Projetos em discussão no governo e no Congresso podem ampliar rombo fiscal em até R$ 250 bilhões

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Propostas incluem desde corte de impostos sobre combustíveis até o refinanciamento de dívidas de empresas. Risco de piora das contas públicas pode aumentar percepção de risco dos investidores com o Brasil, alerta especialista.

Projetos em discussão no governo e no Congresso Nacional podem ampliar o rombo das contas da União em quase R$ 250 bilhões, mostra um mapeamento realizado pela consultoria Tendências.

Na lista das propostas – algumas capazes de provocar um impacto de até R$ 100 bilhões –, há medidas que aumentam os gastos ou levam o governo federal a abrir mão de arrecadação.

Os projetos de maior impacto são aqueles relacionados aos preços dos combustíveis e o que permite a renegociação de dívidas (Refis) de médias e grandes empresas.


"O ano de eleição costuma ser atípico por conta dessas demandas e pela intenção do governo de usar parte do Orçamento para conseguir se projetar na corrida eleitoral", diz Juliana Damasceno, economista da Tendências e responsável pelo levantamento.

Na semana passada, o governo já abriu mão de cerca de R$ 19,5 bilhões somente neste ano com a redução do Imposto Sobre Produtos Industrializados (IPI), numa tentativa de estimular a economia. A perda efetiva da União com o benefício concedido deve ser de R$ 10 bilhões - a outra metade vai deixar de entrar no cofre de estados e munícipios.

Nas avaliação da Tendências, o cenário mais danoso das medidas estudadas teria um impacto de R$ 248,3 bilhões nas contas públicas do país. Ele considera a aprovação, dentre outros projetos, da proposta de emenda à Constituição (PEC) dos combustíveis em tramitação no Senado Federal, que tem um custo estimado de R$ 100 bilhões.

Já em um cenário mais conservador, a questão dos combustíveis seria endereçada apenas com a isenção de tributos federais sobre o óleo diesel e o gás de cozinha. A ideia é defendida pelo Ministério da Economia e teria uma renúncia de recursos bem menor, de cerca de R$ 20 bilhões. Com isso, o impacto total dos projetos cairia para R$ 173,3 bilhões.

O governo estuda acoplar essa proposta num outro projeto que tramita no Senado e altera as regras de cobrança do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre os combustíveis - trata-se de um tributo estadual que responde por boa parte da arrecadação dos governadores.

A saída envolvendo a redução de tributos federais sobre diesel e gás de cozinha já começou a ser negociada no Senado. O tema voltará a ser discutido em 8 de março.

A preocupação com o preço dos combustíveis mudou de patamar depois da invasão da Ucrânia pela Rússia. O temor de uma redução no fornecimento russo de petróleo fez com que o barril da commodity superasse a barreira de US$ 110 nesta semana - no Brasil, o preço do produto é influenciado pela cotação do dólar e pelo valor do barril no mercado internacional.

Além das propostas evolvendo os combustíveis e o Refis das grandes e médias empresas, o mapeamento da consultoria inclui:

  • correção da tabela do Imposto de Renda,
  • piso salarial para enfermagem,
  • gratuidade para idosos em transporte público,
  • complementação do fundo eleitoral,
  • isenção de Imposto de Renda para investidores estrangeiros,
  • a derrubada dos vetos do Refis das empresas do Simples Nacional e da isenção tributária para companhias do setor de turismo.

Veja os detalhes das propostas ao fim da reportagem.
Rombo fiscal — Foto: Economia g1

Reajuste a servidor pode ampliar rombo
Se a União decidir reajustar o salário dos servidores públicos, o rombo pode ser ainda maior.

Desde que o governo Jair Bolsonaro reservou R$ 1,7 bilhão para aumentar o salário de polícias federais e penitenciários, diversas categorias começaram a pressionar por reajustes ou reestruturações de carreira.

Segundo a colunista Ana Flor, agora, o governo estuda um bônus-alimentação de R$ 400 para os servidores federais da ativa, o que consumiria essa reserva de R$ 1,7 bilhão.

A consultoria Tendências também calculou os impactos em dois outros cenários hipotéticos, de reajustes salariais mais amplos. Se a União decidisse por um aumento de 19,99%, percentual que contempla a inflação acumulada entre 2019 e 2021, o custo para a União seria de R$ 59,7 bilhões. Já se o aumento ficasse em 28,15%, que corresponde ao período inflacionário de 2017 a 2021, o impacto alcançaria R$ 84,5 bilhões.

Os últimos reajustes mais expressivos para servidores federais foram concedidos em 2017 e 2019.

Cenário fiscal delicado
As simulações realizadas pela consultoria Tendências são apenas exercícios para mostrar o tamanho do risco fiscal do país. Ao longo do ano, nem todos os projetos podem andar, por exemplo, e as propostas que seguirem adiante podem ser alteradas.

O problema é que essas chamadas pautas-bombas – que ampliam os gastos do governo ou reduzem a arrecadação, sem compensação financeira – surgem num momento de fragilidade fiscal do país. No Orçamento deste ano, por exemplo, o governo federal trabalha com um déficit (gasto maior do que a arrecadação) de R$ 79,3 bilhões.

No ano passado, o país enfrentou um cenário de bastante instabilidade com as mudanças promovidas pelo governo e pelo Congresso no teto de gastos, regra que limita o crescimento das despesas federais. A PEC dos Precatórios alterou o teto e abriu um espaço de mais de R$ 100 bilhões no Orçamento da União em 2022.

À época, o governo alegou que as alterações eram necessárias para bancar o Auxílio Brasil, mas a ampliação do teto acabou possibilitando outros novos gastos, como a ampliação do fundo eleitoral para R$ 4,9 bilhões e mais de R$ 16,5 bilhões para as emendas de relator, aquelas que foram batizadas de orçamento secreto, por conta da falta de transparência.


"Acabou-se aproveitando a abertura desse espaço para acomodar despesas de caráter puramente eleitoral dentro do Orçamento. Estão aí o fundão eleitoral, as emendas de relator e também o dinheiro destinado para reajustes de polícias, que é uma base de apoio do atual presidente", afirma a analista da Tendências.

O impacto da piora fiscal
Uma sinalização de piora das contas públicas pode destravar um cenário bastante perverso e já conhecido dos brasileiros.

Um déficit maior pode fazer com que a percepção de risco dos investidores cresça, provocando uma desvalorização do dólar, alta da inflação e, consequentemente, juros mais elevados.

Juros mais alto encarecem o consumo das famílias e os investimentos das empresas, afetando diretamente o desempenho da atividade econômica.


"Não há espaço para acomodar tudo isso. Não há como fazer isso sem sinalizar uma perda de comprometimento com a situação fiscal. O país já tem um problema estrutural nas contas públicas", afirma Juliana.

"Nós não fazemos nenhuma dessas propostas, de aumento de gasto ou desoneração, olhando para o que a gente consegue cortar dentro do Orçamento e para a qualidade do gasto público", acrescenta.

 


Fonte: G1