Transmissões ao vivo das sessões do CARF

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Transmissão das sessões aumenta a transparência e a publicidade, mas apresenta riscos relevantes

A partir de agosto de 2021, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) transmitirá ao vivo, pela internet, as reuniões de julgamento não presenciais. A novidade foi publicada na Portaria CARF/ME n. 7.755 de 30 de junho de 2021. A portaria estabelece o limite de R$ 36 milhões para julgamento não presencial. No artigo 3°, determina a transmissão ao vivo no canal oficial do Conselho na internet, nos seguintes termos:

Art. 3o A reunião de julgamento será transmitida ao vivo no canal do CARF na internet, com divulgação do respectivo endereço (URL), para acompanhamento no sítio do CARF.

Parágrafo único. Eventual impossibilidade de transmissão ao vivo da sessão de julgamento não impedirá a sua realização, cuja gravação será disponibilizada no sítio do CARF na internet.

Com a transmissão ao vivo na internet, os julgamentos do Conselho se aproximam do atual modelo utilizado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), com acesso público e em tempo real aos julgamentos, incluindo as deliberações e debates entre os julgadores. No modelo anterior, os julgamentos não presenciais eram realizados por videoconferência e disponibilizada posteriormente a sua gravação, nos termos do artigo 53 §3° do RICARF.

 

Como já afirmado anteriormente neste espaço, o CARF merece elogios sinceros por sua conduta durante a pandemia. A prudência e o equilíbrio demonstrados por meio da utilização dos julgamentos virtuais de processos de menor complexidades e seu paulatino aumento bem demonstram a seriedade com que o CARF trata o seu papel na jurisdição administrativa. No entanto, também como já afirmado, quaisquer mudanças relevantes nos julgamentos devem ser feitas com muita reflexão e tempo para que os jurisdicionados possam se adequar à nova realidade.

Esta importante mudança busca aumentar a transparência a e publicidade dos julgamentos do Conselho. A transparência nos julgamentos foi assegurada por meio da combinação dos artigos 37 e do artigo 93, inciso IX, prevendo a publicidade e julgamentos públicos, tanto na Administração quanto no Poder Judiciário. Os defensores da transmissão ao vivo argumentam que a transparência e a possiblidade de escrutínio público das decisões e da deliberação é sempre salutar. Por exemplo, assim se manifestou o ministro Roberto Barroso:

“O interesse público nas questões que ocupam o Tribunal Constitucional é tão grande que a publicidade do julgamento, que só pode ser garantida plenamente por audiências públicas perante o Tribunal, não deve, em princípio, ser excluída. Pode até valer a pena considerar se as deliberações dos juízes sobre os julgamentos devem ser realizadas publicamente”.[1]

Nesse sentido, a mudança operada pela Portaria 7755/21 pode ser considerada um avanço ao conferir ainda mais transparência e publicidade aos julgamentos do Conselho. No entanto, deve-se atentar a um fato importante: apesar do aumento de transparência, a transmissão online apresenta dificuldades e problemas que precisam ser considerados quando de sua instauração. Com o espírito de contribuir ao debate em torno do desenvolvimento e aprimoramento da jurisdição administrativa fiscal, oferecem-se duas objeções à mudança promovida nos julgamentos virtuais do CARF.

Em primeiro lugar, a mudança realça e reforça o que se convencionou chamar de exclusão digital. A exclusão decorre de uma desigualdade existente entre a população, que envolve o acesso e o conhecimento no uso da tecnologia. Nas palavras de Richard Susskind:

“Uma objeção comum aos tribunais online é que seu uso exigirá acesso à internet e um nível de conhecimento sobre computadores que muitos cidadãos não possuem. A preocupação aqui é que se o único caminho para o sistema judicial e assim para a justiça é através da tecnologia, então isto efetivamente excluirá todos aqueles que não utilizam a tecnologia ou não podem fazê-lo da maneira proficiente. Os tribunais on-line, teme-se, serão um novo obstáculo para a justiça”.[2]

Geralmente, processos de baixa complexidade envolvem pessoas físicas, cujos conhecimento sobre a tecnologia e o acesso à internet não podem ser garantidos pelo Conselho. Esse risco torna-se ainda mais relevante em demandas que envolvem contribuintes com situações pessoais, familiares ou de saúde agravados pela pandemia.

Em segundo lugar, a mudança realça e reforça o que se convencionou chamar de espetacularização dos julgamentos. Esse debate foi realizado quando do surgimento da TV Justiça e o início das transmissões das sessões do Supremo Tribunal Federal.

Uma das sugestões seria, no lugar de transmissão ao vivo, a da edição dos julgamentos, com a seleção das parcelas mais relevantes, para fins educacionais e de publicização do julgamento posteriormente. Essa sugestão foi feita pelo ministro aposentado do STF Carlos Velloso nos seguintes termos:

“O que sustento é que os julgamentos do STF convêm sejam transmitidos pela televisão. Mas essa transmissão deve ocorrer após editados os debates. (…) Editado o programa, poderiam eles ser resumidos. E os grandes momentos dos julgamentos, as discussões das questões constitucionais seriam selecionados, excluindo-se o que não fosse de interesse da função jurisdicional, o que significasse banalizar a discussão”.

(…)

“Não conheço outro país em que haja transmissão ao vivo de sessões de seus tribunais. Na Suprema Corte norte-americana os debates são realizados em sessão reservada. E nas sessões públicas não são permitidas nem fotografias. Há quem sustente que esses países estariam errados. Certos estaríamos nós em exibir as entranhas de nossas instituições jurídicas”.[3]

Considerações semelhantes foram feitas por outro ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal. Eros Grau, há anos um crítico das transmissões ao vivo das sessões do Tribunal, pelos riscos de imagem e de conteúdo que elas apresentam para a função julgadora. Assim se manifesto o Professor Eros Grau:

“As sessões de julgamento do STF não podem ser reproduzidas como espetáculo midiático. Uma mudança indispensável estará na recuperação da discrição nos julgamentos do Tribunal. Tenho afirmado inúmeras vezes que toda decisão judicial é terrível. Seja porque interfere de modo agudo, determinante, na vida de quantos por ela alcançados, seja porque imediatamente se transforma em notícia (…). Nessa medida, a decisão povoa a informação mais do que atende à justiça que incumbe ao Estado produzir. De resto, também o juiz merece proteção de sua intimidade ao tomar decisões, sem sujeição a nenhuma pressão da sociedade e da mídia. Por isso, dado que a decisão judicial não é um espetáculo, mas um ofício, os julgamentos do Tribunal não podem ser banalizados, transformados em programas de televisão. Isso é inadmissível em povos civilizados”.[4]

Reitere-se, para concluir: a introdução da transmissão ao vivo dos julgamentos do Conselho certamente contribuirá para o aumento da transparência e da publicidade das decisões deste importante órgão da Administração Pública federal. No entanto, como acima mencionada, os riscos existentes com tais transmissões devem ser considerados para que as tradicionais excelência e qualidade da jurisdição do CARF não sejam prejudicadas por elementos externos.


Fonte: Jota