Toffoli: trecho da LPI que permite extensão de patentes é inconstitucional

Últimas Notícias
Julgamento continua na próxima quarta (5/5), com finalização do voto do relator e votos dos demais ministros

O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) deu continuidade,nesta quinta-feira (29/4), ao julgamento de ação contra trecho da Lei de Propriedade Industrial (LPI) que prevê extensão do prazo de patentes em caso de demora na análise pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI). O relator, Dias Toffoli, começou seu voto, mas não concluiu. O julgamento continua na próxima quarta-feira (5/5).

A regra em vigor prevê que as patentes de invenção devem durar 20 anos contados a partir da data de depósito no INPI, ou 10 anos após a data de concessão. Na prática, se houver atraso do instituto para analisar o pedido, a demora é compensada com mais anos de monopólio.

 

Na sessão desta quinta, apenas o relator, ministro Dias Toffoli, votou, já entendendo ser inconstitucional essa extensão. Caso o STF julgue procedente a ação, o prazo de patentes ficará limitado a 20 anos a partir do pedido, em todos os casos. Leia o voto de Toffoli.

O tema é discutido na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5529, ajuizada pela Procuradoria-Geral da República (PGR). É questionado o parágrafo único do artigo 40 da LPI, a Lei 9.279/1996. O caput do artigo 40 prevê que a patente de invenção vigorará pelo prazo de 20 anos, contados a partir da data de depósito do pedido. Mas o parágrafo único traz uma ressalva, que fixa que o prazo de vigência não será inferior a 10 anos para a patente de invenção, a contar da data de concessão.

É esta ressalva que está sendo questionada. Na visão da PGR, o dispositivo permite uma extensão de prazo de patentes, que poderiam vigorar por até 30 anos. A ação opõe setores farmacêuticos de genéricos e de medicamentos patenteados, mas o julgamento afetará todas as empresas, universidades e institutos que atuam com patentes.


Toffoli votará pela procedência da ação, declarando inconstitucional o parágrafo único do art. 40. Em sua visão, o dispositivo “é problemático sob diversos aspectos”, principalmente porque “ele acaba por tornar o prazo de vigência das patentes indeterminado”.

“Com efeito, não se sabe o prazo final da vigência de uma patente no Brasil até o momento em que essa é efetivamente concedida, o que pode demorar mais de uma década. A indeterminação do prazo é circunstância que, por si só, descortina uma série de violações constitucionais que tornam inequívoca, em meu entender, a inconstitucionalidade norma. O prazo indeterminado tem como consequência prática a ausência, de fato, de limitação temporal para a proteção patentária no Brasil. Isso porque o prazo das patentes sempre estará condicionado a uma variável absolutamente aleatória, consistente no tempo de tramitação do processo no INPI”, disse o ministro.

O ministro afirmou que a imprevisibilidade sobre o prazo das patentes no Brasil permitido pela norma que fixa a extensão independe do fato de o INPI estar diminuindo seu estoque de pedidos pendentes, por meio do Programa de Redução de Backlog, iniciado em 2019. “Vigente o parágrafo único do art. 40, o prazo entre o depósito e a concessão de uma patente sempre será indeterminado, com ou sem backlog no INPI, visto que o tempo de processamento pelo escritório de patentes é um elemento indeterminado, dadas a complexidade envolvida na análise desse tipo de pedido – que é variável e depende do produto e do setor tecnológico pertinentes – e as intercorrências que podem ocorrer no trâmite administrativo – algumas delas ensejadas pelos próprios requerentes no intuito de se beneficiarem da extensão automática prevista na norma questionada”.

Para Toffoli, a norma, “embora travestida de prazo determinado, descortina, na realidade, regra arbitrária, que torna automática a prorrogação da vigência de patentes no Brasil e possibilita a formação de monopólios por tempo indeterminado e excessivo”, o que viola os princípios da segurança jurídica, da eficiência da administração pública, da ordem econômica e do direito à saúde.

O voto de Toffoli usa como base informações do INPI, estudos realizados por universidades, como a USP e a UFRJ e o acórdão do Tribunal de Contas da União (TCU), de maio do ano passado, que determinou que o INPI tomasse medidas para diminuir o tempo de análise de patentes, apontou que o Brasil poderia economizar cerca de R$ 1 bilhão por ano em medicamentos caso o prazo de dez anos em caso de demora na análise não existisse, e recomendou à Casa Civil que fizesse estudos para derrubar esta norma.

O ministro ainda chamou a atenção para a prática chamada “evergreening”, que é a estratégia usada por empresas farmacêuticas que consiste no depósito sucessivo de pedidos de patentes derivadas de uma patente original, no intuito de prolongar a exploração exclusiva. Este problema, para Toffoli, é agravado com a existência do parágrafo único do artigo 40 da LPI.

Modulação
Toffoli, em voto que já divulgou, vai propor a modulação de efeitos da declaração de inconstitucionalidade, conferindo a ela efeito ex nunc, ou seja, a partir da publicação da ata deste julgamento.

Entretanto, o relator propõe que a modulação não incida nas seguintes hipóteses: i) sobre as ações judiciais em curso que eventualmente tenham como objeto a constitucionalidade do parágrafo único do art. 40 da LPI; e ii) sobre as patentes concedidas com extensão de prazo relacionadas a produtos e processos farmacêuticos e a equipamentos e/ou materiais de uso em saúde. Caso a proposta de Toffoli seja vencedora, estas patentes serão quebradas e passarão a ser de domínio público.

Publicidade paga por escritório
Antes de votar, o ministro Dias Toffoli criticou publicidades pagas pelo escritório Licks Advogados publicadas em jornais. O advogado Otto Licks, que representa as amici curiae Agrobio e AB2L, havia feito sustentação oral na última quarta-feira (28/4), e já havia sido criticado pelo ministro por ter dito que “fomentar a judicialização em sede de modulação de alfaiataria viola a impessoalidade”, fazendo referência à modulação proposta pelo relator.

Nesta quinta-feira, o advogado pediu desculpas, e Toffoli então citou conteúdos patrocinados pelo escritório Licks Attorneys em jornais. Toffoli disse que faria intimação aos órgãos de imprensa para saber de quem é a responsabilidade do conteúdo.

“Eu gostaria de dizer que desde estudante eu acompanho o STF, há 26 anos moro em Brasília e nunca vi matéria paga para comentar processo, seja por parte, seja por escritório de advocacia que atua na causa. Isso é deslealdade processual, é atuação temerária”, falou o ministro. “Depois vou verificar a responsabilização por este tipo de atuação. Se isso vira moda, amanhã estarão colocando em TV e rádio informes pagos para comentar processos em andamento”.

O ministro disse mais de uma vez que essa prática configura “deslealdade com os outros advogados e outras partes” e que afronta o Estatuto da Advocacia. Ao fim, Toffoli disse que seria interessante “uma publicação de matéria inteira, com um informe publicitário destes, pedindo desculpas”.

Fonte: Jota