Reforma tributária precisa fazer mais do que simplificar, diz especialista

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A reformulação do sistema tributário do Brasil deveria focar em reduzir a oneração de faixas de renda mais baixas, defende a pesquisadora de direito tributário da FGV Tathiane Piscitelli

aprovação de uma reforma tributária antes do fim do mandato do governo atual tem povoado a agenda dos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado e do ministro da Economia com propostas em torno da simplificação de tributos e correção da cumulatividade ao longo da cadeia produtiva. Os dois fins, no entanto, não são suficientes para corrigir as distorções do sistema tributário brasileiro, avalia a coordenadora do Núcleo de Direito Tributário da FGV-SP, Tathiane Piscitelli.

Para a pesquisadora, o principal fator do sistema tributário brasileiro a ser corrigido é o caráter regressivo e a alta oneração de faixas menores de renda. Ela defende que o sistema tributário deva fazer parte dos esforços pela redução da desigualdade.

"O que a gente espera de um sistema tributário é que ele onere mais pesadamente aqueles que detém mais capacidade econômica e têm mais possibilidades de contribuir para as despesas do Estado. No Brasil temos o oposto", afirmou em entrevista ao Canal UM BRASIL, da FecomercioSP.

As propostas de reforma tributária debatidas ao longo dos últimos meses por parlamentares e governo visam principalmente a unificação de impostos que incidem sobre a cadeia de produção e miram, além da simplificação, a correção de distorções que violavam o princípio da não cumulatividade de impostos.

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), tem proposto aprovar uma reforma tributária em parcelas no Congresso. A primeira delas abordaria a união do PIS e da Cofins em um novo imposto chamado de Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), segundo o projeto de lei enviado pelo governo.

Na última segunda-feira, 7, o ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou que a equipe econômica pode propor que o tributo tenha duas alíquotas diferentes, uma de 12% para a indústria e outra menor para comércio e serviços, setores mais intensivos em mão de obra e que têm custo maior com as contribuições sobre salários, durante evento virtual promovido pela Frente Parlamentar do Setor de Serviços.

Antes de Lira definir que o andamento da proposta ocorreria direto no plenário da Câmara, foi aprovado em comissão especial outro texto que visava extinguir cinco impostos federais, estaduais e municipais e criar uma única contribuição de Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), complementada por um imposto seletivo.

 Tathiane Piscitelli, da FGV: caminho da reforma tributária é tornar o sistema mais progressivo

Tathiane Piscitelli, da FGV: caminho da reforma tributária é tornar o sistema mais progressivo (UM BRASIL/Reprodução)

A tributarista defende que as metas não são suficientes. Para além da discussão colocada, a pesquisadora considera que a regressividade deveria ocupar o centro do debate.

"Temos um sistema tributário muito focado na tributação do consumo. Isso atrai uma consequência econômica, que é a regressividade. O que significa dizer que os mais pobres pagam mais tributos proporcionalmente em relação aos mais ricos quando olhamos para a tributação do consumo", explica. "Para mim o único caminho para essa reforma tributária seria tornar o sistema mais progressivo, mais justo e mais distributivo", defende.

Benefícios fiscais e autonomia de Estados
A proposta de reforma tributária que discutida até abril em comissão mista do Congresso e com relatoria do deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) unia, além da primeira parte do projeto do governo federal, duas Propostas de Emenda à Constituição (PECs) de origem no Senado e na Câmara, a PEC 45 e a PEC 110. Ambas propõem retirar benefícios fiscais, principalmente no âmbito estadual.

A economista critica a retirada completa dos benefícios. Para ela, apesar de a sua redução visar evitar guerra fiscal entre Estados para a atração de investimentos, a extinção total de regimes diferenciados de tributos, como propõe a PEC 45, pode prejudicar a autonomia financeira de entes federativos e estímulos ao desenvolvimento regional.

Ela cita também o estímulo propiciado por benefícios fiscais a iniciativas sustentáveis, como a energia limpa. "Se aprovarmos uma PEC que elimina completamente essa possibilidade, afeta, por exemplo, benefícios fiscais para uma usina eólica que pretende se instalar em no Nordeste", pondera.

"Esse é um elemento central para pensar em redução de desigualdade e que se refere ao cumprimento de metas que o Brasil assumiu internacionalmente. Como vamos propor uma reforma tributária que seja tão uniformizante a ponto de não possibilitar nenhum tipo de variação para essa essa situação?", questiona.


Fonte: Exame