposto de Renda (IR) por brasileiros com lucros e dividendos subiu R$ 384,3 bilhões.

O movimento é ao mesmo tempo em que começou a pandemia de Covid-19, causando uma crise econômica no país e levando empresas a cortarem salários dos trabalhadores.

Quando comparados, o valor de 2020 é 7% maior do que o declarado nessa fonte de rendimentos em 2019.

A variação superou a inflação do período, quando o índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) terminou em alta de 4,52%

O balanço também mostra que de cada R$ 100 declarados como lucros e dividendos, R$ 70 estavam nas mãos do 1% mais rico — um seleto grupo de 316.348 declarantes que teve rendimentos entre R$ 603,1 mil e R$ 2,6 bilhões no ano de 2020.

Os dados fazem parte dos grandes números das declarações do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) de 2021, feitas com base nos rendimentos de 2020. A publicação das informações é feita anualmente pela Receita Federal.

Lucros e dividendos
Os especialistas acreditam que, por um lado, o crescimento dos lucros e dividendos sinaliza a resiliência dessa fonte de renda mesmo em um período de crise.

Mas por outro, indica a possibilidade de ter havido uma concentração de renda no país, aprofundando desigualdades.

Os lucros e dividendos recebidos pela pessoa física são isentos de Imposto de Renda no Brasil.

Entre seus recebedores estão:

  • investidores;
  • acionistas;
  • sócios de empresas;
  • profissionais liberais;
  • outros prestadores de serviços PJ (pessoa jurídica).

Em geral, o pagamento dessa verba é destinado a pessoas situadas nos estratos mais ricos da população.

Já a renda do trabalho (recebida por um profissional com carteira assinada, por exemplo) sofre desconto de IR, com alíquotas progressivas que vão de 7,5% a 27,5%.

Em contraste, a categoria de rendimentos tributáveis (que inclui os salários) teve um crescimento de 3,2% em 2020 ante o ano anterior —abaixo da inflação.

Reforma do Imposto de Renda no Congresso
O Congresso chegou a receber uma proposta da equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, que previa a retomada da taxação dos lucros e dividendos na pessoa física, uma cobrança extinta no Brasil desde 1996.

O governo propôs uma taxação de 20%, com isenção para rendimentos até R$ 20 mil mensais para micro e pequenas empresas.

A Câmara dos Deputados cortou a alíquota para 15% e ampliou as exceções. O projeto está parado no Senado, sem previsão de votação.

Os dados obtidos nas declarações do IRPF não refletem sozinhos o panorama integral da distribuição de renda no país, uma vez que apenas 31,6 milhões de brasileiros prestaram contas à Receita Federal.

Mas as informações são um termômetro relevante para identificar o que aconteceu com os rendimentos da população no ano mais agudo da crise sanitária.

Em uma divisão por grupos, considerando salários, 13º, lucros e dividendos ou outros tipos de remuneração de sócios, é possível detectar que os 25% mais pobres informaram o recebimento de R$ 111 bilhões em 2020, valor abaixo dos R$ 119,3 bilhões declarados pela mesma fatia dos declarantes no ano anterior.

O grupo considera 7,9 milhões de pessoas com renda de até R$ 28,5 mil no ano.

Já no 1% mais rico informou rendimentos de R$ 578,7 bilhões em 2020, mais que os R$ 545,6 bilhões do período anterior. Quase metade dos valores declarados vem de lucros e dividendos, que somaram R$ 271,3 bilhões nesse estrato da população.

Renda do trabalhador é afetada pela pandemia
O economista especialista em tributação e ex-diretor da IFI (Instituição Fiscal Independente) do Senado, Rodrigo Orair, destaca que a pandemia promoveu um grande baque na renda de trabalhadores situados nas faixas de menor renda, que foram demitidos ou tiveram reduções temporárias de salário, enquanto a população com maiores salários foi blindada pelas opções de trabalho remoto.

Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), 8,29 milhões de pessoas perderam a ocupação na comparação do último trimestre de 2020 com o mesmo período do ano anterior. Nesse intervalo, o rendimento médio real do trabalho caiu 1,1%.

Esse fator, associado ao crescimento de lucros e dividendos, indica uma tendência de concentração de renda no Brasil.

"Há indícios de alguma concentração no topo. Os mais frágeis estão na base", diz o especialista em entrevista à Folha.

Orair observa ainda que o crescimento do valor declarado em lucros e dividendos veio acompanhado de um aumento no número de pessoas que preenchem esse campo na declaração do IRPF. Para ele, o fenômeno pode ter duas explicações.

"A despeito de toda pandemia, o mercado acionário foi bem em 2020, e o número de investidores na Bolsa cresceu. Tinha oportunidade, as pessoas podem ter entrado nesse mercado", afirmou.

A outra possibilidade, segundo ele, é a aceleração do fenômeno da pejotização.

"Como [a pandemia] reduziu muito a base de celetistas, eles podem ter aproveitado para se enquadrar nesse novo vínculo de trabalho. Com o desemprego, precisou ganhar a vida", disse Orair.

Fonte: com informações da Folha de S.Paulo